terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

{Resenha} A Terra dos Meninos Pelados, de Graciliano Ramos

Breve análise do conto de Graciliano Ramos.

Em 1939, Graciliano Ramos publicou A Terra dos Meninos Pelados, livro que inovou a literatura infantil e juvenil. Com sua linguagem baseada nos novos valores literários, o texto apresenta o predomínio do mundo fantástico, onde nada é impossível.

A narrativa mostra inovação desde o seu princípio, quando apresenta Raimundo: um protagonista descrito como um menino diferente – tem o olho direito preto, o esquerdo azul e a cabeça pelada – que é chacoteado pelas outras crianças. Ou seja, o autor principia o texto mostrando uma personagem que não pertence a um grupo social dominante e que sofre da exclusão sobre a qual é vítima.

Para aproximar o leitor do texto, Graciliano constrói a narrativa utilizando linguagem coloquial, como podemos ver no trecho em que os garotos zombam de Raimundo: “Como botaram os olhos de duas criaturas numa cara?”

Ao trabalhar o universo imaginário, o autor cria personagens antropomorfizadas. Em Tatipirun – a terra onde todos têm os olhos de duas cores e a cabeça pelada – os carros falam, riem, piscam e voam (“Mas o automóvel piscou o olho preto e animou-o com um riso grosso de buzina: - Deixa de besteira, Raimundo. Em Taipirun, nós não atropelamos ninguém”.), a “laranjeira que estava no meio da estrada afastou-se para deixar a passagem livre” e depois conversou com o menino. Além destes exemplos, pode-se citar ainda: o troco, a aranha (representante da indústria têxtil), a cigarra (que representa os artistas), a rã, as cobras corais e o vaga-lume – todos eles falantes.

Ainda para compor este mundo de fantasia, Graciliano Ramos trabalha a linguagem fazendo uso de neologismos. Nomes como o do lugar onde todos são iguais ao protagonista (Tatipirun), o sítio de onde veio a personagem principal (Cambacará) a serra que Raimundo atravessa para chegar à terra dos meninos pelados (serra de Taquaritu), os personagens humanos (Caralâmpia, Pirenco, Talima, Sira, Pirundo) e palavras que aparecem ao longo do texto - como “princesência” -, foram criadas para reforçar a magia e a perfeição vividas na terra de Tatipirun. Além deste recurso, o autor emprega ainda um estrangeirismo dito pela rã (“Parece até um meeting, disse a rã que pulou na beira do rio”.) e abusa das metáforas, como pode-se constatar no trecho a seguir: “ – E boa, interrompeu um menino sardento. Meio desparafusada, mas um coraçãozinho de açúcar. Aquela é Sira”, criando uma sensação de que tudo o que acontece no principado é real, pois cada ser tem sentimentos, nomes e pensamentos próprios.

O autor sabia da importância fundamental que a fantasia tem na vida das crianças. Ao criar a terra dos meninos pelados, Graciliano cria um local democrático, totalmente inversa a Cambacará – lugar de origem do Raimundo – onde há injustiças. Ao mesmo tempo, Tatipirun dá a força necessária ao pequeno menino pelado retornar ao seu lar se aceitando como ele é e não como os outros querem que ele seja. Por meio deste universo mágico os pequenos leitores podem ter como exemplo a personagem principal para enfrentar problemas do dia-a-dia (como o preconceito por ser gordinho, por usar óculos, por ser muito mais alto ou muito mais baixo que as outras crianças na escola, por exemplo).

Por fim, deve-se ressaltar que o texto apresenta uma intertextualidade com outra narrativa infantil clássica: Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll. Ambas as obras retratam de forma surreal a aventura de suas personagens principais em uma terra de fantasia, em um mundo encantado.


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10 comentários:

  1. Me pareceu ser um livro interessante e pelo seu relato provavelmente seria um livro que eu iria gostar de ler. Tenho que me abrir mais com relação aos clássicos da literatura brasileira e pretendo fazer isso esse ano.
    Beijinhos.

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    1. Vale muito a pena. Esse livro é muito gostoso de ser lido :D

      Beijos!

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  2. Eu lembro de uma minissérie ou filme que a Globo produziu há mais de dez anos baseado nesse conto. Eu adorei a magia que acontecia no mundo paralelo e lembro que tinha um amorzinho especial pelo Raimundo por tudo que ele representava também pra minha infância - já que sofri bullying pelo excesso de peso. Sinceramente, eu nem sabia que existia um livro, muito menos que tinha sido escrito há tanto tempo assim. Fiquei muito feliz de descobrir isso através do seu blog e já adicionei na minha lista de "Quero Ler" do Skoob.

    Sua resenha está incrível! O fato de você ter deixado vários trechos para exemplificar cada uma das coisas citadas foi muito genial. Adorei!

    Com carinho,
    Conto Paulistano.

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    1. Oi Selma!
      Obrigada pelas palavras.
      O conto é curto, dá pra ler em uma sentada. As cenas são muito bem construídas. Dá para visualizar a história enquanto a lê. Muito bom!

      Beijos

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  3. ao trabalhar o universo imaginário na obra o autor aproximou o leitor do texto através de uma linguagem coloquial. Qual a relevância disso o envolvimento com a história?

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    1. Oi, Lua!
      Pensando que esse é um texto de literatura infantil e que as crianças ainda estão em processo de construção do vocabulário e de conhecimentos literários, a linguagem coloquial aproxima a obra do leitor. Fica mais fácil para as crianças compreenderem as entrelinhas que a o autor propõe em seu texto.

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  4. Oi Fernanda, estava em busca de livros da literatura brasileira para meu filho de 10 anos e sua resenha foi importante para a aquisição desse livro. Muito obrigada.

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  5. Acabei de ler para o meu filho de 11 anos. Eu que já achava Graciliano perfeito por Vidas Secas, continuei sua fã. Super recomendo para a leitura da meninada. Talvez seja necessário estar por perto para esclarecer o vocabulário.

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