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sexta-feira, 5 de junho de 2020

Não tenho respostas, mas continuo tentando

sexta-feira, junho 05, 2020 20

Imagem de um muro amarelo com título da postagem sobreposto: Não tenho respostas, mas continuo tentando.
Imagem de Pexels por Pixabay.

2020 está sendo um ano muito curioso no sentido das
transformações: interna e externamente, tudo vem mudando, de forma acentuada. A carreira, as amizades, o amor (talvez), a sociedade. O que é bom está ficando mais forte e o que é ruim está sendo jogado fora sem dó nem piedade.

Talvez por isso mesmo, que escrever tem se tornado um processo diferente para mim. Se antes eu sentava, levantava uma agenda para o blog e trabalhava para que ela acontecesse, agora eu preciso olhar para fora e para dentro, tentar compreender essa equação e, só assim, criar. As mudanças trazem consigo oscilações entre alegrias e tristezas. Entre felicidade e revolta. Entre amor e desprezo. É nessa montanha russa que sigo. Seguimos.

Ontem comentei nos stories do meu Instagram que, até um tempo atrás, estava com muita vontade de comemorar o primeiro ano do meu primeiro livro, A Intermitência das Coisas. Entretanto, ver o número crescente de mortes ao meu redor (seja por corona vírus, seja por racismo), foi cortando o meu barato. Como comemorar algo com tanta gente morrendo? Por outro lado, sou mulher, sou negra e fui publicada. Só quem está no mercado editorial sabe como isso é difícil de acontecer. Será que comemorar o meu livro não é um meio de inspirar outras mulheres negras a correrem atrás do próprio sonho? 

Vidas negras importam (ontem, hoje e sempre).

O mundo está divido, e eu, muitas vezes, não consigo respirar. Eu não consigo respirar quando olho para fora e vejo a indiferença e a irresponsabilidade dos nossos governantes. Eu não consigo respirar quando hospitais de campanha não são abertos mesmo já estando construídos ou tendo verba para tal, quando gastam fortunas e chegam equipamentos errado no Pará, quando vejo médicos tendo que escolher quem vai ou não para a UTI. Eu não consigo respirar quando vejo a verba do Bolsa Família sendo cortada no Nordeste ou quando milhões de brasileiros ficam na incerteza da aprovação do recebimento do auxílio emergencial. Eu não consigo respirar quando vejo pessoas sendo despejadas e indo morar nas ruas sem terem o que comer. Eu não consigo respirar quando a polícia atira numa criança, quando vejo uma mulher branca matando uma criança negra. Eu não consigo respirar quando vejo que um policial branco assassinando um homem negro por puro prazer. Estou há quase três meses sem sair de casa e, daqui do meu privilégio de ter um lar, eu me sinto MUITO impotente.

Cada vez que eu penso em atualizar o blog, alguma notícia chega e leva um pouco da minha esperança. Por isso o meu silêncio. Por isso o meu sumiço (daqui e da leitura dos blogs que eu tanto amo). Precisava de um tempo para entender como equilibrar os acontecimentos bons da minha vida pessoal (que, a passos lentos, está seguindo uma transição para um rumo menos tóxico), com o que chega de fora. Precisava de um tempo para entender como eu posso ecoar a minha voz para apoiar outras pessoas, para me unir a essa luta por um mundo mais justo. Macro e micro devem andar juntos, por mais que eu não saiba bem como. Ainda não cheguei a uma resposta exata da melhor maneira de fazer isso, mas continuo tentando. 

Em um post que escrevi em março, eu havia dito que não pretendia falar mais da pandemia aqui no blog, porque entendo o quanto todos nós precisamos de afeto nesse momento tão complexo (que inclui o luto de muitas pessoas que amamos). Acho que estou falhando miseravelmente na missão, mas não vejo outro modo de seguir por aqui. Manter o silêncio é uma forma de se posicionar e não é essa a que está de acordo com aquilo que acredito e com o futuro que eu sonho para todos nós. Por isso escrevo este texto.

Essa semana, enquanto estava em uma conversa com a 3ª série do Ensino Médio, um aluno me perguntou o que eu penso sobre o silêncio de figuras públicas, a exemplo de Neymar Jr., diante dos últimos acontecimentos globais. Eu fui honesta ao dizer que impor algo a alguém é complexo, mas que vejo que uma pessoa pública tem nas mãos um poder grande de trazer à tona a discussão e de fortalecer o diálogo (tanto usando as plataformas da Internet, quanto fora delas). Vivemos em uma sociedade em que todos estão habituados com respostas rápidas para tudo (oi, Google!), contudo, diante dessas mudanças em tantas áreas ao mesmo tempo, não dá para colocar tudo em caixinhas, ter soluções, sair dizendo o que é certo ou errado, sendo que há tantas perspectivas postas à mesa. Não dá para querer a exatidão em uma fração de segundos. Vejo que trazer a discussão à tona e ser honesto falando que está estudando o assunto, que está tentando entender, que está na busca para contribuir com a sociedade pode inspirar os outros a fazerem o mesmo. Como professora, escritora e cidadã, vejo que é isso que a gente precisa agora: não de pessoas que assumam um único lado da narrativa como algo perfeito e inabalável, mas sim de sujeitos críticos e pensantes, que busquem ouvir, pesquisar e compreender as diversas vertentes, recursos, interesses e responsáveis de forma racional, objetiva, compromissada consigo e com quem estiver ao seu redor.

Foi por tudo isso que me ausentei do blog. Estava processando a vida real. Por causa dessas conversas (com a minha família, com os meus amigos, com os meus alunos, com os meus livros) que dei esse passo atrás de parar a produção de conteúdo por um tempo. Também foi por conta dessa reflexão que volto agora (talvez ainda sem uma regularidade e uma agenda). Quero continuar essa caminhada, essa busca, ao lado de todos que me leem. Mais uma vez: não tenho respostas (e, dependendo do momento, fico sem ar e sem forças), mas quero e vou continuar abrindo diálogos e, sobretudo, continuar lutando. 

Você vem comigo? 

