domingo, 8 de junho de 2025

Seis anos de publicação: reflexões de uma jornada de escrita e de leitura

domingo, junho 08, 2025 2
Há 6 anos, eu publicava o meu primeiro livro.

Hoje, 8 de junho, faz seis anos que publiquei o meu primeiro livro, A Intermitência das Coisas: sobre o que há entre o vazio e o caos (Editora Litteralux). Ao mesmo tempo que foi ontem, parece que vivi uma vida inteira desde aquele dia.


Me considero escritora desde que abri o meu primeiro blog, Escritos Humanos, lá pelos idos de 2004. Minha carreira foi ganhando consistência, no entanto, quando eu comecei a trabalhar aqui no Algumas Observações, em 2006. Entretanto, há um mito no imaginário coletivo de que pessoas só se tornam escritoras quando tem o objeto livro publicado em formato físico. Há uma necessidade intrínseca de pegar o livro nas mãos e fazer aquilo chamamos de Leitura Sensorial. Talvez por isso mesmo que comemorar o aniversário do A Intermitência sempre me traga para um espaço de reflexão: porque foi a partir dele que muitas pessoas ao meu redor passaram a me considerar “escritora de verdade”, ainda que eu nunca tenha sido “escritora de mentira”.


Meu livro em Paraty, durante a Flip.


É claro que eu ainda não preencho todos os requisitos para muitos leitores por aí. O motivo? Meus livros literários solos são todos de poesia. Se, para mim, escritor é quem escreve, para muita gente ser poeta não é ser escritor (assim como ser cronista ou contista também não). Vejo a empolgação e a frustração toda vez que o seguinte diálogo se repete:

 

— O que você faz?

— Sou professora e escritora. Tenho dois livros literários e um didático publicados. O meu primeiro foi traduzido para o espanhol.

— Sério? E sobre o que fala as histórias dos seus livros?

— Na verdade, meus livros são de poesia.

— Ah…

 

✨ Veja como foi o lançamento do A Intermitência das Coisas, clicando aqui.💙


O ar reticente vem muitas vezes com “poesia é tão difícil, né?”. Com jeitinho, tento responder que “não, poesia não é difícil”. Eu — e aqui falo também como professora de língua e de literatura — não acho que ler ou escrever poesia seja difícil. Acho apenas que nós — sejamos leitores ou escritores — temos que entrar por essa porta com uma chave diferente.

Os múltiplos abraços no dia do lançamento. 

Pensando na analogia da chave: você não abre um cadeado com a chave do carro, do mesmo modo que você não tranca um portão com a chave de uma gaveta ou de um armário. Com a leitura e com a escrita acontece algo similar: não adianta eu ler um poema esperando dele o que viria no romance ou num artigo científico. São chaves diferentes. A gente precisa entrar no livro com a chave certa.


Certa vez, me peguei pensando qual é o propósito da minha escrita e cheguei à conclusão de que tudo o que faço, seja como blogueira, como autora de livros, seja como professora é tentar ser ponte para que as pessoas percam o medo dos livros, da palavra escrita, da poesia.  E por que isso? Porque a poesia está da vida, mas o sistema estabelecido socialmente vai matando o nosso olhar artístico para as belezas ao nosso redor. A gente se acostuma com o piloto automático. E como já diria Marina Colasanti, “Eu sei que a gente, mas não devia”.


✨ A intermitência das coisas nas bibliotecas públicas de São Paulo. 💙


Há 6 anos eu venho, profissionalmente falando, dizendo que se textos de não ficção são para serem lidos com o racional; a prosa, num mix de razão e de emoção; a poesia — assim como a sua irmã: a canção — é para ser lida com o emocional. Quando a gente abre o coração, a gente sente a poesia. Poesia é feita para ser, sobretudo, sentida. Via de regra, quem quer analisar intelectualmente um poema é alguém que exerce a função de crítico literário.

Meus livros juntos. :)

Estou dizendo que só críticos podem analisar intelectualmente? Não. Mas pense comigo: tente se lembrar de um poema ou de uma canção que você já leu/ouviu e de que gostou muito. Muitas vezes, esses os versos entraram nas suas entranhas. Você gosta porque gosta, porque o poema ou a canção moveu um sentimento tão profundo, intrínseco, inconsciente, que fica difícil racionalizar por que raios você gosta tanto daquele texto. É sobre isso que estou falando. Quando a gente lê um poema com essa chave, a poesia se torna muito menos assustadora. E é por isso que eu continuo a escrever poesia: porque essa forma de escrita me acessa nos meus lugares mais recônditos e porque eu sei que se meu leitor perder o medo, ele também vai encontrar os lugares mais recônditos dentro de si.


Seis anos se passaram e o A Intermitência segue firme me ajudando nessa missão. Além de alcançar leitores em língua portuguesa, ano passado ele foi traduzido e agora pode ser lido en español, além de ser vendido no Brasil e na Argentina. Eu só posso agradecer por saber que há leitores nacionais e estrangeiros que se permitem navegar pelos meus versos — com medo dos versos ou não. São justamente esses leitores que continuam a me dar forças para ser um pequeno ponto de luz poética insistente contra essa vida corrida e líquida que tenta nos engolir o tempo todo. A todos que me leem, muito obrigada! 


✨Quer apoiar meu trabalho como escritora? Meus livros estão à venda e você pode conferir todos os títulos aqui! Obrigada por ler, seguir, e caminhar junto nessa jornada de palavras. 💙💜

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domingo, 1 de junho de 2025

Agenda aberta: se o seu projeto de vida tem palavras, eu posso te ajudar

domingo, junho 01, 2025 2


Se tem uma coisa que sempre me fascinou, é o poder que as palavras têm de construir mundos, de gerar e sanar dúvidas, de aproximar pessoas, construíndo e estabelecendo laços. Foi essa paixão que eu transformei minha profissão, afinal, como muitos de vocês sabem, sou formada em Letras e segui toda a minha carreira acadêmica e profissional nesse universo.


Às vezes, as pessoas me perguntam como eu dou conta de trabalhar em tantas frentes diferentes de atuação. A verdade é que eu AMO a versatilidade que a graduação em Letras me proporciona! 💚 Por isso, quero compartilhar como eu posso te ajudar, caso o seu sonhou ou projeto de vida envolva o lidar com as palavras nas mais diversas vertentes. Vamos lá?!





