Não tenho respostas, mas continuo tentando
Fernanda Rodrigues
sexta-feira, junho 05, 2020
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Imagem de Pexels por Pixabay.
2020 está sendo um ano muito curioso no sentido das transformações: interna e externamente, tudo vem mudando, de forma acentuada. A carreira, as amizades, o amor (talvez), a sociedade. O que é bom está ficando mais forte e o que é ruim está sendo jogado fora sem dó nem piedade.

Talvez por isso mesmo, que escrever tem se tornado um processo diferente para mim. Se antes eu sentava, levantava uma agenda para o blog e trabalhava para que ela acontecesse, agora eu preciso olhar para fora e para dentro, tentar compreender essa equação e, só assim, criar. As mudanças trazem consigo oscilações entre alegrias e tristezas. Entre felicidade e revolta. Entre amor e desprezo. É nessa montanha russa que sigo. Seguimos.
Ontem comentei nos stories do meu Instagram que, até um tempo atrás, estava com muita vontade de comemorar o primeiro ano do meu primeiro livro, A Intermitência das Coisas. Entretanto, ver o número crescente de mortes ao meu redor (seja por corona vírus, seja por racismo), foi cortando o meu barato. Como comemorar algo com tanta gente morrendo? Por outro lado, sou mulher, sou negra e fui publicada. Só quem está no mercado editorial sabe como isso é difícil de acontecer. Será que comemorar o meu livro não é um meio de inspirar outras mulheres negras a correrem atrás do próprio sonho?
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Vidas negras importam (ontem, hoje e sempre). |
O mundo está divido, e eu, muitas vezes, não consigo respirar. Eu não consigo respirar quando olho para fora e vejo a indiferença e a irresponsabilidade dos nossos governantes. Eu não consigo respirar quando hospitais de campanha não são abertos mesmo já estando construídos ou tendo verba para tal, quando gastam fortunas e chegam equipamentos errado no Pará, quando vejo médicos tendo que escolher quem vai ou não para a UTI. Eu não consigo respirar quando vejo a verba do Bolsa Família sendo cortada no Nordeste ou quando milhões de brasileiros ficam na incerteza da aprovação do recebimento do auxílio emergencial. Eu não consigo respirar quando vejo pessoas sendo despejadas e indo morar nas ruas sem terem o que comer. Eu não consigo respirar quando a polícia atira numa criança, quando vejo uma mulher branca matando uma criança negra. Eu não consigo respirar quando vejo que um policial branco assassinando um homem negro por puro prazer. Estou há quase três meses sem sair de casa e, daqui do meu privilégio de ter um lar, eu me sinto MUITO impotente.
Cada vez que eu penso em atualizar o blog, alguma notícia chega e leva um pouco da minha esperança. Por isso o meu silêncio. Por isso o meu sumiço (daqui e da leitura dos blogs que eu tanto amo). Precisava de um tempo para entender como equilibrar os acontecimentos bons da minha vida pessoal (que, a passos lentos, está seguindo uma transição para um rumo menos tóxico), com o que chega de fora. Precisava de um tempo para entender como eu posso ecoar a minha voz para apoiar outras pessoas, para me unir a essa luta por um mundo mais justo. Macro e micro devem andar juntos, por mais que eu não saiba bem como. Ainda não cheguei a uma resposta exata da melhor maneira de fazer isso, mas continuo tentando.
Em um post que escrevi em março, eu havia dito que não pretendia falar mais da pandemia aqui no blog, porque entendo o quanto todos nós precisamos de afeto nesse momento tão complexo (que inclui o luto de muitas pessoas que amamos). Acho que estou falhando miseravelmente na missão, mas não vejo outro modo de seguir por aqui. Manter o silêncio é uma forma de se posicionar e não é essa a que está de acordo com aquilo que acredito e com o futuro que eu sonho para todos nós. Por isso escrevo este texto.
Essa semana, enquanto estava em uma conversa com a 3ª série do Ensino Médio, um aluno me perguntou o que eu penso sobre o silêncio de figuras públicas, a exemplo de Neymar Jr., diante dos últimos acontecimentos globais. Eu fui honesta ao dizer que impor algo a alguém é complexo, mas que vejo que uma pessoa pública tem nas mãos um poder grande de trazer à tona a discussão e de fortalecer o diálogo (tanto usando as plataformas da Internet, quanto fora delas). Vivemos em uma sociedade em que todos estão habituados com respostas rápidas para tudo (oi, Google!), contudo, diante dessas mudanças em tantas áreas ao mesmo tempo, não dá para colocar tudo em caixinhas, ter soluções, sair dizendo o que é certo ou errado, sendo que há tantas perspectivas postas à mesa. Não dá para querer a exatidão em uma fração de segundos. Vejo que trazer a discussão à tona e ser honesto falando que está estudando o assunto, que está tentando entender, que está na busca para contribuir com a sociedade pode inspirar os outros a fazerem o mesmo. Como professora, escritora e cidadã, vejo que é isso que a gente precisa agora: não de pessoas que assumam um único lado da narrativa como algo perfeito e inabalável, mas sim de sujeitos críticos e pensantes, que busquem ouvir, pesquisar e compreender as diversas vertentes, recursos, interesses e responsáveis de forma racional, objetiva, compromissada consigo e com quem estiver ao seu redor.
Foi por tudo isso que me ausentei do blog. Estava processando a vida real. Por causa dessas conversas (com a minha família, com os meus amigos, com os meus alunos, com os meus livros) que dei esse passo atrás de parar a produção de conteúdo por um tempo. Também foi por conta dessa reflexão que volto agora (talvez ainda sem uma regularidade e uma agenda). Quero continuar essa caminhada, essa busca, ao lado de todos que me leem. Mais uma vez: não tenho respostas (e, dependendo do momento, fico sem ar e sem forças), mas quero e vou continuar abrindo diálogos e, sobretudo, continuar lutando.
Você vem comigo?
Aproveito para lembrá-lo de que criei uma página aqui no blog chamada QUARENTENA e que nela vocês podem encontrar diversos empreendedores, causas e organizações sérias para apoiarem durante esse período. Para acessá-la, clique aqui.
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