Aproveito para lembrá-lo de que criei uma página aqui no blog chamada QUARENTENA e que nela vocês podem encontrar diversos empreendedores, causas e organizações sérias para apoiarem durante esse período. Para acessá-la, clique aqui.

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sábado, 6 de outubro de 2018

Sobre a violência que não quero viver

sábado, outubro 06, 2018 2
Registro da minha viagem a Belo Horizonte, feito pela minha amiga Karla.

Agora me pego aqui, me redescobrindo enquanto mulher, negra, filha e neta de nordestinos, tataraneta de indígenas, professora e escritora. Me pego aqui pensando qual é o meu lugar no mundo. Os últimos dias foram complicados e o nosso cenário político me faz pensar que, ao menos até o fim do mês, a tensão estará no ar.

Particularmente, não acredito que bandido bom é bandido morto (já não acreditava desde quando o Maluf defendia a “Rota na rua” como solução para a violência). Armar pessoas que estão furiosas só vai gerar mais fúria. Cada vez que vejo uma fechada no trânsito, um consumidor esquentadinho, um aluno ou um pai de aluno nervoso, penso se estaria viva caso eles tivessem uma arma em casa... No entanto, como professora sempre tive esperança nas pessoas (e por ter esperança, acredito que a Educação e condições de vida dignas — saúde, saneamento básico, alimentação e emprego — são o caminho). Também não acho que minha mãe, minha irmã, minhas amigas, minhas colegas de trabalho, minhas alunas e eu somos fruto de uma fraquejada. Ao contrário, quanto mais me cerco por mulheres, mais vejo a nossa força reverberar. Quanto mais estou com elas, mais me sinto forte. Por fim, não penso que meus amigos gays devam apanhar até morrer. Primeiro porque eles são pessoas maravilhosas; segundo - e mais importante - eu não quero que ninguém se meta na minha vida, nas minhas decisões e no meu corpo. Por que faria isso com eles? Sexualidade não define caráter.

É claro que ver a sociedade dividida é exaustivo. Vejo a mim e a quem me cerca cansados física e mentalmente. É cansativo, ainda que seja natural, após o esforço de pensar, de refletir, de checar informações (e, ao menos no meu caso, de ler tantos planos de governo). A nossa mente se sente exaurida. Tomar decisões que tenham impacto positivo, com tanta gente disseminando o ódio, é complexo mesmo.

Penso, contudo, que é importante que não entremos em pânico. Nossa democracia nunca esteve em um momento tão frágil, e ter serenidade para tomar a decisão mais adequada é fundamental. Quem deseja a violência como forma de governo, quer ver o restante da população instável. A sabedoria está justamente em não entrar nessa jogada.

Confesso que não costumo falar de política assim, abertamente, porque são poucas as pessoas que se predispõe a dialogar de fato — sem ofender ou sem cair no “evocêquismo”. Entretanto, sou escritora e a literatura também é um espaço democrático e político (que causa medo nos opressores, haja vista quem rasgou livros na biblioteca da UNB). Sendo assim, penso que não posso me omitir e aproveito para lembrar que uma discussão política não precisa, necessariamente, ser partidária.

A escolha do voto, feita de forma consciente, passa por um processo de autoconhecimento. Em um mundo cada vez mais rápido, em que as pessoas vivem no automático, essa escolha reflete em problema sociais. Se eu não sei exatamente o que quero, quais são os valores que considero importantes, o que desejo para a minha sociedade, como posso escolher alguém que me represente de fato?

Talvez seja por isso que vejo pessoas que considero (ou considerava) tão centradas optando por alguém que defende (ou que tenha um vice que defenda) a intolerância e a ditadura. Pode ser que essas pessoas tenham se perdido neste processo de se autoconhecer e de compreender que elas estão machucando e ferindo não apenas quem está ao redor delas, mas a elas próprias. De qualquer modo, quando a questão deixa de ser político-partidária para ser moral, fica difícil ver o voto como uma divergência apenas. Como mulher, negra, descendente de nordestinos e de indígenas, não posso tolerar a violência gratuita a esses grupos. Lamento quando vejo quem amo não respeitando a minha existência.

Há muitas opções de candidatos (de direita e de esquerda) que não estão colocando a nossa democracia em risco, que não vêem os Direitos Humanos e os ambientais como besteira, que não querem derramar sangue por aí. Espero que as pessoas se dividam entre eles amanhã.

Divido-me entre a esperança e o medo. Eu nunca pensei que fosse viver um momento assim e que ser brasileira seria tão complexo. Mas já que chegamos até aqui, que continuemos na luta por uma sociedade em que todos se respeitem — nem que seja minimamente.

Também escrevi sobre este assunto no blog do Clube da Escrita para Mulheres. Para ler os poemas, clique aqui.

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

BEDA agosto/2018 #24 — 3 coisas que você precisa saber sobre o curso de Biomedicina, por Ane Venâncio*

sexta-feira, agosto 24, 2018 0
Vamos falar das biológicas neste blog? Vamos!

Não se estranhe, você não entrou no blog errado. Eu sei o título pode parecer um pouco diferente do que você está acostumado a ver por aqui, mas garanto que vai valer a pena separar alguns minutinhos para ler essa postagem até o final. Bom eu sou a Ane, do Blog Profano Feminino, e a convite da Fernanda estou aqui no Algumas Observações para tirar algumas dúvidas sobre o curso de Biomedicina.

Aposto que você já deve ter ouvido falar sobre o Dr. Bactéria, o biomédico Roberto Martins Figueiredo ganhou popularidade e ficou conhecido por suas aparições na televisão ensinando de forma simples e divertida como se livrar das bactérias e manter o lar sempre higienizado. Porém ainda existe muitas dúvidas sobre a profissão e sempre surge aquela pergunta: mas afinal o que faz um biomédico?