Para começar, sou professora particular de escrita literária, ou seja ajudo quem escreve — ou quer escrever — a tirar as ideias da cabeça e colocá-las no papel com clareza, estilo e propósito. Seja no romance, no conto, na crônica ou na poesia, meu trabalho é guiar, provocar, afiar. No acompanhamento literário, foco apenas no seu projeto de livro. Já na mentoria, ampliamos: além de aprofundarmos na sua escrita, eu te ajudo a pensar e a estruturar a sua carreira de escritor(a).


Também sou uma professora de língua portuguesa que tem aquele olhar afetuoso sobre gramática. Se você tem medo, acha que não sabe, quer aprender ou apenas quer relembrar as regras gramaticais e como ela se relaciona com outras áreas de estudo (como a linguística, a fonétca e a semântica), você está com a professora  certa! A ideia não é decorar regras, mas entendê-las como ferramentas a serviço da comunicação — inclusive para quem odeia vírgula, tem trauma de crase e corre dos grandes nomes como "Período Composto por Coordenação e Subordinação". Sim, tem jeito! Só vem!


Outro medo comum das pessoas é aprender língua estrangeira. Está  traumatizado como verbo to be? Pois bem, também dou aulas de inglês. Gosto de construir caminhos personalizados para cada aluno, respeitando ritmo, gostos e metas reais — sem pressa, sem pressão, mas com muito progresso. A regra aqui é que as aulas devem ser emocionalmente positivas! 


Além disso, trabalho com edição, preparação, leitura crítica e revisão de textos para autores e editoras independentes. Isso significa mergulhar nos livros dos outros com o maior cuidado do mundo, ajudando a lapidar estilo, garantir coerência e deixar tudo redondinho para o leitor final. Entre uma vírgula bem colocada e uma metáfora bem construída, sigo nesse ofício de escutar, orientar, organizar e transformar textos — e vidas — com palavras.


Veja o meu portfólio completo:

Portfólio completo 2024 de Fernanda Rodrigues


Somado a tudo isso, sou escritora com 4 livros publicados. você pode conhecê-los clicando aqui.

Ficou interessado? A boa notícia é que estou com a agenda aberta para novos alunos e autores!
Se você quer aprender, escrever ou revisar um projeto com carinho ou dominar idiomas, vem conversar comigo. Vai ser um prazer te acompanhar nesse processo. 

Você pode pedir um orçamento ou marcar uma reunião para conversarmos melhor via e-mail: contato@algumasobservacoes.com 😉

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domingo, 25 de maio de 2025

{Resenha} Também eu danço, de Hannah Arendt

domingo, maio 25, 2025 2
Você sabia que a Hannah Arendt também é poeta?


Também eu danço é um livro póstumos de poemas da filósofa e pensadora Hannah Arendt, publicado no Brasil pela editora Relicário e pelo Goethe Institut, em edição bilíngue — alemão e português. A tradução e o prefácio (“Arednt poeta”) ficaram a cargo de Daniel Arelli. A obra conta ainda com texto de orelha da professora Patrícia Lavelle e com um posfácio intitulado “Sobre os poemas de Hannah Arendet”, assinado por Irmela von der Lühe.

A maior parte dos poemas são curtos e alguns seguem uma estrutura que respeita esquemas de rima — muitos deles, com um tom bem-humorado. Muitos deles retratam o interior da poeta, de forma a relatar o que lhe era importante: as amizades e os seus amores.

51.
[Sem Título]
O poema espesso adensa
salva a essência contra o infenso.
Casca, quando irrompe a essência
mostra ao mundo um dentro denso.

(Hannah Arendt, Também eu danço, página 119)

Sua lírica foi escrita em 2 ciclos — o primeiro, vai de 1923 a 1926; o segundo, de 1942 a 1961 — tendo um hiato entre 1927 e 1941. Como dito, os amores e as amizades foram importantes para a produção. Há poemas dedicados/escritos para o amor jovem que ela sentiu pelo professor casado Martim Heidegger, antes de ele se relacionar com o Nazismo. Ainda dentro dos poemas de amor, há os versos ao seu primeiro marido Günther Anders, e ao filósofo Heinrich Blücher, com quem dividiu o segundo matrimônio. No hall dos amigos, temos poemas dedicados a grandes nomes, a exemplo de Walter Benjamin e Hermano Broch; já no das leituras, Arendt cita Goethe e Platão.

Tanto o texto de abertura, de Daniel Arelli, quanto os textos que vêm ao fim dos poemas, ajudam demais na compreensão dos poemas. Além disso, há notas no fim do livro que apoiam a leitura dos versos.

A leitura de Também eu danço é fluida, mas que nos coloca para pensar em muitos momentos. Há um tom existencialista em muitos dos versos que coloca o leitor para refletir sobre a poética do livro e a poética vista no dia a dia atual. Em muitos momentos, há a provocação de onde mora a poesia e como essa poética é um lugar. Prato cheio para os leitores amantes da leitura lírica. 😉

63.
[Sem título]
Felicidade é ferida
e seu nome é estigma
não cicatriz. É o que diz
a palavra do poeta.
O dizer da poesia
é lugar, não lar.

(Hannah Arendt, Também eu danço, página 119)

Capa.


Livro: Também eu danço: Poemas
Título original: Ich selbst, auch ich tanze: Die Gedichte
Autora: Hannah Arendt
Tradução: Daniel Arelli
Edição: Relicário e Goethe Institut
Páginas: 228
Apresentação: “Pela primeira vez o público leitor de língua portuguesa tem acesso à totalidade da produção poética de Hannah Arendt. Embora estejam disponíveis traduções ao português de alguns poemas esparsos da autora, não raro em artigos acadêmicos e como suporte de interpretações de sua produção teórica, só agora vêm a público em português, coligidos, todos os 71 poemas produzidos por Arendt no decorrer de sua vida. Esse aparente atraso – afinal, a pensadora faleceu há quase meio século – não é uma singularidade do mercado editorial brasileiro ou lusófono. Mesmo na Alemanha, terra natal da autora e em cuja língua foram escritos os poemas aqui traduzidos, a produção poética de Arendt só encontrou em 2015 sua edição definitiva (que serve de base a este livro).
Esse fato se deve a uma série de razões, não por último a procedência e o destino incerto de vários desses textos. Com efeito, a produção poética de Hannah Arendt se deu de forma bastante intermitente e irregular no decurso de sua vida. Dos 71 poemas que chegaram até nós, Arendt compôs os 21 primeiros entre 1923 e 1926, quando mal entrara na idade adulta – ela nasceu em 1906 – e se encontrava em intensa relação (e correspondência) com o filósofo Martin Heidegger, o destinatário ideal e provavelmente também grande inspirador dessas composições de juventude. Já as demais 50 peças poéticas de Arendt foram compostas de forma mais esparsa entre 1942 e 1961 e acompanharam diferentes momentos da vida e da produção intelectual da autora. De 1961 a 1975, em seus últimos 14 anos de vida, portanto, a filósofa não mais escreveu poemas.” (Do prefácio de Daniel Arelli)
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domingo, 18 de maio de 2025

