Uma carta a Carlos Drummond de Andrade
Fernanda Rodrigues
sábado, outubro 27, 2018
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perdoe-me a intimidade de chamá-lo pelo primeiro nome. Acontece que não gosto de formalidades e, me parece, você também não. Ademais, quero conversar sobre o que anda transbordando do peito e isso também não combina com cerimonialismos.
Estava aqui pensando quando nos conhecemos e como foi o nosso primeiro encontro. Não consegui me lembrar ao certo, mas creio que isso aconteceu em uma sala de aula, há 17 anos. O poema que trazia as suas sete faces me despertou o desejo de entender mais da crítica literária e de querer esmiuçar cada verso, para lhe conhecer melhor. Dali, pulamos para "No meio do Caminho", "Quadrilha" e "Sentimento do mundo". Foi com "Sentimento do mundo" que você ganhou meu coração. Você mora nele até hoje.
Alguns amigos lhe reconhecem no que eu escrevo, mesmo que eu não esteja pensando em você no momento da escrita. De algum modo mágico, seu texto se entranhou nas minhas veias. As crônicas, os poemas, o seu modo intenso de ver o mundo com uma simplicidade dolorosa... Não sei se aprendi com você a ser assim, ou se me reconheci em você justamente porque sou assim.
A resposta para esse dilema não importa. A confluência, sim. Principalmente quando ela é do amor. Tenho fé nas pessoas, Carlos, e não quero perdê-la. O mundo está de pernas para o ar; mas, ainda assim, quero manter fé nas pessoas. E é por isso também que lhe escrevo.
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Trecho de abertura do poema "Sentimento do Mundo", de Carlos Drummond de Andrade. |
A resposta para esse dilema não importa. A confluência, sim. Principalmente quando ela é do amor. Tenho fé nas pessoas, Carlos, e não quero perdê-la. O mundo está de pernas para o ar; mas, ainda assim, quero manter fé nas pessoas. E é por isso também que lhe escrevo.
Carlinhos, você viveu o horror de presenciar as duas grandes guerras. Você também viu o que veio depois delas. Então, Carlos, me diga, como lidar com tanta gente se odiando? Como educar, como escrever, como encontrar forças para vencer o medo e o ódio que se espalham pelas ruas e ganham cada vez mais força? Como viver em uma sociedade que está polarizada? (Sim, de novo, Carlos. Em outro contexto decerto; contudo, aqui estamos nós, cada um de um lado.)
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Poema "Congresso Internacional do Medo", de Carlos Drummond de Andrade. |
Carlos, a amendoeira falou enquanto seus netos brincavam na praça. Será que voltarei a ver esta paz reinando novamente? Será que, de algum modo, a humanidade aprenderá com os seus erros e terá paz algum dia? Será que o José encontrará um consolo para o seu e agora?
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Trecho do poema "As Sem-Razões do Amor", de Carlos Drummond de Andrade. |
São muitas perguntas sem respostas, Drummonzinho. Muitas mesmo. De qualquer modo, por mais que eu conserve este nó no peito, quero lhe agradecer: suas crônicas e seus poemas sempre foram e sempre serão um abraço em meio ao caos.
Com carinho,
Fê
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