1. O curso

Acredito que 99% dos estudantes de Biomedicina já estão cansados de ouvirem perguntas como: Mas você estuda o quê? O que faz um biomédico? O curso é tipo Medicina? Você vai ser médico? Você faz Biomedicina porque não conseguiu entrar em Medicina? Estou com uma dor aqui o que pode ser? Qual medicamente eu devo tomar para dor? Vou parar por aqui para não ficar uma postagem gigante, mas acho que deu para entender. Em meio tantas perguntas às vezes a gente acaba até se perdendo tentando explicar tudo o que podemos fazer, uma vez que as pessoas na maioria das vezes enxerguem o biomédico como uma mistura de médico, enfermeiro, farmacêutico e biólogo.

O curso de Biomedicina tem normalmente a duração de 4 anos, sendo que no último ano do curso, é preciso escolher uma área específica para fazer estágio, que é obrigatório, e escrever uma monografa.

O objetivo do curso é formar profissionais Biomédicos, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual, capacitando-o ao exercício de atividades referentes às análises laboratoriais, análises moleculares, produção e análise de bioderivados, acupuntura e análise por imagem, pautado em princípios éticos e na compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício da sociedade.

Imagem: rawpixel.

2. Grade Curricular

Se você procura neste curso uma opção para fugir das áreas de exatas, você está fazendo isso muito errado e já vou te explicar o porquê. A grade curricular do curso de Biomedicina não é a mesma em todas as faculdades. Por isso é muito importante ter em mente qual a sua área de interesse e buscar uma faculdade que oferte matérias que mais combine com o perfil que você se busca dentro do curso. 

Dentre as matérias que você vai estudar terão matérias comuns como: Anatomia Humana, Química, Genética básica, Farmacologia, Fisiologia, Patologia, Citologia e Histologia, Estatística, Epidemiologia, Microbiologia, Parasitologia, Biologia Molecular e Celular, Toxicologia.

Por exemplo na grade curricular da USP (lá o curso aparece com o nome de Ciências Biomédicas), são ofertadas matérias como: Introdução à Programação de Computadores, Introdução à Análise de Dados, Biotecnologia e Engenharia Genética, Bioinformática e Genômica, Empreendedorismo, Inovação e Propriedade Intelectual. Enquanto na UFPR em sua grade temos matérias como Representação e Análise de Dados e Fenômenos, Introdução a Sistemas Computacionais, Fundamentos de Programação, Tópicos de Pesquisa em Informática, Métodos Analíticos para Biomedicina e Biomarcadores de Contaminação Ambiental.

Já na UFRN temos matérias como: Química Orgânica para Biomedicina, Entomologia Médica para Biomedicina, Bioinformática Básica, Uroanalise, Deontologia Aplicada a Biomedicina, Processos Fisico-Quimicos nas Ciências da Vida e Fundamentos da Acupuntura. Por sua vez na UFPA entre as matérias ofertadas temos: Inglês Instrumental, Administração Laboratorial e Hospitalar, Metodologia de Pesquisa e História da Ciência, Redação e Textos Científicos. Já na UFMT (onde eu formei) a grade incluí matérias como: Fundamentos da Matemática, Zoologia Básica, Sociologia e Antropologia, Bioética, Biossegurança e Primeiros Socorros, Administração Laboratorial e Controle de Qualidade, Acupuntura e Análises Bromatólogicas. No penúltimo semestre o aluno pode optar em estudar matérias Aprofundamento em Imagenologia ou Análises Clinicas (no meu caso escolhi a segunda opção por apresentar mais possibilidades em relação ao mercado de trabalho).

Como vocês puderam perceber listei uma faculdade de cada região do país e listei algumas matérias que cada uma oferece que se diferencia das demais. Por exemplo na USP o foco é mais voltado para a área saúde e tecnologia, na UFPR vemos um incentivo a tecnologia, porém apresenta um foco nos cuidados ambientais também. Na UFRN temos um mix de áreas biológicas, exatas e humanas. Já UFPA vemos um destaque para a metodologia de pesquisa, enquanto na UFMT a abordagem é mais generalista com foco em saúde, porém apresentando uma abordagem mais humanista. Por isso é importante pesquisar bem sobre o lugar que você deseja estudar ainda que já tenha decidido seu curso. Às vezes não é que o curso não seja bom, mas a sua escolha não foi boa para as suas expectativas no mercado de trabalho.

Imagem: Mathew Schwartz.

3. Mercado de Trabalho

Talvez esse seja o tópico que mais interesse as pessoa. Uma das vantagens da Biomedicina e as várias opções de atuação, porém ter tantas opções assim pode causar dúvidas sobre que área. Antes de mais nada é importante pesquisar como é o mercado em sua região por exemplo em grandes centro o a área da analises clínica pode estar saturada, porém a de biomédica estética e citologia oncótica são promissoras. Enquanto no interior se carece se profissionais com visão em análises clínicas e imagenologia

O biomédico pode atuar nas áreas de:
Análises Clínicas, Análises Ambientais, Indústria, Análises Bromatológicas, Biologia Molecular, Genética, Reprodução Humana, Citoligia Oncótica, Banco de Sangue, Imagenologia.

É ampla a área de atuação do biomédico. No entanto, para o desenvolvimento de suas atividades, o biomédico deve ter o reconhecimento de habilitação na área específica em que atua. Segundo o CFBM são reconhecidas 35 habilitações do biomédico e o Conselho Federal de Biomedicina não estipula limites para a quantidade de habilitações do profissional biomédico. Abaixo segue uma imagem listando quais são elas.

Fonte: Conselho Federal de Biomedicina

A área da saúde é um campo que sempre está em expansão no mercado de trabalho, desse modo, o profissional que se formar em Biomedicina terá sempre uma boa oportunidade de emprego podendo trabalhar no setor público, setor privado ou no exterior.

Agora chegamos na parte em que todos querem saber, mas quase ninguém fala sobre. Afinal quanto ganha um biomédico?

Não existe um piso salarial nacional unificado para os biomédicos. O salário mínimo profissional recomendado varia de acordo com as convenções e acordo coletivo entre sindicato patronal e sindicato da categoria dos biomédicos de cada estado.