Expectativas desleais (um bom encontro é de dois)

domingo, maio 18, 2025 6
Imagem por Rattanakun.



“Não tenho o que dizer e mesmo se tivesse, são só palavras.”


Que diferença faria? Fátima olhava para a tela do celular meio incrédula. Depois de tantos anos, aquele inferno se repetia: sempre que ela criava um perfil numa rede social nova, Álvaro aparecia. “Recomendações”, “Talvez você conheça”, “Pessoas que seus amigos seguem” ou quaisquer outras versões a que ela chamava de “trago uma porcaria de volta para a sua vida com um click". Não adiantou excluir o número dele do celular, não adiantou apagar todos os e-mails dele do contato, não adiantou destruir todas as trocas. Quase 15 anos depois ele continuava reaparecendo. Ora se gabando do próprio trabalho, ora com um perfil vazio, sem publicação alguma além da foto e do texto do perfil. Um fantasma que se materializava por meio de bytes na rede mundial de computadores. Já Fátima? Bem, ela continuava pesquisando como bloqueá-lo da tal nova rede social do momento. Movimentos cíclicos. Assim a vida seguia. Ou seguiria, porque desta vez foi diferente. Não deu tempo de Álvaro aparecer para ela, não deu tempo de Fátima fazer a pesquisa. O block tão necessário não foi feito com a antecedência preventiva.

Era uma tarde de sábado bem chuvosa, dessas que fazem a cidade toda alagar, transformando tudo em puro suco do caos. Depois de horas entre leituras e séries, Fátima parou para tirar o celular da tomada e foi ali que ela viu a notificação de uma mensagem de alguém que a quem não seguia.


“Oi… Desculpa escrever assim… do nada…. Tem jeito… de a gente… conversar?”


Quase 15 anos depois. Almost fifteen fucking years later. Por quê? O nome de Álvaro parecia brilhar mais do que o comum na tela, embora não tivesse nada de especial. Não deveria ter. Fátima sabia que ninguém ressuscitaria daquela conversa, não haveria milagre saindo das catacumbas. Por mais que ela tenha sonhado com esse momento por anos. Por mais que ela tenha ensaiado mentalmente o que diria em looping. Fátima conhece Álvaro como ninguém. E ele a conhecia a versão dela, que ele matou quando a abandonou, como ninguém.

“Acho melhor não.”


Fátima andou por todo o pequeno apartamento, celular na mão relendo a mensagem de Álvaro, palavra por palavra, sabendo que não havia paz. Mesmo quando o mundo se transformou, e as vidas online e offline passaram a caminhar juntas, nunca houve paz. Não houve paz quando Álvaro nunca quis assumir o relacionamento. Nunca houve paz, quando ele a deixou na mesa sozinha para cumprimentar o amigo, como se ele não estivesse acompanhado. Nunca houve paz quando ele pedia para que ela alisasse o cabelo. Nunca houve paz quando ela abriu mão do sonho de ter gatos só porque ele ama cachorros ou quando disse que teria filhos, mesmo quando ela nunca quis crianças. O ar saiu ruidoso de seus pulmões. Não, não tem mais jeito.

O corpo de Fátima tombou no sofá desolado. Há tempos não pensava nele ou na intervenção divina que os colocasse em contato novamente. Agora ela estava ali, diante das palavras de Álvaro, um Álvaro que estava perguntando se ainda tinha jeito.

“Não tem mais jeito. It's over.

Seria mais fácil bloqueá-lo e sumir do mapa mais uma vez. Mas, onde estava a bendita função de bloqueio? Por que raios as redes sociais não deixam isso às claras? Abriu o Google e iniciou a já atrasada pesquisa, até que a notificação subiu outra vez:

“Eu sei… que você está chateada… eu fiz muita coisa errada… estou tentando corrigir… a vida mudou muito… queria te dizer… o que eu sinto…”

As reticências sem sentido – como sempre, infestando as mensagens como formigas de fogo – irritavam Fátima profundamente. A raiva rápida que corria pelo corpo a fez se levantar para mais uma ronda descontrolada pelo minúsculo espaço. Por que logo agora que a vida estava se ajustando? Por quê? Jogou o aparelho sobre a cama – It’s too much. Pesado demais. – Entrou no banheiro e fez xixi com a porta aberta, a gata a observando de soslaio. Voltou ao quarto, não preciso responder isso agora, pegou uma muda de roupa, retornou ao banheiro e entrou embaixo do chuveiro quente. É só bloquear. Por que tanto cuidado em não sumir do nada, quando o Álvaro sempre esteve cagando pra mim? Maldita responsabilidade afetiva.

Ao sair do banho, uma notificação e uma tentativa de ligação de vídeo fez com que Fátima retornasse à sua pesquisa. Coragem. A vida é feita de coragem.

“Há tantas pessoas especiais por aí, você não precisa de mim.”

“Você não entende… você nunca… entendeu…”

“Álvaro, é melhor que você se cure de mim.”


Finalmente ela encontrou um vídeo-tutorial de 30 segundos chamado “como bloquear um desquerido na nova rede social do momento”. Antes de seguir o passo a passo, voltou ao chat e completou:

“Boa sorte.”

Álvaro está digitando…


Conto inspirado na belíssima canção da Vanessa da Mata com o Ben Harper. 

