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domingo, 20 de outubro de 2024

Reflexões sobre aprender a perder quem se ama

domingo, outubro 20, 2024 10
Imagem por Kaboompics, via Pexels.


Perder alguém que se ama não é fácil. Há dor, há vazio, há aquela eterna sensação de chão se abrindo debaixo dos próprios pés, ainda que haja chão e que a gente consiga tocar o nosso próprio corpo. Nossa carne vive, respira, se move — mas a do outro, não. Ela não está mais respirando, coçando a cabeça, sentindo fome, medo, frio, amor. Uma linha tênue separa os mundos, um véu translúcido diz quem tem o direito ou não de envelhecer.

*

A música preenche os espaços vazios: o abraço do desquerido que partiu coração; a falta de companhia na academia; a dança sozinha no quarto depois de um dia ruim no trabalho; a canção de ninar para o sono que não vem.

A música cria laços: a viagem de carro cantada a plenos pulmões; a trilha sonora enquanto encara a fila da compra de um ingresso; a fila presencial antes de entrar no show; a canção de ninar cantada para a barriga que gesta; a música da formatura que marca uma vida; a música que você cresceu vendo os seus avós cantarem e dançarem. A primeira valsa. A trilha sonora da adolescência que antes era dos avós e dos pais e agora é sua, porque os Beatles e os Rolling Stones são eternos. A trilha sonora da adolescência que é só sua e dos seus amigos que amam rock, pop e que, no fundo, também são emos. Laços de amor. Construção de identidade. Identificação com um jeito de ser, com uma cultura, com uma língua, com um grupo.

*

Fui estudar línguas porque não queria depender de tradutor. Quando era adolescente, o Google não era tão bom e a gente ou precisava de uma pessoa proficiente, ou carregava a pilha de dicionários bilíngues por aí e perdia um tempão buscando palavra por palavra como quem procura agulha em palheiro. Eu sabia que cedo ou tarde eu veria os meus ídolos. Eu queria conseguir me comunicar sem depender. Eu procurava independência, ainda que houvesse distância entre nós.

Estudar me ajudou não só a compreender o que cantava, mas também me deu amigos — os laços novamente —, me deu uma profissão, me abriu os olhos para o mundo. Tudo porque eu queria saber o que os cinco caras da rua de trás estavam dizendo. Tê-los como ídolos me deu sonhos. Sonhos que pude realizar não só ao conhecê-los, mas de incontáveis outros jeitos.

*

Não sei lidar com doença, não sei lidar com a morte. O luto para mim é muito difícil, desafiador. Sou uma pessoa apegada e isso complica as coisas. Meus maiores medos envolvem perder pessoas que amo. Sejam essas pessoas familiares, amigos, ídolos. Todas elas, em maior ou menor grau, são do meu convívio diário. Mesmo aquelas que todo mundo diz que não sabem que eu existo. Todas elas, estão aqui: pegando na minha mão, me abraçando, dando apoio no momento difícil. Quantas vezes eu percebi que o meu mal humor era porque estava há tempos sem ouvir música, ou assistir a Friends?

A arte existe com fim em si mesma, mas ela salva a mim, a você, a milhares de pessoas. Ignorar a importância do artista, é negar uma parte de si mesmo.

*

Dizem que as únicas certezas que temos na vida dizem respeito ao nascimento e à morte. Eu incluiria uma terceira: envelhecer é sinônimo de perda. Quanto mais velhos ficamos, mais passamos a perder. Primeiro essa perda vem distante: é um amigo que perde um avô ou uma avó, depois somos nós que perdemos os nossos avós. Até que os lutos vão se aproximando. A morte vai dando os seus lembretes: um pet que morre, depois algum amigo de infância, um professor, nossos ídolos, um irmão, nossos pais... Cada um levando um pedaço nosso, igualmente grande, igualmente precioso, igualmente válido, anda que cada luto seja vivido à sua maneira.

*

Digo que não sei lidar com perdas, porque elas são imprevisíveis e não há mesmo uma receita. Por ironia, é justamente essa imprevisibilidade que nos lembra que estamos vivos, respirando, levando esses quilos de carne e ossos por aí, para trabalhar, amar, sentir. O luto é o tipo de coisa que cada um atravessa de um jeito. Cada um escolhe — conscientemente ou não — o que fazer com esse amor que não tem mais para onde ir.

Não há nada mais insensível do que querer ditar como o outro deve lidar com esse amor represado.

*

Assim como não sei lidar com o luto, não sei bem como terminar essa crônica. O que posso dizer é que se você está passando por isso, não importa quem você tenha perdido, você tem todo o meu amor.


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domingo, 4 de agosto de 2024

Reflexões sobre a simplicidade

domingo, agosto 04, 2024 6
Meu minibuquê de sempre-vivas. 


Às vezes, o que precisamos é de simplificar. Fazer o que tem que ser feito, não ficar pensando muito. Sabe aquela conversa difícil, aquela tarefa chata do trabalho, aquela pinha de roupa no canto do quarto? Não pensar muito. Ir lá e fazer. Falar. Entregar.

Quando o blog completou 18 anos, muitas pessoas me parabenizaram pela consistência. "Como manter um site por tanto tempo?" é a pergunta que ainda hoje mais ouço. Pois bem, a fórmula mágica é essa: aparecer. Vir aqui, clicar em "novo post", escrever e colocar os pensamentos no ar.