O salário pode varias de acordo com a carga horária e a qualificação do profissional. Por exemplo, o Sindicato dos Biomédicos no Estado de Goiás estabelece os seguintes pisos salariais (Convenção Coletiva de Trabalho 2017/2018), de acordo com a carga horária:
  • R$ 1.549,95 para 24 horas semanais
  • R$ 2.322,57 para 36 horas semanais e para escala de revezamento 12x60
  • R$ 2.838,04 para 44 horas semanais e para escala de revezamento 12x36
Bom pessoal espero que você agora vocês tenham aprendido um pouco mais sobre o curso de Biomedicina e o trabalho do biomédico, e entendido o porquê é complicado às vezes explicar sobre a atuação profissional e o curso em si, como vocês puderem vez são várias opções de atuação, assim como diferentes opções de grande curricular, consequentemente cada intuição forma profissionais com perfis diferenciados para o mercado de trabalho.

Espero ter ajudado de alguma forma a solucionar algumas dúvidas e quem sabe despertar o interesse para esse campo de atuação!


*Sobre a Ane Venâncio:

Ane, pisciana, mato-grossense de sotaque duvidoso, adora conhecer novos lugares e histórias. Tem sempre uma teoria para tudo. Adora ficar analisando fatos e pessoas, mas detesta ser analisada. É distraída, tímida, geniosa, indecisa e tem uma terrível mania de escrever em terceira pessoa. Escreve no blog Profano Feminino.

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sexta-feira, 10 de agosto de 2018

BEDA agosto/2018 #10 — Pequenas Reflexões sobre a Criatividade (Uma dicotomia entre o ser e o se declarar criativo)

sexta-feira, agosto 10, 2018 0
Você é criativo publicamente ou só às escondidas?
Sempre que eu digo que sou professora e escritora, as pessoas tendem a responder com entusiasmo: “te acho muito criativa!”. Confesso que a admiração exacerbada me faz rir por dentro, de forma muito zombeteira. Eu, criativa? Isso é motivo de piada ou de terapia.

O fato é que a recorrência neste assunto me fez querer entender o que as pessoas veem que eu não vejo, o que as levam a me ver como um ser criativo e a elas não. Recorri, então, ao meu método empírico-preferido de estudo: a observação pessoal-livresca.

Comecei uma saga de leituras, descobertas e ressignificação. Descobri que criatividade não é genialidade, que bloqueio criativo é algo relativo, que o ser criativo é passível de ser confundido com organização para a execução de múltiplas atividades e que – aí vem a constatação mais dolorida de todas – a escola mata a criatividade. Mas vamos por partes.

A palavra criatividade tem a mesma origem latina da palavra criança. Pode parecer curioso, mas vejo que talvez aí esteja a dicotomia de amor e ódio entre o ser criativo e o se declarar criativo, entre o tal do pensar fora da caixa e seguir todas as regras. Se olharmos bem para o estereótipo do artista (há alguém mais criativo que um artista?) e analisarmos de perto o que as pessoas definem comumente como o que é ser criança, as mesmas descrições vêm à tona: ambos veem o mundo com olhar de descoberta, quebram as regras em muitos momentos e, sobretudo, procuram o prazer e a diversão. Um google rápido nas imagens também demonstra o que as pessoas visualizam sobre os dois termos: muitas cores e sorrisos caminhando juntos.

Embora eu não seja psicóloga – e estas palavras sejam apenas algumas conjecturas minhas – pressinto que a ideia da felicidade livre, sem qualquer tipo de limite, é associada em nosso inconsciente coletivo tanto às crianças quanto à criatividade. Quem cria é livre e, assim como a criança, precisa de um “norte” para ser levado a sério.

Quando as habilidades de vida passaram a ganhar tanto espaço e importância quanto a carreira acadêmica na busca por um lugar ao sol, a procura pelo ser criativo virou um dos critérios de seleção natural no mercado de trabalho. Por consequência, isso acabou se estendendo ao ambiente escolar. Passou-se a exigir que os professores preparassem desde cedo pessoas que “pensem fora da caixa”. Os contratantes passaram a trazer cada vez mais este tema à tona, de uma maneira a princípio contagiante e, depois, exaustiva. Todo esse interesse e a necessidade crescente me fazem pensar: será mesmo que essa pressão vira prática?

Aqui passo para o outro lado da moeda: os adultos fugindo do ser criança. Se nos voltarmos para as expressões populares, veremos o medo, o receio e – por que não dizer – a vergonha do lado infantil que todos carregam dentro de si (em maior ou menor grau). A língua faz um registo claro disso quando alguém usa as palavras ou expressões “criancice”, “Fulano foi infantil”, “Para que tanta infantilidade?!”, de forma pejorativa. Como alguém pode querer mostrar o lado livre, quando se corre o risco de ser tachado como imaturo?

Seres criativos normalmente quebram regras. Não porque eles sejam desertores birrentos, mas porque carregam dentro de si o gosto pela experimentação. É como se eles nunca desligassem o “e se...” e se jogassem em uma empreitada investigativa. É justamente por causa desse “e se...” que a humanidade avançou até 2017 sem depender de abrigos em cavernas e caça em meio da floresta. É o “e se...” que nos move enquanto espécie.

Ver o mundo com os outros olhos – outro clichê relativo a este assunto – fez com que pessoas descobrissem como voar, se transportar, conservar alimentos, combinar novas palavras, ângulos, texturas, sabores, ferramentas, elementos, ideias. Ser criativo relaciona-se com o que é amplo e que é o mínimo, com as tentativas e os erros de quem não quis e nem pretende fazer tudo sempre do mesmo jeito.
A escola – e o trabalho, por consequência – muitas vezes nos leva a agir e pensar da mesma forma todos os dias. A rotina faz isso com as pessoas. Mais uma vez lembro que não escrevo estas palavras com o respaldo do embasamento científico, ainda assim, o meu olhar – criativo? – me faz perceber o abismo entre a formalidade do dia a dia regrado no colégio e todas as minhas vivências errantes no campo literário.