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domingo, 11 de maio de 2025

{Resenha} Escrever sobre escrever poesia, de Eduardo Milán

domingo, maio 11, 2025 4


Escrever sobre escrever poesia é uma obra estruturada em três partes com sete ensaios que refletem vários pontos da escrita poética. Seu autor, Eduardo Milán, é um poeta e ensaísta uruguaio, filho de mãe brasileira, que atualmente vive no México. Seus textos têm, portanto, um olhar profundo sobre a arte produzida na América Latina, ainda que a poética latino-americana tenha influência de grandes nomes europeus.

Conforme aponta Teresa Arijón no prefácio "Eduardo Milán. Quando no pensamento/retumbam tambores e zumbam ventos", o livro de Milán nos traz "Escritos numinosos, rigorosos, rasgados, cometidos e acometidos por um dos mais nobres — no sentido de singular ou particular em sua espécie — poetas da América Latina. Um poeta que é argonauta, pedra-ímã, ocelo, eclipse". (página 7)

Como um erudito, Milán traz para dentro do seu texto o intertexto com grandes nomes, a exemplo de Rimbaud, Marllamé, Baudelaire, Walter Benjamin, Nicanor Parra, Ezra Pound, Pablo Neruda, os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari. Ele também resgata o Simbolismo e as Vanguardas. Sendo assim, é importante ter o mínimo de conhecimento prévio sobre sobre os autores e os períodos referidos para tornar a leitura dos ensaios mais fluida. 

"Em todos poema há um cruzamento de caminhos. Em um grande poema há mais de um cruzamento de caminhos. A metáfora é ainda a de ir, a de ir indo. Não quero entrar no motivo da viagem porque entrar aí é realmente entrar: não saímos por qualquer porta na aventura do conhecimento. Ulisses, por mais dados. Em todo poema o maior prazer é perceber a eleição de um caminho, não de outro, a aposta pela direção única que nos guiará por onde só intuimos e não necessariamente sabemos". Eduardo Milán (página 12)

Os textos são gostosos de ser lidos por se comporem de uma escrita ágil em que o autor aborda temas como o que é ler e escrever poemas, a passagem (do poeta e do leitor) pelo intertexto que os versos trazem e como este intertexto proporciona o encontro, a suspensão que ocorre no tempo da leitura e o ritual de decomposição da poética lida, a importância do momento prévio (anterior) que remete ao conceito de antipalavra, a poesia como aproximação do que queríamos dizer (e cuja linguagem não acompanha o pensamento exato). Ele continua costurando como o processo de colonização interfere na produção poética dos modernistas, de como os temas catastróficos atuais (vírus, terrorismo, pandemias) são tidos como "as promessas da ordem atual do mundo que protege o mundo que se situa sob essa ordem, às margens da arte" (página 24) e como isso acaba criando a demanda do ofício do poeta.

"Escrever poesia é estar exilado antes de sair ao exílio. 'Sair ao exílio': eis aí uma quantidade abismal, uma vertical expressiva. É como ir caindo sem jamais tocar o chão 'um caindo que não encontra chão', uma expulsão ao éter, um parto ao domínio do imenso. Há que colocar maiúscula em 'imenso'? Prefigura uma porta de entrada à saída. Há um porteiro na saída? Um guardião na entrada? Não foram vistos. Talvez porque o exílio é um distanciamento, não só do país de origem; um distanciamento permanente, em uma constante 'linha de fuga' o exílio se distancia do exílio." Eduardo Milán (página 27)

O exílio, o fragmento, a suspensão. Como tudo isso faz parte do fazer poético (sobretudo, do latino-americano). É interessante notar como Milán apresenta tudo isso ao leitor com um olhar de quem também nasceu abaixo da linha do Equador e que, portanto, conhece as peculiaridades tanto da população leitora, quanto do seu fazer artístico como um todo. Nesse sentido, o exílio, o fragmento e a suspensão ganham potência na contradição: a especificidade se dá no "poder falar em forma múltipla", ainda que "dentro do olhar global" necessite do "reconhecimento de sua especificidade" (página 31). Neste ponto da obra, Milán reflete sobre as condições globais e como elas, de certo modo, impactam na coloquialidade adotada na poesia a partir das Vanguardas.

Livro Escrever sobre escrever poesia, de Eduardo Milán, caderno Bora escrever, do  Projeto Escrita Criativa, e canetas. Todos a postos para um momento de criatividade.


Então, ele aprofunda a ideia de vanguarda artística, da recusa, da mudança e da transformação social (e como a poesia abarca, abriga, se repagina e ajuda a repaginar o mundo). Literatura e sociedade caminhando de mãos dadas, recusando o sentido imposto, transmutando o dado numa garantia de humanidade frente o conceito de morte da arte da produtividade desenfreada. Poesia como forma de transgressão. Neste ponto entra o papel da crítica literária e de seus críticos que querem, cada um a seu modo, manter um status quo.

"A obra de um poeta não justifica nada. O erro não diz respeito aos poetas — na medida em que não podem ser valorizados pelo que não fazem —: a falha é responsabilidade de uma crítica corrupta que medra com seus instrumentos postos a serviço de uma ordem inamovível — inamovível porque as alternativas ao poder têm a mesma noção cultural que a ordem dominante —, uma crítica cuja degradação se tornou paradoxal: uma crítica que não é crítica. A situação não é a mesma em toda América Latina. No México é especialmente presente esse tipo de desgaste; não é assim na Argentina nem no Brasil, para dar exemplos claros do pensamento. (...) O que desarticula é ver a poesia latino-americana que se escreve desde algumas décadas circular sem valorização crítica e em mãos de um leitor que confunde uma escrita com outra porque já tinha confundido um pensamento com outro pensamento. Não é o acaso que definiu situações: há interesses — que na prática são desinteresses — pra que nada mude de lugar em termos culturais. Nossas culturas — e a poesia há muitos anos na América Latina entrou nesse jogo — herdam a eternidade, mas não se disctem o presente. As obras são escritas no presente e esperam — outra vez mesmo — ser julgadas pela eternidade". Eduardo Milán (páginas 71 e 72)

Após aprofundar o exílio, o fragmento e a suspensão, entram em cena a ausência e o esquecimento, a substituição e a emergência. De acordo com o autor, é assim que a poesia moderna se configura e que a contemporânea se compõe. Neste embate discute-se a quem pertence a palavra, como o leitor a ordena, como as retóricas se conversam (ou não). O leitor torna-se ponto de apoio fundamental para o entendimento da poética atual. Aparecem também a demanda exterior que leva o poeta em direção à linguagem, a desarticulação que leva a uma recaracterização da tensão dentro-fora, o controle social da linguagem e a repressão que também recai no campo poético, o como escrever a partir do que se sente e a escrita que vem a partir da criação do poema "do nada" — defendido pelos irmãos Campos e por Décio Pignatari, com raiz marllameana — e como isso esbarra ainda na poética de Octavio Paz.

