segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Uma carta à Carolina de Jesus

Imagem: Pezibear.
Cara Carolina de Jesus,
não queria lhe escrever sem saber nada sobre a sua obra e, de algum modo, minha consciência pesa por isso. Entretanto, quando o exercício de escrita proposto surgiu — o de escrever sobre uma outra autora desconhecida — o primeiro nome que me veio à mente foi o seu.

A primeira vez que ouvi falar da sua obra foi por uma amiga que estava lendo O Quarto de Despejo  e estava dividida entre se maravilhar com a sua literatura e se indignar com o que ela retrata. Foi essa amiga que me passou um resumo muito breve da sua trajetória de vida. Talvez tenha sido ali que eu também me dividi entre a curiosidade e o medo de te ler.

Digo curiosa porque confesso, não conheço muito da literatura escrita por mulheres negras. A verdade é que venho de uma família mista e tenho me despertado para a questão do que é ser negra agora. Foi difícil entender as regras do jogo — se é assim que podemos chamar — tendo a pele mais clara. Privilégios e a falta deles, só agora que ando atenta a tudo isso.

Carolina Maria de Jesus, em São Paulo — 1961 (imagem: divulgação).

O medo de te ler, todavia, vem da semelhança da sua história com a nossa história: minha e da vó Izabel. Sabe, a vó Izabel era a mãe do meu pai, a vó que não conheci. Ela morreu quando ele tinha 18 anos. Enfarte. Não deu tempo de socorrer. Tudo muito rápido e um tanto desesperador, como soube ano passado (quando finalmente meu pai e um tio se propuseram a nos narrar suas memórias). Cresci com um retrato da vó Izabel no quarto que então era do meu avô. Negra, alta, semblante sério no retrato de casamento. Ela era séria na vida, mas muito amada por todos. Teve muitos filhos (cinco deles sobreviveram — dentre eles, o meu pai), três empregos e um marido alcoólatra. Acho que foram esses os motivos do colapso. Quando penso em você, penso nela. Quando penso na sua história de vida, lembro-me dela. Mas também lembro de mim. Assim como você, escrevo.

Cheguei à fase adulta ouvindo que sou a neta que mais se parece com a Izabel. Isso sempre me foi motivo de orgulho. Agora, enquanto escrevo esta carta, lamento a minha covardia por nunca ter te lido (nem a você, nem a Conceição Evaristo — que também ecoa nesta epístola). Imagino que a sua obra seja um reflexo que reflita a sua vida e que, de algum modo una minha avó a mim.

Peço que você me perdoe por esta falta.
Com a gratidão que me transborda o peito,

Fernanda

Este texto foi criado a partir de uma proposta de escrita do Clube da Escrita para Mulheres. Para saber mais sobre o trabalho e como participar, clique aqui.
_____________________________________________________________

2 comentários:

  1. Eu ja li umas centenas de vezes, e estou apaixonada por Carolina <3

    http://dosedeestrela.blogspot.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu preciso fazer isso também! Fico feliz por saber que você gosta.

      Beijos!

      Excluir

Olá!

♥ Quer comentar, mas não tem uma conta no Google? Basta alterar para a melhor opção no menu COMENTAR COMO. Se você não tiver uma conta para vincular, escolha a opção Nome/URL e deixe a URL em branco, comentando somente com seu nome.

♥ É muito bom poder ouvir o que você pensa sobre este post. Por favor, se possível, deixe o link do seu site/blog. Ficarei feliz por poder retribuir a sua visita.

♥ Quer saber mais sobre o Algumas Observações? Então, inscreva-se para receber a newsletter: bit.ly/newsletteralgumasobservacoes

♥ Volte sempre! ;)

Algumas Observações | Ano 17 | Textos por Fernanda Rodrigues. Tecnologia do Blogger.