Como professora, a rotina faz parte do meu trabalho – o que inclui a batalha contra o relógio. Como abordar todos os conteúdos previstos, dentro do tempo escasso e ainda deixar que os meus alunos tenham momentos de devaneios? Como permitir que eles testem diferentes hipóteses em apenas alguns minutos? Debates? Criações? Experiências. Uma enxurrada de possibilidades prazerosas – como as brincadeiras ou, usando um termo pedagógico, de aprendizados de forma lúdicas – que fazem as crianças saírem da sala, da rotina, do controle, da tal caixa. Há uma forma prática de combinar tudo isso sem prejuízo para o aprendizado? A imaginação ganha asas e – dependo do contexto e da forma que isso se dá – o professor ganha estresse.

Saí do curso de licenciatura com milhões de pesquisas. Queria ser a professora revolucionária que chegaria mudando a escola pelo avesso. Foram poucos os projetos que, efetivamente, saíram do papel. Ainda assim, a quantidade desses momentos foi maior do que os praticados por alguns dos meus colegas... Tempo. Tudo demanda tempo, apoio e estrutura.

A maior parte do que ficou no campo das ideias pedagógicas revolucionárias morreu por burocracia, pela falta de tempo para o conteúdo previsto (que é tido como “realmente” importante – veja que este conceito de importância é bem relativo) e pela preocupação com a minha capacidade de conseguir cuidar de tantas crianças tão pequenas ao mesmo tempo. Definitivamente, ter turmas numerosas também é outro fator que mata a criatividade na escola. Como supervisionar um grupo de 30, 40 alunos, todos pequenos? É uma responsabilidade grande, e sempre há aquele educando que, literalmente, sobe pelas paredes.

A escola mata o ímpeto de ser criativo não só dos alunos. Ela mata também a criatividade dos professores. A vida adulta por sua vez oculta o desejo genuíno de voltar a ser criança – o medo de ser ingênuo, infantil, insolente (em alguns momentos) se instaura em todos os lugares. Uma pena.

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sábado, 17 de fevereiro de 2018

{Vamos falar sobre escrita?} Um bate-papo sobre a importância do tempo, da edição e revisão

sábado, fevereiro 17, 2018 30
Imagem: Pexels.
Amo escrever. Este é um processo gostoso, que acontece de forma espontânea para mim. Vou colocando as palavras no papel e, quando vejo, tenho um texto. Simples. O que não é tão fácil é o que vem depois, uma vez que todo texto precisa de aprimoramento, e todo aprimoramento precisa de paciência. Muitas vezes é isso que me falta — e que é escasso para muitos dos amigos escritores também.

Veja bem, estou no processo de escrita de um livro que tem como prazo final 20 de abril. Parece longe? Parece. Vai passar num piscar? Com certeza.  Eu dei a sorte de ter um grupo de escritores que leu e me deu um retorno de cada texto, com sugestões de melhoria e elucidando o que eles consideram os pontos fortes. O meu trabalho é ler as considerações, decidir o que mudar e trabalhar. Por que eu demoro tanto com isso?

Há um negócio na vida das pessoas chamado procrastinação. É ela que me faz demorar tanto para voltar na edição de um texto antigo. Ok, procrastinar tem lá o seu lado positivo, se usado com moderação. Dar um tempo com o livro na gaveta me fez vê-lo com um olhar menos viciado se comparado ao momento de escrita, em que lia e relia exaustivamente. Contudo, o problema de dar um tempo é que ele traz consigo a preguiça de voltar ao começo — ainda mais quando a sua cabeça está cheia de vontades de trabalhar em coisas novas.

O ponto principal desta conversa toda está no fato de que não se pode deixar a revisão para depois, se você quer ver a escrita de um modo profissional. Como tudo na vida, escrever tem lá seus ônus e bônus. Edição e revisão estão entre eles.

Eu sei, não é fácil receber críticas. Ouvir que o seu texto está “confuso” ou “mediano” pode ser muito doloroso. Saber que o texto ainda não está pronto, mesmo quando você gostaria de mandá-lo para a editora X ou para o concurso literário Y, pode parecer desanimador. Acredite, não é. Quem disse tudo isso, provavelmente o fez porque quer ver você dando o seu melhor — o que envolve tempo e trabalho.

Durante esta semana eu me peguei pensando em tudo isso, enquanto trabalhava no meu livro. Editá-lo foi um processo um tanto interessante, que ampliou a minha conexão com o meu trabalho. De certa forma, voltar no texto depois de um mês longe me fez ver o quanto amadureci na minha escrita e me ajudou a elaborá-lo melhor enquanto a forma (projeto topográfico e ordem dos textos, principalmente). Esta é a minha terceira versão. Agora eu sinto que ela começa a amadurecer o suficiente para conhecer os seus leitores.

Reescrever, editar e revisar são elementos importantes e não podemos correr deles. Há escritores que passam uma vida reescrevendo. Muitos deles foram reconhecidos e premiados por suas obras. Provavelmente este é um dos seus segredos.  

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domingo, 15 de outubro de 2017

{Vamos falar sobre escrita?} Para ser escritor não basta escrever

domingo, outubro 15, 2017 38
Imagem: StockSnap.
Ultimamente venho refletindo sobre essa carreira que estou galgando ao longo dos anos. Ao contrário do que muita gente pensa, ser escritor está longe do esteriótipo de pessoa reclusa, que fica sentado em frente ao computador regado a altas doses de álcool ou cafeína. Foi-se o tempo em que a profissão envolvia escrever, enviar o texto para uma editora e esperar a magia acontecer. Ser escritor hoje exige algumas habilidades que algumas pessoas nem sonham que precisarão desenvolver. Sobre elas que eu quero falar hoje.

Habilidade de ser paciente

Escrever — assim como produzir qualquer peça artística — é um ato de coragem. Quando criamos um texto, deixamos ali a nossa marca, nossos sentimentos e pensamentos (sejam eles consoantes aos dos nossos personagens ou não), que ressoarão por muito tempo na vida de nossos leitores. Por outro lado, nossa obra não nasce linda e maravilhosa logo de cara: é preciso retrabalha-la até que tenhamos lapidado o material bruto. 
Grandes livros se tornaram clássicos justamente porque seus autores se debruçaram neles em exaustão. Entender que há sempre formas de melhorar a forma de se expressar ao contar aquela determinada ideia é sempre o primeiro passo. A maior dificuldade das pessoas, nessa era imediatista que vivemos, é voltar ao processo de reescrita. Escrever não é só escrever, é um eterno ir e voltar no texto, um mergulho vertical na própria obra.