O problema, para mim ao menos, é que em alguns momentos eu me esqueço de levar esta máxima para a vida. As coisas mais óbvias, mais simples, são aquelas que precisam ser lembradas constantemente. Em uma época em que é fácil ser engolida por mil uma tarefas, mil e uma informações, mil e um medos, é fácil ser devorada por qualquer coisa que não seja realmente importante. 

Tenho pensado muito sobre isso. Sobre o que é simples e essencial. Sobre o que me traz pro eixo e me acalma. Sobre o que me tira dessa máquina de moer carne que é este tempo em que tudo tem que ser novo e pra ontem. O que traz calma e paz?

Não consigo encontrar uma resposta certa, mas tenho algumas pistas. Bloquinhos de coisas que posso montar e desmontar de modos diferentes, a depender das circunstâncias: conversar com quem amo, bolo, banho quente, chá, vídeos de stand up no YouTube, colocar no papel novos planos, um docinho depois do almoço, uma caminhadinha ao sol, visitar museus, escrever em cafeterias, gargalhar espontaneamente, ir a shows, limpar a casa, brincar com as gatas, postar no blog, estudar, visitar um parque, fotografar o que me chama a atenção, minha flor preferida, a ternura do amor...

Às vezes, o que precisamos é simplificar.

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terça-feira, 25 de julho de 2023

Dia Nacional do Escritor

terça-feira, julho 25, 2023 4
25 de julho é o dia de celebrarmos as pessoas que escrevem!


Em 25 de julho comemora-se o Dia Nacional do Escritor, o dia daquela pessoa que sempre está meio presente, meio no mundo das ideias, que está sempre anotando alguma coisa. É sobre isso que escrevo hoje.

Ultimamente me vi me perguntando por que escrevo e por que sou poeta, afinal? Penetrar surdamente no reino das palavras é algo inerente a ser humano; mas, ao mesmo tempo, é de um prazer difícil, que leva tempo, foco, profundidade, pausa — coisas que estão cada vez mais escassas nesta modernidade líquida de meu Deus.

Não tenho uma resposta precisa de como vim parar aqui, mas sei que escrever me mantém viva. Mais do que tudo e sobretudo, escrever me mantém viva. Por isso não poderia deixar a data passar em branco.



Na imagem há 17 cadernos. Eles me acompanharam de 2008 até aqui. Ainda tenho mais um de antes disso, que não está nas fotos. Ainda tenho o Algumas Observações, este blog que segue no ar desde 2006. Ainda tenho muitos sonhos...

Se não fossem por estes cadernos, por essas palavras colocadas no papel, provavelmente eu não teria participado de antologias, criado um blog e uma newsletter, escrito dois livros, me profissionalizado a ponto de formar outros escritores. A escrita me transforma a cada dia. Eu quero ver mais disso no mundo.

Compre os meus livros autografados aqui.

Para uma escritora, este texto está bem piegas e nada literário, mas é escrito com todo o amor que posso oferecer agora. A todos os meus professores que me apresentaram livros, que leram o que escrevi, que me incentivaram (e incentivam até hoje!), obrigada! A todos que leem os meus textos (seja no blog, na newsletter, nas antologias e nos meus livros), obrigada! A todo mundo que já fez ou ainda faz aula de escrita comigo, meu muito obrigada! Aos amigos que me confiaram a revisão dos livros deles, que me pediram para escrever algum paratexto, muito obrigada. Aos meus editores queridos que acreditaram no meu trabalho e me publicaram, muito obrigada! As minhas parceiras de Projeto Escrita Criativa, obrigada! Vocês todos não têm noção de como cada uma dessas experiências faz de mim uma escritora melhor.

Por um mundo com mais poesia e com mais mulheres escrevendo e publicando os seus livros!
Feliz dia nacional do escritor 🥰😍
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sábado, 25 de dezembro de 2021

A vida é feita de momentos agridoces

sábado, dezembro 25, 2021 12

A vida é feita de momentos agridoces.
(Foto tirada no Conjunto Nacional, em São Paulo.)

Hoje eu acordei melancólica, neste espaço tempo entre o passado e o futuro — que não é presente. Me recordei da época em que minha família ainda comemorava o Natal e me pergunto onde isso se perdeu. Será que se perdeu?

Ainda antes de sair da cama, alimento meu novo hábito das manhãs de sábado e leio a crônica do Fuks. Fuks foi meu professor e, embora ele não saiba, é muito importante para mim. Fico com as palavras dele na cabeça. A gente nunca está sozinho, mesmo quando está sozinho — há uma capsula interna que "guarda a memória dos toques alheios que alguma vez recebeu", ele diz. Esse é um conceito bom de se ter em mente nos momentos agridoces. A vida é feita de momentos agridoces.


Passo a manhã brincando com as gatas no quintal. Vê-las correndo atrás do ratinho de brinquedo me faz sorrir e me relembra que alguns sonhos demoram para se concretizar, mas acontecem.


Bono no Simon Christimas Busk.

No computador, Bono cantando Running to Stand Still na Saint Patrick’s Cathedral. Essa é a música que gosto de ouvir quando estou triste. Há um contraste entre ouvi-la na felicidade. Ele toca gaita e me transporta à infância e a um antigo desejo. Ainda há tempo? Há a possibilidade do encontro?