A obra traz ainda a análise da poética latino-americana sob a ótica de algumas produções como Trilce, de César Vallejo e de Residencia en la tierra, de Pablo Neruda e as "visões de quatro e o poema que não está", em que Milán foca em falar sobre os poemas "Blanco", "Advertencia al lector", "El desierto de Atacama", "Hospital Británico" e "El poema que no está", em que estes pontos previamente discutidos são vistos em prática.

Como pode-se notar, Escrever sobre escrever poesia é um excelente livro para poetas e estudantes de poesia brasileira e latino-americana, justamente por abrir portas para reflexões profundas e mais direcionadas à nossa realidade.

Capa.



Livro: Escrever sobre escrever poesia
Autor: Eduardo Milán
Tradução: Cláudia Dias Sampaio
Páginas: 204
Editora: Circuito
Coleção: Nomadismos
Apresentação: Eduardo Milán é um dos poetas e ensaístas mais criativos, sutis e influentes da América Latina. Um “raro”, como os que descrevia o nicaraguense Rubén Darío. Nasceu no Uruguai em 1952, numa cidade pequena chamada Rivera, separada por uma rua de outra cidadezinha: Santana do Livramento, no Brasil. Sua mãe, brasileira, morreu quando ele tinha dois anos. Dela herdou a primeira língua, e de sua própria e tenra orfandade a urgência de “escapar em direção a outras latitudes imaginárias”, a iniciação na poesia. Seu pai, uruguaio, foi perseguido pela ditadura que corroeu o país nos anos setenta. Desde o final dessa década (ou quase) Eduardo vive no México, no Distrito Federal. Disse a respeito: “O México me deu as palavras com as quais escrevo. Teria escrito o que escrevi fora do México? Seguramente não”.


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domingo, 4 de maio de 2025

10 anos de Projeto Escrita Criativa

domingo, maio 04, 2025 8


Este 4 de maio é, particularmente falando, um dia muito especial para mim, porque foi em 4 de maio de 2015 que Ayumi Teruya, Ane Venâncio e eu nos encontramos numa comunidade do Facebook e resolvemos criar um grupo para escrevermos juntas. Assim, nessa simplicidade, nasceu o Projeto Escrita Criativa. YAY! 🎈🎉🎊

Naquela época, eu era uma professora formada, em busca de um sonho. De lá pra cá, busquei me profissionalizar (fiz as pós-graduações em escrita e crítica literária e em ensino de literatura e humanidades), passei a dar as caras no YouTube, publiquei os meus livros e amadureci em todos os sentidos. Além disso, ganhei duas amigas para a vida e fomentei uma comunidade maravilhosa! 

Trabalhar com a Ane e com a Ayu é um deleite e um presente! Eu sou muito grata por esse encontro (que é, sem dúvida, um dos mais bonitos da minha vida). 

Olhar para os mais de 200 artigos no site, mais todo o conteúdo do YouTube, me orgulha. Me orgulha porque nós três começamos a falar de escrita, criatividade e mercado editorial, quando ninguém popularizava esse assunto. Me orgulha porque publicamos 2 antologias, 2 planners e muitos outros materiais. Me orgulha porque recebemos vários comentários de como o Projeto ajudou pessoas a realizarem o sonho não só de publicar o livro, mas também de abrir editora. Me orgulha por saber que pessoas de toda a comunidade falante de língua portuguesa nos acompanha. E me orgulha porque demos acesso a esse conteúdo para pessoas que não têm condições de pagar cursos caríssimos, com a qualidade que elas merecem. Democratização da informação, sou feliz porque democratizamos a informação.

Sei que este post pode soar prepotente. Não era a minha intenção. O meu objetivo aqui é dizer que se você tem um desejo, alimente-o. Alimente-o, porque nunca se sabe o que o futuro lhe reserva. Nós começamos de um modo muito despretensioso, e isso virou uma forma criativa de viver. Que venham mais 10 anos! 



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domingo, 27 de abril de 2025

Meu poema na antologia Terra, do selo Off-Flip

domingo, abril 27, 2025 6


No último dia 31 de março, tive uma notícia muito bacana. No final do ano passado, eu fiquei sabendo do concurso literário do selo Off-Flip, para a antologia Terra. Como era o último dia para a inscrição, escrevi um poema sobre a temática e enviei. Assim, sem pensar muito, com a cara e a coragem. É o jeito ideal de se inscrever para uma antologia? Claro que não. Mas como não tinha outra opção, me inscrevi assim mesmo. Meu pensamento foi: não vou deixar a oportunidade passar e coloco uma das tarefas do 101 coisas em 1001 dias em andamento.



Como comecei dizendo, no último dia 31, tive uma grata surpresa. A organização do selo divulgou a lista oficial das três categorias — conto, crônica e poesia —, e o meu poema, intitulado "Herança", ficou na parte dos Destaques. (Você pode ler a lista completa com todos os texto aqui.)



O lançamento da antologia Terra acontecerá na programação do Selo Off Flip durante a FLIP, que este ano acontecerá entre 30 de julho e 03 de agosto. Então, você poderá ler os novos versos em breve. 😜 

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domingo, 20 de abril de 2025

{Resenha} Como encontrar seu estilo de escrever, de Francisco Castro

domingo, abril 20, 2025 12


O sexto volume da série Guias do Escritor, Como encontrar o seu estilo de escrever: as chaves para alcançar a expressão pessoal foi escrito por Francisco Castro. O espanhol é escritor e diretor de oficinas literárias, além de trabalhar com gestão e comunicação, sendo assim, ele traz toda a sua experiência para esta obra.

O livro é estruturado em 7 capítulos, em que seu autor defende e exemplifica aquilo que, para ele, é o principal componente de um bom livro: o estilo.