Habilidade de receber críticas

Este mergulho vertical não é solitário. Uma de suas etapas principais inclui justamente os leitores. É importante compartilhar o material com pessoas de confiança. Leitores são sempre bem-vindos, porque eles nos dão o retorno de como sentiram e entenderam o nosso texto. Já a leitura de outros escritores é primordial. Normalmente eles têm o olhar mais apurado para questões importantes que ou leitor comum não presta a atenção, ou não sabe bem explicar a razão de ter ou não gostado.
A maior dificuldade, contudo, é conseguir ouvir e separar as críticas. Normalmente tratamos nossos textos como aquele filho que geramos com o maior amor do mundo. Ouvir que ele está longe da perfeição, que não está transmitindo aquilo que está muito claro na nossa cabeça, que está ruim, é desesperador. É fundamental ter maturidade para separar o texto do seu eu-autor ou para não encarar a crítica como um incentivo para jogar tudo para o alto. O mantra da habilidade de receber críticas é: se essa pessoa disse isso é porque ela quer que meu texto fique melhor. 

Habilidade de conhecer bem a própria obra 

Conhecer bem a nossa obra de um modo geral (o que escrevemos afinal?) e o trabalho atual, é fundamental. Eu sei que às vezes nós começamos sem ter ideia de como será o produto final, mas é importante refletir sobre isso ao longo do processo. Escritores são convidados a falarem sobre seus textos o tempo todo, então é preciso entender o que a nossa obra realmente significa e qual é a nossa posição perante ao mundo. 
Vencer o medo e a vergonha de falar sem ser escrevendo é o desafio desta habilidade. Se você decidir entrar na carreira de forma profissional, terá que ler textos em eventos e falar sobre eles. Não há como fugir.

Habilidade de se expressar na internet

Conheço vários escritores que têm pavor das redes sociais e que acham que manter um blog é um bicho de sete cabeças. Sinto muito, mas não há para onde correr. Primeiro, porque a internet é o meio mais rápido e barato de você se divulgar — mesmo para quem está em grandes editoras. Você se lembra de ver publicidade de livros na televisão? Não. Segundo, porque o público leitor espera isso dos escritores (e um livro sem leitores, é um objeto fadado a nada). Dominar, ao menos minimamente, as tecnologias, compreender o fluxo de usuários nas redes sociais e como é a melhor forma de postar em cada uma delas, estabelecer contato com as pessoas, tudo isso é trabalho do escritor
É importante lembrar que isso demanda tempo e um certo volume de informações. O escritor é apenas mais uma pessoa na rede mundial de computadores, portanto deve gerar conteúdo — já que não adianta ter site, página, perfil e eles não serem atualizados com frequência.

Habilidades de designer

É isso mesmo. A não ser que queira pagar para alguém, o escritor vai acabar aprendendo um pouco do trabalho de designer nem que seja para criar a capa do próprio livro (que pode ser feita gratuitamente com a ajuda do canva) ou a cara de seu site/blog. Nessas horas, tutoriais do YouTube e do Pinterest são preciosos. No fundo, todo escritor é um pesquisador autodidata que se vira quando ainda não conseguiu um contrato com uma editora que banque este tipo de trabalho.


Habilidades de gestão de projetos

Todo livro é um projeto e é bom que ele seja tratado como tal. Independentemente da forma escolhida para a sua publicação, isso é algo que envolve tempo e custos que devem ser monitorados. Principalmente quem for se lançar de forma independente. É fundamental saber se vai, por exemplo, contratar um revisor, editor, capista, ilustrador, se trabalhará com uma gráfica, qual será o tamanho da tiragem, em que tipo de papel, como será a distribuição dos livros. Só por esses exemplos dá para se ter uma noção do quanto o trabalho de publicação vai além da escrita e de como é importante saber gerenciar tudo isso.

Acredito que o bacana é o escritor fazer uma autoanálise para descobrir que precisa desenvolver mais e trabalhar isso ao mesmo tempo em que cria sua obra (eu, por exemplo, preciso vencer a timidez de falar sobre os meus textos em público). Como qualquer profissão do mundo moderno, escrever tem seus desafios, mas não deixa de ser um prazer.


Qual é a habilidade que você precisa desenvolver?
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quarta-feira, 12 de julho de 2017

Pequenas reflexões sobre ser mulher e feminismo necessário de cada dia

quarta-feira, julho 12, 2017 6
A caminhada é longa...

Voltava no metrô com minha amiga da pós. Era mais de meia noite, e ela estava preocupada: teria que andar a pé da estação até em casa em uma rua deserta. Sugeri que ela pegasse um táxi, mas a resposta foi instantânea: “tenho medo”. Sorri amarelo. Eu também sinto o mesmo.

De uns tempos para cá, me peguei pensando em tudo o que antes considerava normal e enquanto anormal essas coisas são. Por que eu tenho que ter medo de andar na rua ou de pegar um táxi ou de usar um vestido curto (principalmente se for à noite)? Por que eu não posso escolher uma profissão dita masculina? Por que eu não posso viajar sozinha? Por que eu não posso escolher ser diferente do padrão capa de revista? Tudo só por que meus genes são XY?

Estava lendo um texto que a Bia Lombardi compartilhou no Facebook dela. Uma jornalista que sofre de compulsão alimentar porque – dentre os motivos que a levou a esse quadro – ouviu um homem dizendo que “gorda não é mulher”. Também vi um vídeo da Carla Nascimento, em que ela era questionada por ter o cabelo com ele é. Esse tipo de coisa me faz pensar “até quando?”.