Reflito no impacto que as pessoas deixaram em mim. Reflito sobre o impacto que tenho na vida dos outros. Ser amor, exemplo, paz, abrigo, generosidade, amplitude, conhecimento. Será que já fui dor e melancolia para alguém? Será que é possível passar uma vida sem fazer mal a outras pessoas?


Penso no impacto de uma década, no Natal sem duendes ou magia, no quanto eu venho lutando para ressignificar essa data que havia morrido em suas decorações vazias de um coração partido. Não compreendo muito bem o porquê de tentar entender tudo isso agora, mas como Alice sigo, adentro à toca do coelho. 


No WhatsApp muitos votos de Feliz Natal. No Instagram, fotos de reunião de família. Na minha revisão anual, a pergunta derradeira: “Você é feliz?”. O que é ser feliz? Talvez o Natal venha para lembrar justamente isso: ressignificar é importante. Ressignificar não só os laços de amizade e fraternidade, mas também as dores, as mágoas, as angústias, as esperanças. 


Natal é tempo de reaprender a viver. Não à toa, apesar dos pesares, essa continua sendo a minha data preferida do ano.

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quarta-feira, 9 de junho de 2021

A Intermitência das Coisas — uma reflexão dois anos depois

quarta-feira, junho 09, 2021 4


Há dois anos, em um oito de junho, lancei meu primeiro livro, A Intermitência das Coisas: sobre o que há entre o vazio e o caos, pela Editora Penalux. Na época, eu era uma escritora que estava tentando se entender não só como artista, mas também como pessoa. 

Foto do lançamento, por Patricia Rodrigues.


Depois de lançado o livro, fiz um processo intenso de divulgação e o deixei na prateleira. Foi apenas agora, com mais distância de todo o processo de escrita e do nascimento da obra, que eu parei para reler o livro como um todo. E que processo interessante!

Há autores que buscam se distanciarem o máximo de suas obras. Eu nunca fiz parte desse grupo. Primeiro porque acredito que tudo aquilo que uma pessoa escreve passa pelo olhar de seu autor — esteja isso ficcionado ou não. Segundo, porque eu faço ficção —  mesmo dentro dos versos —  muito baseada no que me move, no que me atravessa causando alguma reflexão, sentimento bom ou desconforto.

Um dos marcadores de página do livro, com o poema "Maravilhamento" (página 14).
Foto por Anna Carolina Ribeiro.


Pensando nisso, ainda sou a mesma autora que escreveu o A Intermitência das Coisas. Aliás, continuo na corda bamba entre o vazio e o caos, e talvez este seja um tema que seguirá como mote da literatura que produzo. Também continuo ser solitário em meio a tantas gentes —  como versei na primeira estrofe de "Visão". Nesse sentido, é curioso como a primeira obra é a impressão digital da nossa arte no mundo.


Fernanda Rodrigues segurando um exemplar de seu livro A Intermitência das Coisas, lançado em 2019.
Criadora e criatura — dois anos depois. 💙


Por outro lado, não sou mais a mesma, ainda que "Bato" e "Sentença" (abaixo) sejam um prenúncio de como escrever me mantinha e ainda me mantém viva. A Fernanda que escreveu A Intermitência das Coisas estava acuada e ferida, carregando dores e se culpando — como o eu-lírico dos poemas "Escolhas" e "Escolhas 2" nos conta. Olhando hoje, estas feridas já cicatrizaram. E, observando já com os olhos da distância, posso dizer que o evento de lançamento teve muito a ver com isso. Que ironia escrever sobre tanta dor e receber tanto amor em troca. Sem dúvida alguma, esse foi o dia em que mais me senti honrada e amada na vida. Sou muito grata por todos que estiveram ao meu lado.


Um dos poemas do livro A Intermitência das Coisas.


Faz frio e nada melhor do que ler um livro de poesias em uma tarde gelada. Fiz a releitura como se me dedicasse a uma obra escrita por outras pessoas. Foi bom. É sempre bom revisitar o próprio processo criativo. Em termos de estilo, há poemas que eu faria de outro jeito, por puro amadurecimento do modo com que vejo a construção do texto poético hoje. Em termos de conteúdo, há dor, mas também há esperança e uma dose de inocência que sempre me acompanharam e que continuam me agradando.

É bacana poder olhar para uma publicação e se orgulhar dela. Que sorte a minha! 

💙💙💙

Para ver a live que fiz comentando tudo isso e lendo alguns dos poemas do livro, acesse o IGTV ou aperte o play: 


Para ver a playlist completa do livro, acesse aqui.

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quarta-feira, 2 de junho de 2021

Em obras

quarta-feira, junho 02, 2021 12


Olhar para dentro é sempre um processo que exige esforço. Não digo pelo olhar em si, mas sim pela análise que o acompanha. É preciso ter coragem para acessar áreas que estão sinalizadas com uma placa de “acesso restrito”, pedaços do ser que só o inconsciente tem passe livre.

Às vezes, como em um conto de fadas, adentro à área proibida da floresta. É ali, no lago iluminado pela Lua cheia, que me perco e me acho. Há feridas que me acompanham ao longo da vida e que talvez nunca se curem. Mesmo assim, é bom ver meu reflexo na água. Quantas vidas cabem em um segundo?!

