Carta manifesto da minha recusa
Fernanda Rodrigues
quarta-feira, agosto 04, 2021
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Foto por Huyen Pham, via Unsplash. |
eu meu recuso.
me recuso focar nos problemas,
na falta do desejo,
nas discussões do dia a dia.
me recuso pensar
que foi na nossa convivência que eu desejei
e parei de desejar
a maternidade,
que você levou um pedaço grande
que ainda me faz falta no peito
— e que sempre fará.
me recuso, mesmo sabendo
que fui eu que deixei que você levasse esse pedaço,
que a responsabilidade é toda minha.
a maior de todas as recusas, contudo,
é a de permanecer observando
a sua vida de longe enquanto digo que nada acontece por aqui.
isso, meu caro, não é verdade
e não tem porque ser.
meu coração nunca vai deixar de ser inocente e sonhador.
sempre haverá dias em que o amor transbordará.
isso é da minha natureza, e eu a preservo com força
mesmo que signifique perder vez ou outra.
posso ter demorado
— meu ritmo sempre foi distinto —
contudo, saí do fundo do poço e ainda respiro.
meu corpo letárgico passa bem e sonha.
ele deseja todos os toque que você rejeitou,
todas as declarações que você não fez.
meus pulmões se enchem recolhendo mais oxigênio
e meus olhos, tão míopes, se readaptam à claridade.
a superfície é colorida,
eu aceito que ela me envolva.
eu sonho, desejo e mereço.
o sentimento do mundo brota no meu peito:
me rompo e me abro para ele,
porque cada célula de mim é feita de esperança,
de uma esperança apaixonada, dessas que fazem os olhos brilharem
e as palavras se atropelarem de tanta empolgação.
eu sou minha essência e nada no mundo
— muito menos a dor que você me causou —
vai me roubar isso.
meus joelhos se ralaram com a queda,
no meu corpo ainda restaram cicatrizes,
entretanto, essas marcas são exatamente o que elas são.
elas não me definem.
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