Tudo o que sei sobre feminismo é de um estudo autodidata. Leio tudo o que cai nos meus olhos, converso com algumas pessoas com quem me sinto mais à vontade, sei que tenho muito o que aprender sobre isso e, sobretudo, sinto vontade de lutar (mesmo que ainda não saiba direito como).

Esta semana falava um pouco sobre isso com a Cah. Ela questionava a sororidade seletiva. Eu dizia o quanto a gente ainda precisa caminhar. Acho positivo demais que as mulheres estejam ganhando cada vez mais força para usar as mídias sociais para falar sobre seus medos, seus traumas e suas superações. Contudo, a caminhada ainda é longa, porque as pessoas estão começando a se questionar com mais força agora. Se a gente parar para comparar há quanto tempo os homens se acham superiores por serem homens e há quanto tempo as mulheres conseguiram ter forças para lutar pela igualdade, teremos uma discrepância grande. Se as pessoas ainda têm preconceito com o feminismo; isso, em consequência, distorce a sororidade.

O assunto com a Cah surgiu por causa da polêmica que houve no Big Brother Brasil. Não assisto ao programa e tudo o que sei é o que leio sobre no Twitter e no Facebook. O que me espanta nessa história toda, contudo, é que as pessoas gostem de ver – seja em um reality show, em um filme, ou em qualquer outro lugar – cenas de violência física e psicológica e fiquem fomentando tudo isso. Acho que isso também gera a sororidade seletiva – que só defende a quem convém. Quando se faz qualquer coisa para se ter audiência, não se pode esperar compaixão.

A caminhada é longa, mas não é por isso que devemos desistir. Eu acho formidável conseguir perceber que não é normal eu sentir medo, que não é normal eu ter que pensar onde e como vou me vestir com medo de ser atacada, que eu não preciso me matar para caber em um modelo. Digo que acho formidável, porque antes engolia essas imposições todas – e sofria com elas – sem me dar conta do quanto isso é inaceitável. Hoje, graças ao feminismo, eu não me calo.

Em um mundo tão caótico, eu sinto uma dose de esperança quando eu vejo minhas alunas, que estão entrando na pré-adolescência, conscientes de que elas podem, sim, ser o que elas querem. Fico feliz quando percebo que elas estão apoiando umas às outras nesta jornada. Talvez a sororidade indiscriminada nasça dessa geração.

PS: Para quem quiser saber mais sobre o feminismo, recomendo o site da Universidade Livre Feminista. Também recomendo o Guia Prático para Entender a Cultura do Estupro e Como Combatê-la, do site AzMina.
PS²: Para saber mais sobre os conteúdos produzidos pela Bia Lombardi e pela Carla Nascimento, acesse o Incendeie seu gênio criativo e o Faltou Açúcar.

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sexta-feira, 7 de julho de 2017

Sobre os livros mais vendidos no Brasil e o que eu tenho a ver com isso

sexta-feira, julho 07, 2017 4
Clique para ler a reportagem do Nexo.
Minha amiga, Carol Vayda, compartilhou comigo no facebook "O ranking dos livros mais vendidos no Brasil desde 2010", publicado pelo Nexoescrito por Eduardo Maschio e Rodolfo Almeida. A reportagem aponta o crescimento da leitura de literatura infantil e dos livros religiosos/de autoajuda. Junto com o link, ela deixou a pergunta: "Sis, o que acha?". 

Pois é, o que eu acho. O questionamento tão pequeno me levou à uma reflexão maior. Primeiro, arrisco a dizer que os livros mais vendidos são apenas um reflexo da nossa sociedade. O Brasil está a cada dia mais confuso politica e economicamente falando. Os escândalos de corrupção e o desemprego atestam essa confusão melhor que eu. Então, não me surpreende que no topo dos mais vendidos estejam os livros escritos por líderes religiosos (Bispo Edir Macedo e Padre Marcelo Rossi). As pessoas andam tão desesperadas que se apegam à religião, para encontrar algum consolo.

No meio da lista tem alguns livros internacionais. Alguns deles, que viraram filmes. Boa parte deles faz parte daquele grupo que recebeu investimento pesado de marketing da editoras seja junto às livrarias, seja nas ruas (aqui em São Paulo, muitos outdoors nas estações de metrô) e parcerias com blogueiros. Resumindo, uma leitura que se dá pela curiosidade gerada pelo o buzz, não porque o autor tenha necessariamente algum tipo de qualidade literária.

Nesse limbo, aparecem também os livros de youtubers e os de literatura infantil. Começando pelos de youtubers, confesso que, de todos os que li (e foram vários!), os únicos livros em que vi qualidade foram os da Bruna Vieira (talvez porque antes de ser youtuber, a Bruna trabalhava com textos no Depois dos Quinze). Contudo, se por um lado a qualidade literária da maioria deles é muito questionável (e a escrita também, já que reza a lenda que alguns fazem uso de ghostwriters), por outro é por meio dos livros dos youtubers que muitas crianças e pré-adolescentes entram no mundo da leitura. A gente sabe que o sistema educacional brasileiro tem muito a desejar e que lutar contra a tecnologia não é a melhor estratégia para fazer com que as gerações mais novas leiam, então, os livros dos youtubers ajudam a abrir as portas; ganhando, assim, algum valor. 

Sobre os livros de literatura infantil, a conversa começa em um patamar anterior. As pessoas têm mania de ver a literatura feita para crianças como algo menor. Coisa que não é verdade. Há livros de literatura infantil com qualidade literária melhor do que muitos best sellers para adultos (em que se nota que o trabalho do escritor com estrutura das sentenças, com a sequência descritiva e com o desenvolvimento da trama e dos personagens são muito mais apurados). Assim como ocorre com os livros de youtubers, a literatura infantil vem para abrir as portas para os leitores. E, nesse quesito, fico feliz que a maior parte dos livros vendidos sejam os que são voltados para as crianças e adolescentes. Quem sabe não é essa a geração que vai aumentar o índice de leitura na fase adulta mais para frente?