Nem sempre, contudo, esse exercício vem premeditado. Uma coisa é olhar para dentro numa sessão de terapia, em que as condições de temperatura e pressão são aparentemente controladas. Outra é se pegar pensando ao andar na rua, ao olhar o céu, ao ler um verso de um poema. Quando o mergulho é tão espontâneo quanto o ir e vir das ondas do mar, ele é muito mais profundo. A surpresa, muitas vezes, estremece. 

Olhar para dentro exige esforço. E exige humildade também. Não é possível racionalizar tudo o tempo todo e controle é algo tão ilusório quanto enfileirar a vida em dias, meses e anos. Fermentar bons sentimentos diante do pavor é uma lição a ser apreendida.

Ainda não sei o que vou fazer com o relicário encontrado no espaço interditado que há em mim.

Selo de participação da blogagem coletiva do Projeto Escrita Criativa.
O tema da blogagem coletiva de junho de 2021 foi: Aquilo que eu vi....
Para saber mais sobre o Projeto Escrita Criativaclique aqui.
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domingo, 21 de março de 2021

Dia Mundial da Poesia

domingo, março 21, 2021 24
21 de março, dia mundial da poesia. 💚

Hoje, 21 de março, é dia mundial da poesia. 
Fiquei pensando no que escrever sobre isso. 
Fiquei pensando no quanto escrever e ler poesia me transforma. 
Fiquei pensando na minha gata. 
Fiquei pensando na cura e na delicadeza e nos amigos que fiz por causa dos versos que compartilhamos (nas angústias que compartilhamos, no amor que compartilhamos). 

O que escrever sobre poesia quando o mundo está em luto? 
Falar sobre guerras e fome e pobreza já parece não dar conta. É aí que o poema que traz fôlego para a luta. Quando os corações se partem e se escancaram, é aí o poema que traz a esperança. 
Quando é preciso abrigo, quando falta ar para respirar, quando é necessário amar, quando é imprescindível encontrar o resquícios da criatividade já tão soterrada pela falta de tempo e pelos boletos a serem pagos, são os versos, os sons e os ritmos que nos convidam a dançar — nem que seja por apenas um segundo, nem que sejam passos tímidos e desajeitados. 

O que dizer no dia mundial da poesia, se não agradecer pela arte que me mantém em pé? Obrigada,  mundo, que me permite escrever os versos mais intensos. Obrigada, poetas, que não me deixam desistir! Obrigada, leitores, que não desistem da fagulha criadora que me habita.

Que cada verso nos nutra em força e gentileza. 
Feliz caminhada a todos nós!

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terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Como foi o seu dia?

terça-feira, fevereiro 16, 2021 14
Foto do entardecer de 15 de fevereiro de 2021.


Sou alguém que ama compartilhar. Não digo apenas sobre o que sei — algo intrínseco da minha profissão de professora —, mas sim o que sinto, o que vivo, as miudezas da vida.

A partilha mais bonita responde ao como foi o seu dia?. Quando essa pergunta vem da alma, sua resposta é uma declaração de amor, de amizade, de troca. Quando a resposta é sincera, a reciprocidade é entrega à relação que está ali estabelecida — seja ela do tipo que for.

Algumas pessoas veem isso como "dar satisfação". Já eu gosto de pensar que  esse pequeno ritual estabelece vínculo. Não somos obrigados à nada, e justamente por não sermos, que perguntar ou responder a um como foi o seu dia? se torna um gesto de carinho. Em uma sociedade em que tudo é aparente e quase nada é profundo, em que as pessoas estão sempre dispostas a falar, mas nunca a ouvir, se importar de verdade é uma bandeira verde para a construção de laços duradouros.

Virginiana que sou, acabo implementando esse cuidado na rotina com facilidade. Quando me conecto a novas pessoas e sinto que elas são importantes, quando as velhas amizades se tornam cada dia mais fundamentais, com o meu pequeno núcleo familiar. Gosto da rotina de entender como as pessoas ao meu redor estão e de saber se posso ajudá-las a tornar o dia delas nem que seja um pouquinho melhor, um pouquinho mais feliz.

Contudo nem sempre isso é recíproco. Às vezes o cuidar vem com rejeição. Às vezes acompanhar o Big Brother é mais interessante do que perguntar como eu estou ou me sinto. Às vezes é furar a rotina do falar todos os dias por um motivo qualquer. Às vezes é o jeito distraído de quem só pensa em si mesmo. Às vezes, eu não tenho o mesmo grau de importância que essas pessoas têm para mim. Acontece. Tudo na vida é aprendizado (e algumas rejeições são livramento. Doem, mas no final sempre nos levam por melhores caminhos).

Tenho para mim a ideia de que são os pequenos gestos os que mais importam. O como foi o seu dia? é uma minúscula porta que permite que outras pequenas gentilezas entrem na relação — seja ela de que natureza for —, para estabelecer algo maior e mais bonito. E o que é o viver se não justamente construir e fortalecer laços com quem é importante para nós?

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terça-feira, 20 de outubro de 2020

Reflexão sobre o processo de se organizar

terça-feira, outubro 20, 2020 4
Foto por Estée Janssens, via Unsplash.

Acordei com um insight que não compartilhei no post sobre como eu organizo a minha semana, por isso resolvi complementar aquelas dicas escrevendo este texto. 