“Um texto bonito, um texto bem escrito, um texto bem trabalhado, e cuidado, e medido, e ponderado, com as palavras escolhidas a dedo, na quantidade certa (etc., etc.), será mais sedutor para quem lê (mais atraente, mais desejável) do que outro que foi escrito descuidadamente. O tema é o que menos importa. A sedução do texto reside no modo como é escrito.” (Francisco Castro, em Como encontrar seu estilo de escrever, página 18)

Por meio de exemplos de processos de escrita de escritores famosos, como o José Saramago, Castro toca em assuntos fundamentais, principalmente para quem está começando a estudar escrita literária, partindo do básico: o que diferencia um texto literário de um texto não literário, a diferença entre a realidade e a ficção de modo a trabalhar a verossimilhança, como mostrar no lugar de dizer, o que faz de um texto literário um texto bem executado, a importância da reescrita e da revisão.

Castro é categórico em alguns pontos: a literatura como beleza (e a importância da construção da grande metáfora), o estilo como ponto estrutural do romance e o fato de que um bom texto é produto de muitas reescritas. Como alguém que estuda e ensina escrita literária, penso que o modo como ele desenvolve o capítulo “Dizer e Mostrar” é muito didático. Muitos autores falam sobre isso – quem já fez cursos de escrita literária sabe o quanto esse assunto é recorrente –, mas Castro é muito claro tanto na explicação, quanto nos exemplos dados. Este é um grande diferencial da obra.

“Deixemos claro, portanto, que o estilo literário sedutor o é, em parte, pela força com que se saiba explorar as possibilidades imaginativas das metáforas. Eis uma coisa que você jamais deverá perder de vista na hora de escrever. Trabalhe com vigor as suas palavras para que delas nasça uma grande metáfora. Direi ainda mais: uma grande metáfora exata.” (Francisco Castro, em Como encontrar seu estilo de escrever, páginas 48 e 49)

E por falar em diferencial da obra, penso que os exercícios de escrita propostos nos três primeiros capítulos são de grande valia – mesmo sabendo que eles não terão um feedback do autor. As propostas são criativas, ao mesmo tempo em que colocam o leitor-escritor para refletir sobre a própria escrita. Esses exercícios são bacanas até para quem já tem familiaridade com oficinas e manuais de escrita literária. Além disso, todos os capítulos terminam com um resumo do que foi tratado. Isso também dá um panorama aos leitores.

Por fim, vale dizer que, apesar de ser um manual, um livro didático, a leitura é muito gostosa de ser feita. Como encontrar seu estilo de escrever pode ser lido em uma tarde e agrega reflexões necessárias a todo mundo que quer se profissionalizar na carreira de escritor.

“O exercício da revisão deve repetir-se todas as vezes que for necessário, e durante o tempo que for preciso. Isso é algo que você deve a si mesmo, na medida em que seja ambicioso na hora de escrever, e é algo que você deve ao leitor, a quem precisamos fazer entender o nosso texto e usufruir de um trabalho bem realizado.” (Francisco Castro, em Como encontrar seu estilo de escrever, página 73)



Livro: Como encontrar seu estilo literário: as chaves para alcançar a expressão pessoal
Título original: Cómo encontrar tu estilo literario
Autor: Francisco Castro
Tradução: Gabriel Perrisè
Páginas: 96
Editora: Gutenberg
Série: Guias do Escritor, volume 6
Apresentação/Sinopse: Encontrar seu estilo é algo que requer o desenvolvimento de uma linguagem literária para ter clareza de expressão a ponto de elaborar com perfeição o que você pretende contar. Este livro mostra a arte e o prazer de lapidar um texto para alcançar sua máxima qualidade. Com exercícios práticos e exemplos comentados que estimulam a criatividade, este guia irá entregar a você as chaves para sua expressão pessoal literária.




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domingo, 13 de abril de 2025

Entre rachaduras e frestas

domingo, abril 13, 2025 6

Gosto de registrar trivialidades do meu dia – destas que ninguém se importa. Documentalizar uma vida simples, sem importância, lenta. Uma vida vagarosa em meio ao vazio e ao caso. Sou lenta. Sempre fui. Mas também sou um paradoxo. Sempre fui também. Uma mente ansiosa – e, por vezes, catastrófica – para domar. Cada um tem o seu próprio desafio interno – e se acha que não o tem, é porque ainda não o descobriu.

Ano passado, em setembro, minha tia me deu um cacto de presente de aniversário. Muda nascida do cacto que ela mesma cuida há anos. Ela me deu. Eu agradeci, feliz com a singeleza, e procurei um lugar de honra no meio das minhas suculentas. O cacto? Bem, ele detestou. Um mês depois, a mesma tia estava em casa vendo a minha cara de “eu não sei mais o que fazer”, ao mostrar para ela as pontas amareladas e molengas da planta.

– Ele é bruto. Põe no sol. Ele vai ficar bem.

Gosto de cactos porque eles – de algum modo – me lembram dos poetas: ambos estão num mundo hostil, com pouquíssimos recursos, contudo dão um jeito não só de sobreviver, mas também de fazer isso com leveza. Poetas e cactos mudam a paisagem árida e trazem a boniteza para ela.

Meu cacto foi parar do lado de fora da janela da cozinha. Está ali: sujeito a todo tipo de intempéries (sol, chuva, vento, garoa, neblina…) e num lugar nada glamuroso, sem destaque algum. Vulnerável, entregue. A parte mole e amarelada, entretanto, aos poucos foi recuperando o verde, ganhando a firmeza perdida. Novos caules foram nascendo, crescendo. Chegou ao ponto de eu pensar em comprar um vaso novo. Preciso perguntar à tia como replantá-lo.

Há três semanas tive uma surpresa. Fui conversar com ele – sou da espécie que conversa com fauna e flora – e me deparei com um tímido botão.

– Mãããããe, acho que o cacto vai dar flor, vem ver! – Meus olhos brilhavam, claro.

Foi aí, então, que a minha mente lenta que gosta de ser ansiosa resolveu sair da maratona e correr um sprint: “Será que o botão vai crescer?”, “Será que vai abrir outro botão?”, “Será que a flor demora para abrir?”, “Que cor será a flor?” – emoções todas de alguém cujos outros cactos e suculentas nunca floresceram, tal qual mãe de primeira viagem.

