sábado, 6 de outubro de 2018

Sobre a violência que não quero viver

Registro da minha viagem a Belo Horizonte, feito pela minha amiga Karla.

Agora me pego aqui, me redescobrindo enquanto mulher, negra, filha e neta de nordestinos, tataraneta de indígenas, professora e escritora. Me pego aqui pensando qual é o meu lugar no mundo. Os últimos dias foram complicados e o nosso cenário político me faz pensar que, ao menos até o fim do mês, a tensão estará no ar.

Particularmente, não acredito que bandido bom é bandido morto (já não acreditava desde quando o Maluf defendia a “Rota na rua” como solução para a violência). Armar pessoas que estão furiosas só vai gerar mais fúria. Cada vez que vejo uma fechada no trânsito, um consumidor esquentadinho, um aluno ou um pai de aluno nervoso, penso se estaria viva caso eles tivessem uma arma em casa... No entanto, como professora sempre tive esperança nas pessoas (e por ter esperança, acredito que a Educação e condições de vida dignas — saúde, saneamento básico, alimentação e emprego — são o caminho). Também não acho que minha mãe, minha irmã, minhas amigas, minhas colegas de trabalho, minhas alunas e eu somos fruto de uma fraquejada. Ao contrário, quanto mais me cerco por mulheres, mais vejo a nossa força reverberar. Quanto mais estou com elas, mais me sinto forte. Por fim, não penso que meus amigos gays devam apanhar até morrer. Primeiro porque eles são pessoas maravilhosas; segundo - e mais importante - eu não quero que ninguém se meta na minha vida, nas minhas decisões e no meu corpo. Por que faria isso com eles? Sexualidade não define caráter.

É claro que ver a sociedade dividida é exaustivo. Vejo a mim e a quem me cerca cansados física e mentalmente. É cansativo, ainda que seja natural, após o esforço de pensar, de refletir, de checar informações (e, ao menos no meu caso, de ler tantos planos de governo). A nossa mente se sente exaurida. Tomar decisões que tenham impacto positivo, com tanta gente disseminando o ódio, é complexo mesmo.

Penso, contudo, que é importante que não entremos em pânico. Nossa democracia nunca esteve em um momento tão frágil, e ter serenidade para tomar a decisão mais adequada é fundamental. Quem deseja a violência como forma de governo, quer ver o restante da população instável. A sabedoria está justamente em não entrar nessa jogada.

Confesso que não costumo falar de política assim, abertamente, porque são poucas as pessoas que se predispõe a dialogar de fato — sem ofender ou sem cair no “evocêquismo”. Entretanto, sou escritora e a literatura também é um espaço democrático e político (que causa medo nos opressores, haja vista quem rasgou livros na biblioteca da UNB). Sendo assim, penso que não posso me omitir e aproveito para lembrar que uma discussão política não precisa, necessariamente, ser partidária.

A escolha do voto, feita de forma consciente, passa por um processo de autoconhecimento. Em um mundo cada vez mais rápido, em que as pessoas vivem no automático, essa escolha reflete em problema sociais. Se eu não sei exatamente o que quero, quais são os valores que considero importantes, o que desejo para a minha sociedade, como posso escolher alguém que me represente de fato?

Talvez seja por isso que vejo pessoas que considero (ou considerava) tão centradas optando por alguém que defende (ou que tenha um vice que defenda) a intolerância e a ditadura. Pode ser que essas pessoas tenham se perdido neste processo de se autoconhecer e de compreender que elas estão machucando e ferindo não apenas quem está ao redor delas, mas a elas próprias. De qualquer modo, quando a questão deixa de ser político-partidária para ser moral, fica difícil ver o voto como uma divergência apenas. Como mulher, negra, descendente de nordestinos e de indígenas, não posso tolerar a violência gratuita a esses grupos. Lamento quando vejo quem amo não respeitando a minha existência.

Há muitas opções de candidatos (de direita e de esquerda) que não estão colocando a nossa democracia em risco, que não vêem os Direitos Humanos e os ambientais como besteira, que não querem derramar sangue por aí. Espero que as pessoas se dividam entre eles amanhã.

Divido-me entre a esperança e o medo. Eu nunca pensei que fosse viver um momento assim e que ser brasileira seria tão complexo. Mas já que chegamos até aqui, que continuemos na luta por uma sociedade em que todos se respeitem — nem que seja minimamente.

Também escrevi sobre este assunto no blog do Clube da Escrita para Mulheres. Para ler os poemas, clique aqui.

2 comentários:

  1. Faço das suas as minhas palavras! Texto lindo e necessário. Que, amanhã, as pessoas relembrem da própria humanidade ao votar. Relembrem que só o amor une, e que só um voto consciente pode mudar este país para melhor.

    Abraço enorme! E pensamentos positivos. Fé.

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    Respostas
    1. O mundo anda sombrio, mas a gente deve seguir em frente, não é mesmo?

      Beijos

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