Conforme contei antes, a organização faz parte da minha vida — agora, mais do que nunca, porque todo mundo que empreende tem que ser muito organizado para dar conta de todos os projetos —, mas o que muitas vezes a gente não para para pensar é que toda organização e planejamento são frutos do autoconhecimento. Só assim a gente passa a compreender melhor o que funciona ou não, o que é mais fácil ou mais difícil de ser implementado e o que/como — de todas as milhares de dicas e métodos — deve ser ser adaptado.

Esta semana está sendo bem complexa para mim. Desde que deixei a sala de aula da escola, talvez este seja o período em que a agenda está mais lotada (vários clientes com muitas demandas e prazos próximos), então tive que emendar a semana passada nesta (trabalhando no final de semana). Dormi pouco, bebi pouca água, entrei no fluxo da correria e me dei conta de que não conseguiria terminar tudo o que preciso fazer seguindo nesse ritmo. Aí veio o tal insight do primeiro parágrafo:

O que pode levar todo o meu planejamento por água abaixo?

Salve esta imagem para sempre se lembrar dessa pergunta. ;)


No meu caso, não adianta eu ter a minha lista de tarefas/próximas ações e agenda no papel, se eu não tiver dormido bem e bebido muita água. Um sono de má qualidade (ou em quantidade insuficiente), me deixa cansada, mal-humorada, com dificuldade de foco nas atividades longas. Já a falta de hidratação prolongada (dois ou três dias bebendo pouca água), prejudica muito a minha rinite e traz com ela os sintomas que me impossibilitam de fazer qualquer coisa (como uma forte dor de cabeça, que me faz querer ficar deitada em um quarto escuro).  

Acho que isso pode variar de pessoa para pessoa. Há gente que não consegue ter um dia bom sem se alimentar bem no café da manhã — coisa que eu, por exemplo, não consigo fazer. Então é o caso de você pensar o que te afeta que pode destruir todo aquele planejamento lindão que você criou para a semana, para o mês ou para os planejamentos a médio e longo prazo.                                            

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sábado, 17 de outubro de 2020

O que há do ser?

sábado, outubro 17, 2020 6
Da viagem a Brasília, em 2017.


— O que é ser mulher hoje? — Uma professora me pergunta do outro lado da tela. Ela sorri com toda a sua vivacidade e juventude. 

— O que é ser mulher hoje? — Me pergunto, enquanto meus neurônios tentam raciocinar e achar uma lógica para algo que deve ser dito em uma fração de segundos. As palavras “luta”, “resistência”, “força”, “voz” e “fragilidade” brotam das bocas de outros colegas. Eu, submersa em mim mesma, tento regressar à superfície. 

Será que eu posso ser eu mesma? Com a minha pele negra, meu ar astuto de quem tem curiosidade sobre a vida, com a minha nacionalidade que convive a desigualdade todos os dias, será que eu posso ser eu mesma? Posso trazer à tona o que há dentro de mim? 

Olho rapidamente as anotações em meu caderno. Leio “a arte transforma”, “o conhecimento liberta”. Acabo escrevendo no chat que “ser mulher é lutar para ser o que se quer ser, não o que as pessoas querem que as mulheres sejam”. No fundo, todas nós travamos as nossas lutas diárias pela sobrevivência, por fazer aquilo que acredita. 

Mais uma vez me pergunto se posso trazer à tona o que há dentro de mim. Penso nas minhas ancestrais e nas minhas contemporâneas. Essas mulheres me dão forças para seguir em frente. Se há um front, seguimos juntas.

O tema da blogagem coletiva de outubro de 2020 é: Dentro de mim.
Para saber mais sobre o Projeto Escrita Criativa, clique aqui.

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sexta-feira, 14 de agosto de 2020

50 perguntas para conhecer alguém mais a fundo — #SextadoBlog 02

sexta-feira, agosto 14, 2020 32
Foto por Nick Morrison, via Unsplash.

Navegando no Pinterest, o lugar em que podemos encontrar ideias para absolutamente tudo, encontrei um post no blog da Gazia, chamado 50 "dig a little deeper" questions, com cinquenta perguntas que as pessoas normalmente não fazem e que nos ajudam a conhecer uns aos outros. Partindo dessa premissa, eu resolvi traduzir (adaptar em alguns casos) e responder às perguntas. Bora trocar ideias sobre assuntos aleatórios?

1. Você prefere escrever com caneta azul ou preta?
Definitivamente, caneta preta

2. Você prefere morar no campo ou na cidade?
Amo cidades grandes, mas também amo estar em meio ao campo. O contato com a natureza é algo que me revigora, mas eu preciso da agitação de uma grande metrópole (com todos os seus acontecimentos culturais) para me manter viva. Gosto muito da possibilidade de ter tudo ao meu alcance 24 horas por dia, 7 dias por semana. Talvez seja por isso que eu goste tanto de Buenos Aires (lá eu consigo encontrar as duas coisas juntas). 

3. Se você pudesse aprender uma nova habilidade, qual seria?
Duas coisas que eu fico enrolando e que preciso priorizar na minha vida: aprender a andar de bicicleta e falar alemão. Amo conhecer novas culturas a partir da língua, então seria ótimo aprender uma nova forma de me expressar.

4. Você bebe o seu chá ou o seu café com açúcar?
O chá eu bebo sem açúcar. O café vai depender do acompanhamento e do meu humor no dia. De um modo geral, é sempre com pouco açúcar. 