Esses dados me trazem uma ambivalência de sentimentos. É ótimo ver que os brasileiros estão lendo. A sensação que me dá é que o número de leitores tem aumentado ainda que a passos lentos. Isso é incrível, porque, independentemente do que é lido, é melhor estar em contato com os livros do que não ler (e é aquela história: ninguém começa de cara com um Machado de Assis. Refinamos o nosso gosto literário aos poucos. Tenho consciência de que isso é um processo). Por outro lado, me entristeço quando vejo que neste ranking não há livros maravilhosos, escritos por autores nacionais (nenhum prêmio Jabuti ou SESC de Literatura, por exemplo). Encarar esta lista como o reflexo do mercado, que por sua vez, é reflexo da cultura que prega que só o que vem de fora é melhor e que só os autores gringos têm qualidade é desolador.

E é justamente aí que eu me pego pensando no que eu tenho a ver com tudo isso.

Eu sou professora, blogueira e escritora (na maior parte do tempo, de crônicas -- um gênero consagradamente brasileiro e consequentemente menosprezado por alguns). Isso tudo me leva a pensar no meu papel, perante à sociedade, de influenciadora dos meus alunos, amigos e leitores em relação a tudo isso. É errado ler livros de autoajuda, religiosos ou de youtubers? Não, não é, e como disse acima, eu mesma já fiz isso. A questão é como levar as pessoas a irem além. Como professora a melhor forma de fazer os alunos lerem é pelo exemplo. Ler para eles, com eles, conversar sobre as minhas experiências de leitura e me interessar genuinamente pelas experiências deles é um ótimo começo. Já tive alunos que deixaram de ter a professora de língua portuguesa como modelo, para vir me pedir indicações de leituras. É nesse ponto que o meu posicionamento como blogueira e escritora entram em ação também. Se eu conheço tantos livros nacionais maravilhosos, por que vou indicar um que esteja na modinha do marketing literário? Tenho que aproveitar as oportunidades que os meus alunos e amigos me dão para fortalecer sim, a literatura nacional. 

O mesmo eu venho tentando fazer isso ao longo das minhas últimas compras. É isso que venho buscando ao longo das resenhas que trago para o blog (e me enche de felicidade saber que uma das mais lidas é a de um livro do João Ubaldo Ribeiro). Sei que é trabalho de formiguinha, mas não consigo deixar de fazer a minha parte. 

Minha esperança é que em 2020 o Nexo tenha uma lista mais promissora.
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terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

{Resenha} A Terra dos Meninos Pelados, de Graciliano Ramos

terça-feira, fevereiro 21, 2017 10
Breve análise do conto de Graciliano Ramos.

Em 1939, Graciliano Ramos publicou A Terra dos Meninos Pelados, livro que inovou a literatura infantil e juvenil. Com sua linguagem baseada nos novos valores literários, o texto apresenta o predomínio do mundo fantástico, onde nada é impossível.

A narrativa mostra inovação desde o seu princípio, quando apresenta Raimundo: um protagonista descrito como um menino diferente – tem o olho direito preto, o esquerdo azul e a cabeça pelada – que é chacoteado pelas outras crianças. Ou seja, o autor principia o texto mostrando uma personagem que não pertence a um grupo social dominante e que sofre da exclusão sobre a qual é vítima.

Para aproximar o leitor do texto, Graciliano constrói a narrativa utilizando linguagem coloquial, como podemos ver no trecho em que os garotos zombam de Raimundo: “Como botaram os olhos de duas criaturas numa cara?”

Ao trabalhar o universo imaginário, o autor cria personagens antropomorfizadas. Em Tatipirun – a terra onde todos têm os olhos de duas cores e a cabeça pelada – os carros falam, riem, piscam e voam (“Mas o automóvel piscou o olho preto e animou-o com um riso grosso de buzina: - Deixa de besteira, Raimundo. Em Taipirun, nós não atropelamos ninguém”.), a “laranjeira que estava no meio da estrada afastou-se para deixar a passagem livre” e depois conversou com o menino. Além destes exemplos, pode-se citar ainda: o troco, a aranha (representante da indústria têxtil), a cigarra (que representa os artistas), a rã, as cobras corais e o vaga-lume – todos eles falantes.

Ainda para compor este mundo de fantasia, Graciliano Ramos trabalha a linguagem fazendo uso de neologismos. Nomes como o do lugar onde todos são iguais ao protagonista (Tatipirun), o sítio de onde veio a personagem principal (Cambacará) a serra que Raimundo atravessa para chegar à terra dos meninos pelados (serra de Taquaritu), os personagens humanos (Caralâmpia, Pirenco, Talima, Sira, Pirundo) e palavras que aparecem ao longo do texto - como “princesência” -, foram criadas para reforçar a magia e a perfeição vividas na terra de Tatipirun. Além deste recurso, o autor emprega ainda um estrangeirismo dito pela rã (“Parece até um meeting, disse a rã que pulou na beira do rio”.) e abusa das metáforas, como pode-se constatar no trecho a seguir: “ – E boa, interrompeu um menino sardento. Meio desparafusada, mas um coraçãozinho de açúcar. Aquela é Sira”, criando uma sensação de que tudo o que acontece no principado é real, pois cada ser tem sentimentos, nomes e pensamentos próprios.

O autor sabia da importância fundamental que a fantasia tem na vida das crianças. Ao criar a terra dos meninos pelados, Graciliano cria um local democrático, totalmente inversa a Cambacará – lugar de origem do Raimundo – onde há injustiças. Ao mesmo tempo, Tatipirun dá a força necessária ao pequeno menino pelado retornar ao seu lar se aceitando como ele é e não como os outros querem que ele seja. Por meio deste universo mágico os pequenos leitores podem ter como exemplo a personagem principal para enfrentar problemas do dia-a-dia (como o preconceito por ser gordinho, por usar óculos, por ser muito mais alto ou muito mais baixo que as outras crianças na escola, por exemplo).

Por fim, deve-se ressaltar que o texto apresenta uma intertextualidade com outra narrativa infantil clássica: Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll. Ambas as obras retratam de forma surreal a aventura de suas personagens principais em uma terra de fantasia, em um mundo encantado.


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