A onda de calor veio e, por incrível que pareça, meu cacto amou! Apesar de tomar todo o sol da tarde, o botão estava a cada dia maior e maior e maior. Maior a ponto de minha mãe vir me dizer um “manda foto para sua tia e pergunta se isso é normal”. Mandei a foto só pra dizer que vinha uma flor por aí. Ela, claro, ficou feliz também.

Ontem de manhã fui lavar a louça do café da manhã e espiei o outro lado da janela. Algo havia mudado. O botão estava abrindo. Corri para destrancar a porta e atravessar a parede. Precisava observar mais de perto. Era verdade!!! Estava abrindo uma flor peluda e rajadinha – quase como a descrição de um gato. Tirei foto orgulhosa – não sem antes dizer ao cacto que sua flor é linda! – e mandei a imagem para a minha tia, que está em viagem, e para as minhas melhores amigas – que acompanham de perto as minhas trivialidades. Na conversa com elas surgiu a dúvida: que cacto é esse, afinal?

Usei o Google Lens para a pesquisa. Coloquei a foto que havia tirado. O primeiro link, em inglês, dizia que a espécie é sul-africana, que há variações nas cores da flor (podem ser roxas, brancas, amarelas e rosa) e que – apesar de parecer carnívora – por causa dos pelinhos na flor –, a planta não é. Aliás, ela é adequada para quem tem pets. Vir de um lugar quente explica ela ser o único ser vivo nesta casa a amar a onda de calor.

Duas horas mais tarde, fui pegar um balde no quintal, e ela já tinha aberto de vez. Florida em sua potência. Fiquei emocionada. Tirei uma nova foto. Mandei para a tia, para as amigas e postei nos stories do Instagram.

Gosto de registrar trivialidades que ninguém se importa. Elas me comovem e me lembram que – apesar de estar num mundo tão bélico – a poesia nasce das rachaduras e de frestas.

(Ainda bem.)

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domingo, 6 de abril de 2025

{Resenha} Crônicas de Travesseiro, de Pedro Tavares

domingo, abril 06, 2025 2

Crônicas de Travesseiro,
do escritor e roteirista Pedro Tavares, é um livro de crônicas que entrega aquilo que os leitores do gênero mais ama: aquela conversa trivial sobre os temas mais simples da vida – que, por vezes, revelam a complexidade por meio de uma sutileza própria. 

O livro, uma publicação independente, é dividido em três partes: “Introdução”, em que seu autor apresenta o que é o gênero crônica e o motivo que o levou a escrever um livro reunindo esse tipo de texto; “Crônicas de travesseiro”, maior parte da obra, em que vemos as crônicas no formato clássico, rubem braguiano, por assim dizer; e “Epílogo ou uma crônica maiorzinha” em que temos um belíssimo relato de viagem. 

Pedro Tavares é escritor premiado por seus outros livros e um cronista de mãos cheias. Ele é capaz de tocar desde temas mais comuns ao universo a crônica – como a viagem, a família e o futebol – até os mais inusitados como a asma e a hot yoga. Como um bom cronista, ele flana pelo mundo: do quarto onde dormia na infância, passando pela Avenida Paulista, cruzando o Atlântico. E de cada um desses passeios – sejam eles reais, virtuais ou memorialísticos – o autor dá um zoom in em um detalhe, tirando dele uma sacada que apenas o seu olhar de cronista é capaz de captar. 

Ao ler o Crônicas de Travesseiro, o leitor pode – assim como aconteceu comigo – se emocionar com as relações entre as pessoas ali relatadas, refletir sobre trivialidades não pensadas ainda e gargalhar com o inusitado. Sem dúvidas, essa é uma leitura leve, divertida e completa. 




Livro: Crônicas de Travesseiro 
Autor: Pedro Tavares 
Páginas:150 
Editora: edição do autor 
Apresentação: Esse é um livro de crônicas. Me perdoem, mas é. Aqui você vai encontrar alguns textos que realmente deveriam ter morrido em jornais velhos, embrulhando vasos quebrados ou protegendo o assoalho contra respingos de tinta. Você verá memórias já embaçadas pelo tempo, histórias com pouco fundo de verdade e argumentações furadas – algumas delas, diga-se, em que nem acredito mais ou talvez nunca tenha acreditado. Tomando a liberdade pra modificar um pouco as palavras daquele velho clássico, esse é o livro e, se gostarem, fico feliz. Caso gostem, não sei o que é um piparote, mas deixo um adeus mesmo assim. 

Compre o livro do Pedro entrando em contato diretamente com ele no @pedrotavares.


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domingo, 30 de março de 2025

Registro

domingo, março 30, 2025 8


sentar e ouvir os próprios pensamentos:
tudo ecoando no papel,
materializando — em eterno gerúndio — as ideias.

pausar.

sentir.

inspirar e respirar:
contínua
mente.  

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domingo, 23 de março de 2025

{Agenda} Sarau das estações: edição de outono #04

domingo, março 23, 2025 2


O post de hoje é um convite!
Lá em 2022 eu comecei um projeto chamado Sarau das Estações, em que me reunia com alunos e amigos escritores para bater papo, ler os nossos textos e falar da nossa escrita. Em 2024, tal projeto ficou adormecido, mas uma das minhas metas para este ano era justamente a de resgatá-lo. Sendo assim, bora para a primeira edição do Sarau das Estações de 2025? Bora!


O quê? Sarau das Estações: Edição Outono #4
Quando? 28 de março, às 19h30
Onde? No canal do Algumas Observações, no YouTube
Quem? As escritoras convidadas são Ane Venâncio e Ayumi Teruya.

Saiba mais:
Para celebrar a mudança de estação, a escritora Fernanda Rodrigues, do site Algumas Observações, convidou algumas amigas escritoras para realizarem leituras de textos literários. 

SOBRE AS AUTORAS: 
ANE VENÂNCIO Pisciana, mato-grossense de sotaque duvidoso. Desde que se entende por gente gosta de contar histórias, inspirar e comover através de suas palavras. Biomédica por formação, escritora de gaveta nas madrugadas insones, é blogueira nas horas vagas no blog Profano Feminino. Além disso, tornou-se especialista em divulgação de escritores nas redes sociais e modera o Projeto Escrita Criativa. Tem textos publicados em antologias, incluindo a Amor e Resiliência e Marés. É apaixonada por livros, palavras e tudo que envolva criatividade! 