5. Qual era o seu livro preferido na infância?
Eu era fascinada em um livro da Diléa Frate, chamado Procura-se Hugo. Ele é baseado numa vivência real da autora: o cachorrinho Hugo se perde da família e todo mundo sai à procura dele. Segundo as informações da Amazon, esse foi um dos livros mais lidos nas bibliotecas públicas de São Paulo, no final da década de 90, então acho que a história era boa mesmo! hehehe

6. Você prefere banho de banheira ou de chuveiro?
Se for para descansar, prefiro banheira. Mas se eu estiver sem tempo de descanso, chuveiro. (De qualquer modo, ainda não tenho banheira em casa, então vamos para a próxima pergunta!)

Chandler na 5ª temporada de Friends, episódio 2 (Aquele com todos os beijos)


7. Se você pudesse ser uma criatura mítica, qual você escolheria?
Seria a deusa da sabedoria ou uma bruxa cheia das ervas da floresta. Gosto de me imaginar cheia das plantas, com muitos gatos pela casa, ajudando as pessoas com os meus conselhos que sempre acertam.

8. Você prefere ler livros físicos ou e-books?
Pelo amor, livro físico! Eu acredito que a leitura não é só a história ou a informação (no caso da não-ficção), ler é viver uma experiência! Eu gosto de vivenciar tudo: sentir a textura do papel, os detalhes da capa, o cheiro do livro! Ai como eu amo cheiro de livros! 

9. Qual é a sua peça de roupa preferida?
Atualmente vestidos. São frescos, elegantes e não preciso passar por todo o tormento de ter que ficar combinando roupa.

10. Você gosta do seu nome? Você trocaria de nome se pudesse?
Na infância, eu de-tes-ta-va o meu nome, porque eu passei um bom tempo convivendo com outras Fernandas na escola (esse era sempre o nome que aparecia 2, 3 vezes na lista de chamada). Depois de um tempo, vi que ele traz muito do que eu sou: alguém que busca fazer coisas pela paz de um jeito bem pragmático. Acho que hoje não trocaria de nome.

11. Quem é um mentor para você?
Há várias pessoas que me inspiraram e que me inspiram em diferentes áreas. É difícil citar uma só. De um modo geral, considero boa parte dos professores que tive meus mentores. Minha terapeuta também me ajuda muito nessa tarefa doida que é viver.

12. Você já quis ser famoso? Se sim, ter fama por quê?
Famosa, não. Ser reconhecida por ter deixado um bom legado no mundo, sim. Espero que o meu trabalho como docente e a minha literatura contribuam para que eu possa ser melhor e que inspirem as pessoas ao meu redor serem melhores também.

13. Você dorme tranquilo ou tem um sono inquieto?
Eu sou uma dorminhoca de mão cheia desde que me entendo por gente. Meu sono é pesado e tranquilo. As noites inquietantes são as que tenho pesadelos ou as que sonho comigo dando aula (sempre leciono andando pela sala de aula).

14. Você se considera romântico?
Já fui muito mais. Acho que os relacionamentos ruins deram uma matada nesse meu lado, mas ainda sonho em encontrar o meu Chandler Bing.

15. Qual é o elemento que melhor te representa?
Terra e o fogo. A terra que nutre (eu sempre fico cuidando de todo mundo ao meu redor) e o fogo, sempre tão apaixonado (pelas pessoas, pelos lugares, pelos projetos e pelas histórias).

16. De quem você gostaria de estar mais perto agora?
Fisicamente, das minhas amigas que moram em outros estados. Intelectualmente, do casal Obama. Artisticamente, do U2. (Sério, acho que seria muito revelador ter uma tarde de conversa sobre a vida com essas personalidades.)

17. De quem você sente saudades no momento?
Eu sempre sinto falta do meu avô paterno. Ele morou comigo até morrer, e vira e mexe eu me pego pensando o quanto ele iria ser amigo das minhas gatas, Poesia e da Camomila. (Agora, em tempos de quarentena, eu sinto falta de todo mundo que eu não posso ver! Já se vão 5 meses vendo apenas os meus pais e a minha irmã.)

18. Nos conte sobre a sua memória de infância mais antiga.
Eu, bebê no berço, tentando colocar o meu pé na boca. 

19. Qual é a comida mais estranha que você já provou?
Eu sou muito ruim em provar comidas novas. Tenho resistência real (ainda mais se a comida for feia). Entretanto, já experimentei a ração seca das gatas (coisa de mãe?!).

20. O que você consegue ver da janela do seu quarto?
A janela do meu quarto é minúscula e dá para o meu quintal. Não tenho uma vista bonita.

21. Pelo o que você é mais grato?
Minha família. Meus amigos. Minhas gatas. Ter saúde e ver a todos eles com saúde. Ser uma mulher negra que, apesar do muito esforço, conseguiu furar uma bolha social perversa e chegar a duas pós-graduações. 

22. Você gosta de comida apimentada?
AMO/SOU! uahsuahsua 
Sério, adoro comida apimentada, mas aqui em casa ninguém gosta. #chateada

24. Você já conheceu alguém famoso?
Siiiiiiiiiiiiiiiiiim, e posso provar:

Com os Backstreet Boys. Foto por Justin Segura.

Com os Backstreet Boys. Foto por Justin Segura.

Escrevi uma série de posts contando como isso aconteceu. Para lê-los, clique aqui.

24. Você mantem um diário ou um bullet journal?
Como contei no post de como eu me organizo, tenho um planner e um diário. Já tive um bullet journal (inclusive, você pode vê-lo aqui), mas a vida ficou corrida, então preferi comprar o planner do que ter que fazer tudo do zero.

25. Você prefere usar caneta, lápis ou lapiseira?
Caneta preta sempre.

26. Qual é o seu signo solar?
Virgem (meu ascendente é sagitário, minha Lua é em peixes e minha Vênus é em escorpião).

27. Você prefere o seu cereal crocante ou no leite?
Mil anos que não como cereal, mas gosto dele crocante. No leite, prefiro aveia.

28. O que você gostaria que fosse ou pretende deixar como legado?
Conectar as pessoas com o conhecimento e com a arte. Acho que a literatura é uma grande porta para que a gente se perceba e reflita na nossa relação com o coletivo. Se com o que eu ensino ou com a minha literatura conseguir nos inspirar a ser melhores, está valendo.

29. Você gosta de ler? Qual foi a última leitura que você fez?
Aprendi a gostar de ler na adolescência. Agora, amo tanto os livros que me tornei escritora. O último livro que terminei de ler foi o Mulher Assimétrica, da Maria Luiza Corrêa (Editora Quelônio). A Marilu é uma escritora de mão cheia e uma amiga querida. O livro dela é sensacional! 

30. Como você demonstra para as pessoas que as ama?
Eu faço tudo o que posso para vê-las bem, busco ser o mais leal possível. 

31. Você gosta de gelo nas suas bebidas?
Só nos dias de verão.

32. Do que você tem medo?
De ver meus pais sofrerem e de agulhas.

32. Qual é o seu cheiro preferido?
Erva-doce, capim-limão, de café, de grama recém-cortada, de roupa de cama recém-trocada, de livro novo e do bafinho das gatas.

34. Você se dirige às pessoas mais velhas pelo nome/você ou por senhor/senhora?
Eu sou a pessoa mais informal do universo, então eu sempre opto por nome/você, se a pessoa assim permitir. Acho que o respeito vai mais de como a gente trata as pessoas do que do pronome pela qual a tratamos.

35. Se o dinheiro não fosse uma questão, como você viveria a sua vida?
Eu viajaria o mundo inteiro e estudaria sem me preocupar com mais nada. Também buscaria uma forma de apoiar o desenvolvimento de quem tivesse menos que eu.

36. Você prefere nadar na piscina ou no mar?
Eu não sei nadar. :(

37. O que você faria se encontrasse R$100,00 no chão?
Procuraria o dono.

38. Você já viu uma estrela cadente? Se sim, fez um pedido?
Nunca vi, mas acho que provavelmente pediria saúde para mim e para quem amo.

39. Qual é a principal coisa que você quer ensinar para os seus filhos?
Não quero ter filhos. Vale alunos? O meu maior desejo era despertar neles o amor pela busca do conhecimento. 

40. Se você tivesse uma tatuagem, o que seria e em qual parte do corpo?
Se eu não tivesse tanto medo de agulhas, faria no pulso "free yourself, to be yourself". Esse é um verso de duas músicas do U2 (Iris e Lights of home).

41. O que você está ouvindo agora?
A Poesia e a Camomila correndo pela casa e música cubana.

42. Onde você mais se sente seguro?
Nos lugares em que me sinto acolhida.

43. O que você mais quer superar/conquistar?
Quero superar a minha fobia de agulhas e quero conquistar um carreira estável na literatura.

44. Se você pudesse viajar para qualquer era, qual você escolheria?
Não sei. Talvez voltaria para 1922, se pudesse ser amiga dos escritores e artistas modernistas (principalmente do Drummond, da Clarice e do Rubem Braga).

45. Qual é o emoji que você mais usa?
😍😍😍😍😍😍😍😍

46. Qual é a sua estação do ano preferida? Por quê?
Gosto de calor, então a primavera e o verão são as minha preferidas. Passear com sol, não precisar de um milhão de roupas para se sentir bem. Noites animadas. Curto.

47. Como é um dia ideal para você?
Com uma boa noite de sono, tarefas feitas, muita música, café com quem amo (ou dia de show aushuahsuas).

48. Se descreva usando uma única palavra.
Persistente.

49. Do que você mais se arrepende?
De ter passado muito tempo sofrendo por quem não estava nem aí pra mim. 

50. Invente uma palavra. O que ela significa?
Bueninspe. (substantivo) Estilo de vida de algo ou alguém que tem boas ideias e as compartilha com os pares de modo a criar uma sociedade mais empática, igualitária e justa. Esse compartilhar é vital para este algo ou alguém. Exemplos: Fulano foi tão b. que todos seguiram os seus passos. Isso é tão b. que quero fazer igual. Etimologia: latim bene 'bem, vantajosamente, excelentemente, convenientemente, felizmente, prosperamente etc.', depois substv., der. do latim bonus,a,um 'bom' + latim inspirátio,ónis.

50 perguntas para conhecer alguém mais a fundo
Que tal responder a essas perguntas no seu blog/site também?