AYUMI TERUYA Nascida em uma madrugada na cidade de São Paulo. Começou a escrever aos sete anos de idade e não parou mais. É ex-professora de inglês, estudante de psicologia na Universidade de Buenos Aires, escritora e moderadora do Projeto Escrita Criativa, trabalha com diagramação e criação de capas (saiba mais aqui). Além disso, é dona do blog chamado Pandinando. É autora de Relatos de uma Br em Buenos Aires, do livro em espanhol, Cuando te amé 1 e 2, e já participou de diversas antologias. 

APRESENTAÇÃO: 
FERNANDA RODRIGUES é uma paulistana apaixonada por gatos e café. Atualmente é professora de escrita literária, escritora, revisora, preparadora de textos, leitora crítica, assistente literária, palestrante e cofundadora do Projeto Escrita Criativa. De formação, é especialista em Psicopedagogia, (Anhembi-Morumbi), em Docência em Literatura e Humanidades (FMU) e em Formação de Escritores e Produção e Crítica de Textos Literários (ISE Vera Cruz), além de ser bacharel e licenciada em Letras — Português/Inglês (USJT) e pós-graduanda em Revisão de Textos (FMU). É autora dos livros de poesia A Intermitência das Coisas: sobre o que há entre o vazio e o caos (2019) e Rasgos dentro da minha própria pele (2022), ambos publicados pela Editora Litteralux (antiga Penalux), de La intermitencia de las cosas: sobre lo que hay entre el vacío y el caos (2024), publicado pela Caravana Editorial e do didático Narrativas Digitais: narro, logo existo! Registrar o meu mundo e construir histórias (2021), lançado pela Fundação Telefônica Vivo. É 3º lugar no Prêmio SESC Crônicas Rubem Braga (2017) e tem textos em diversas antologias. Também escreve no site Algumas Observações, no ar desde junho de 2006.
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domingo, 16 de março de 2025

{Resenha} Demerara, de Wagner G. Barreira

domingo, março 16, 2025 4


Misturando a realidade de seu antepassado, a história da chegada da gripe espanhola no Brasil e ficção, Wagner G. Barreira, tece uma trama envolvente para nos apresentar a vida de Bernardo, um espanhol nascido na Galícia, que passa boa parte da vida em Vigo, cidade onde vive de forma errática.

Órfão de pai e mãe, Bernardo foi deixado em um orfanato para ser padre. Ali, ele sofre todos os possíveis maus tratos e resolve seguir outro rumo que não o do sacerdócio. Nas ruas de Vigo, ele aprende o que é sexo, amor, bebidas, jogos, trapaças e contrabando, se tornando bem quisto por uns e odiado por outros. É em meio da desilusão com a vida que Bernardo recebe um chamado: embarcar no navio Demerara rumo a Buenos Aires. 

A princípio Bernardo resiste. Largar a vida para se apegar a uma promessa não parece algo que lhe faz sentido. Depois, com o desenrolar da trama, ele aceita o convite, cruza o Atlântico e acaba desembarcando no Brasil. Nada é como Vigo, nada é como a árvore que sempre lhe dera olivas. Ainda mais quando se traz na bagagem a doença estranha, que ninguém sabe bem como se trata. E isso é tudo para prender o leitor página a página, capítulo a capítulo.

O livro é estruturado em 18 capítulos ágeis em ações e com detalhes na medida certa. Wagner G. Barreira traz consigo o seu lado jornalista: os fatos são apresentados com clareza cristalina. Os diálogos são precisos. A prosa é arrojada. Meu eu leitora seguia página a página sem desgrudar do gancho literário que cada cena criou no meu imaginário: uma Santos sitiada, uma São Paulo em expansão. Conforme Laurentino Gomes nos aponta em seu prefácio, Wagner G. Barreira fez uma pesquisa intensa sobre o contexto histórico da obra, portanto as descrições são muito fiéis ao Brasil de 1918.

Assim como aconteceu com as nossas vidas durante a pandemia de COVID, a vida de Bernardo foi marcada pela gripe espanhola. Há uma identificação nossa com a desse sobrevivente que também teve medo, que também viu pessoas morrendo de perto. Essa carga da vivência emocional de Bernardo nos coloca em um lugar de refletirmos sobre a nossa própria vivência em tempos tão difíceis e em como recomeçar depois que as ondas das doenças se vão. Literatura e realidade em simbiose, mais uma vez.

capa


Livro: Demerara
Autor: Wagner G. Barreira
Prefácio: Laurentino Gomes
Gênero: Romance
Páginas: 152
Editora: Instante
Apresentação/Sinopse: O romance de estreia de Wagner G. Barreira conta a trajetória do jovem Bernardo, que embarca no navio que trouxe a gripe espanhola para o Brasil — e dá nome ao livro.
Bernardo nasceu na Galícia, no norte da Espanha. Ainda criança foi para um orfanato na cidade de Vigo, onde estudou e perdeu a chance de se tornar padre. Em 1918, dois anos após deixar a instituição, leva uma vida errante, vivendo de pequenos golpes ao redor do porto. Convencido por um amigo e precisando desaparecer por um tempo, embarca no vapor Demerara a caminho da América do Sul, na mesma viagem que trouxe a pandemia de gripe espanhola para o continente.
Mistura de ficção e eventos históricos, o livro de Wagner G. Barreira dá voz ao narrador personagem ao relatar a travessia do Atlântico, a acusação de ter assassinado o amigo, a prisão em Santos, a convivência com infectados pelo vírus, a fuga para São Paulo e as dificuldades de adaptação na cidade em construção pelas mãos de imigrantes de todo o mundo.
Demerara nasceu a partir de conjeturas sobre as origens do avô paterno de Barreira. De Bernardo, o protagonista e narrador, pouco se sabe de fato: era galego, chegou ao Brasil no navio Demerara e morreu no dia do batizado do único filho. Fora esses três fatos, tudo mais é ficção, tentativa de recriar a vida do antepassado a partir do ponto de vista do escritor, que fez uma abrangente pesquisa sobre os fatos históricos do período.

Livro no Skoob. | Livro no Goodreads.

Aperte o play para ver eu lendo o livro do Wagner e outras leituras mais:


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