Espero que vocês tenham se divertido lendo este post tanto quanto eu me diverti respondendo às perguntas. É muito bacana esse processo de pensar nas respostas e se autoinvestigar. Agora, fico esperando você me contar nos comentários em que somos parecidos e distintos. Vou adorar saber mais sobre você. E, se quiser responder às perguntas também, não deixe de me avisar. Vou amar ler as suas respostas!


Sexta do Blog
Este texto faz parte de uma blogagem coletiva. Veja abaixo os outros blogs participantes:


Caso você queira ler os outros posts  que eu escrevi na #SextadoBlog, acesse: 
01 ♡

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sábado, 18 de julho de 2020

Uma carta para você

sábado, julho 18, 2020 9
Imagem ilustrativa do post "Uma carta para você", do blog Algumas Observações. Nela, o livro "A Intermitência das Coisas" e um caderno aberto sobre a mesa.
(Imagem e texto por Fernanda Rodrigues)

Querido você,

gostaria de dizer que sinto muito. Sinto a ausência das caminhadas nas ruas, a falta do planejamento da viagem dos sonhos, o vazio da certeza de uma rotina sólida. Eu sinto por ter que te ver na luta pela sobrevivência e sinto mais ainda pelas perdas de seus entes queridos. Queria, caro você, poder te abraçar e dizer que tudo vai ficar bem. 

Sei que é difícil acreditar nisso. As notícias chegam cada vez mais assustadoras como seus números estarrecedores ganhando mais e mais nessa escalada. Como lidar com um vírus letal, sendo que parte da população finge que ele não existe? Como lidar com a mulher do político negligenciando a criança que morre abandonada? Como lidar com um governo que não sabe nem nomear os próprios ministros? Como respirar enquanto um policial faz questão de pisar no pescoço de uma mulher indefesa? São muitos pratos para equilibrar e faltam mãos, eu sei. 

Máquina de escrever com cactos.
Foto por Florencia Viadana, via Unsplash.

É difícil compreender o que se passa, quando o cenário real é inverossímil. Nós não estamos preparados para lidar com a irrealidade sem controle que chega transformando tudo em alta velocidade. Se ela tivesse o mínimo de coerência seria diferente. Então, a única coisa que é fácil aqui é pirar. Simples assim. 

Olho para todas essas circunstâncias e me sinto repetitiva. Além da rotina, das notícias, da casa, eu sou a mesma todos os dias. Ouço as mesmas músicas, leio os mesmos livros, trabalho nos mesmos projetos, escrevo sobre os mesmos temas gauches na vida. Sou cachorro correndo atrás do próprio rabo, ao passo que a vida vem com este rolo que me comprime a passos lentos. 

Sabe, querido você, eu fico me perguntando — dia após dia — o que vai sobrar de tudo isso. Será que vai sobrar algo? A vida é sempre tão a mesma, mas sempre tão cheia de incertezas. 

Hoje não consegui ver o céu mudando de cor. Está frio e eu estou triste. Entretanto, gostaria que você soubesse que mesmo infeliz e confinada, sigo ao seu lado. Seguimos juntos. 

Com amor, 

Meu Eu 

Selo de participação da blogagem coletiva do Projeto Escrita Criativa.
O tema da blogagem coletiva de junho de 2020 foi: ninguém solta a mão de ninguém.
Para saber mais sobre o Projeto Escrita Criativa, clique aqui.

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domingo, 12 de julho de 2020

A busca pelo conhecido

domingo, julho 12, 2020 24

Pôr do sol. Entardecer visto do meu quintal. Céu alaranjada, roxo e azulado.
Céu mudando de cor, visto do meu quintal. 
Imagem: Fernanda Rodrigues

Passo os dias trabalhando sem sair. Entre um digitar e outro, uma leitura e outra, vou da sala à cozinha, coloco a água para ferver na chaleirinha velha e solto o berro em direção ao quintal:


— Mãããããããe, quer café?


A tarde se esvai enquanto a água segue seu caminho entre o pó e o filtro até fazer morada no fundo da caneca. Observo a fumaça quente e o cheirinho que se espalha por toda a casa. A moradia se converte em aconchego do lar.


Saio para o quintal com minha caneca na mão. Sorvo o líquido quente aos poucos. As gatas dormem em suas caixas de papelão depois de terem corrido muito atrás de seus brinquedos. Estou só  minha mãe já voltou para algum de seus muitos afazeres — mas não estou. Sinto um calorzinho por dentro, que sei que não é só o efeito do café quente. Então, olho para cima.

Vista do entardecer. Céu em tons de azul claro, azul escuro, rosa e laranja.
Céu mudando de cor, visto do meu quintal.
Imagem: Fernanda Rodrigues


O fim do dia sempre foi o meu horário preferido. Agora, em quarentena, ele ganhou um novo significado. Olhar para cima é a minha forma de respiro, o meu sair de casa sem sair, a minha resistência. Ver o céu mudando de cor me lembra de que há vida acontecendo — dentro e fora de mim. O sol se põe me lembrando de que o mundo — ah, o mundo! — ele continua a girar.


De algum modo esta pausa me faz esquecer das incertezas, me afasta do que me dói. A vida não é mais sobre o caos político ou sobre um vírus que mata por onde passa. Não. Durante aquele espaço de tempo de meia hora, quarenta minutos, em que o azul claro se transforma em laranja, em rosa, em roxo até que se escurece de vez, a vida é sobre estar presente e honrar o próprio silêncio. 


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