sexta-feira, 5 de junho de 2020

Não tenho respostas, mas continuo tentando

Imagem de um muro amarelo com título da postagem sobreposto: Não tenho respostas, mas continuo tentando.
Imagem de Pexels por Pixabay.

2020 está sendo um ano muito curioso no sentido das
transformações: interna e externamente, tudo vem mudando, de forma acentuada. A carreira, as amizades, o amor (talvez), a sociedade. O que é bom está ficando mais forte e o que é ruim está sendo jogado fora sem dó nem piedade.

Talvez por isso mesmo, que escrever tem se tornado um processo diferente para mim. Se antes eu sentava, levantava uma agenda para o blog e trabalhava para que ela acontecesse, agora eu preciso olhar para fora e para dentro, tentar compreender essa equação e, só assim, criar. As mudanças trazem consigo oscilações entre alegrias e tristezas. Entre felicidade e revolta. Entre amor e desprezo. É nessa montanha russa que sigo. Seguimos.

Ontem comentei nos stories do meu Instagram que, até um tempo atrás, estava com muita vontade de comemorar o primeiro ano do meu primeiro livro, A Intermitência das Coisas. Entretanto, ver o número crescente de mortes ao meu redor (seja por corona vírus, seja por racismo), foi cortando o meu barato. Como comemorar algo com tanta gente morrendo? Por outro lado, sou mulher, sou negra e fui publicada. Só quem está no mercado editorial sabe como isso é difícil de acontecer. Será que comemorar o meu livro não é um meio de inspirar outras mulheres negras a correrem atrás do próprio sonho? 

Vidas negras importam (ontem, hoje e sempre).

O mundo está divido, e eu, muitas vezes, não consigo respirar. Eu não consigo respirar quando olho para fora e vejo a indiferença e a irresponsabilidade dos nossos governantes. Eu não consigo respirar quando hospitais de campanha não são abertos mesmo já estando construídos ou tendo verba para tal, quando gastam fortunas e chegam equipamentos errado no Pará, quando vejo médicos tendo que escolher quem vai ou não para a UTI. Eu não consigo respirar quando vejo a verba do Bolsa Família sendo cortada no Nordeste ou quando milhões de brasileiros ficam na incerteza da aprovação do recebimento do auxílio emergencial. Eu não consigo respirar quando vejo pessoas sendo despejadas e indo morar nas ruas sem terem o que comer. Eu não consigo respirar quando a polícia atira numa criança, quando vejo uma mulher branca matando uma criança negra. Eu não consigo respirar quando vejo que um policial branco assassinando um homem negro por puro prazer. Estou há quase três meses sem sair de casa e, daqui do meu privilégio de ter um lar, eu me sinto MUITO impotente.

Cada vez que eu penso em atualizar o blog, alguma notícia chega e leva um pouco da minha esperança. Por isso o meu silêncio. Por isso o meu sumiço (daqui e da leitura dos blogs que eu tanto amo). Precisava de um tempo para entender como equilibrar os acontecimentos bons da minha vida pessoal (que, a passos lentos, está seguindo uma transição para um rumo menos tóxico), com o que chega de fora. Precisava de um tempo para entender como eu posso ecoar a minha voz para apoiar outras pessoas, para me unir a essa luta por um mundo mais justo. Macro e micro devem andar juntos, por mais que eu não saiba bem como. Ainda não cheguei a uma resposta exata da melhor maneira de fazer isso, mas continuo tentando. 

Em um post que escrevi em março, eu havia dito que não pretendia falar mais da pandemia aqui no blog, porque entendo o quanto todos nós precisamos de afeto nesse momento tão complexo (que inclui o luto de muitas pessoas que amamos). Acho que estou falhando miseravelmente na missão, mas não vejo outro modo de seguir por aqui. Manter o silêncio é uma forma de se posicionar e não é essa a que está de acordo com aquilo que acredito e com o futuro que eu sonho para todos nós. Por isso escrevo este texto.

Essa semana, enquanto estava em uma conversa com a 3ª série do Ensino Médio, um aluno me perguntou o que eu penso sobre o silêncio de figuras públicas, a exemplo de Neymar Jr., diante dos últimos acontecimentos globais. Eu fui honesta ao dizer que impor algo a alguém é complexo, mas que vejo que uma pessoa pública tem nas mãos um poder grande de trazer à tona a discussão e de fortalecer o diálogo (tanto usando as plataformas da Internet, quanto fora delas). Vivemos em uma sociedade em que todos estão habituados com respostas rápidas para tudo (oi, Google!), contudo, diante dessas mudanças em tantas áreas ao mesmo tempo, não dá para colocar tudo em caixinhas, ter soluções, sair dizendo o que é certo ou errado, sendo que há tantas perspectivas postas à mesa. Não dá para querer a exatidão em uma fração de segundos. Vejo que trazer a discussão à tona e ser honesto falando que está estudando o assunto, que está tentando entender, que está na busca para contribuir com a sociedade pode inspirar os outros a fazerem o mesmo. Como professora, escritora e cidadã, vejo que é isso que a gente precisa agora: não de pessoas que assumam um único lado da narrativa como algo perfeito e inabalável, mas sim de sujeitos críticos e pensantes, que busquem ouvir, pesquisar e compreender as diversas vertentes, recursos, interesses e responsáveis de forma racional, objetiva, compromissada consigo e com quem estiver ao seu redor.

Foi por tudo isso que me ausentei do blog. Estava processando a vida real. Por causa dessas conversas (com a minha família, com os meus amigos, com os meus alunos, com os meus livros) que dei esse passo atrás de parar a produção de conteúdo por um tempo. Também foi por conta dessa reflexão que volto agora (talvez ainda sem uma regularidade e uma agenda). Quero continuar essa caminhada, essa busca, ao lado de todos que me leem. Mais uma vez: não tenho respostas (e, dependendo do momento, fico sem ar e sem forças), mas quero e vou continuar abrindo diálogos e, sobretudo, continuar lutando. 

Você vem comigo? 

Aproveito para lembrá-lo de que criei uma página aqui no blog chamada QUARENTENA e que nela vocês podem encontrar diversos empreendedores, causas e organizações sérias para apoiarem durante esse período. Para acessá-la, clique aqui.

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20 comentários:

  1. Posso te parabenizar por contar sendo humana? No meio de tantas notícias ruins e tantos socos-no-estômago que tomamos diariamente, é bom saber que as pessoas ainda se revoltam, ainda se chocam, ainda se comovem. Mesmo que nossa força seja mínima e não possamos fazer o que grandes personalidades poderiam, conseguimos mudar o nosso entorno, o nosso mundo e assim fazemos a diferença. Parabéns por ainda ser humana porque muitos já deixaram de ser diante de tantas atrocidades.
    Tem post novo no blog - adoraria sua visita :)
    Bj e fk c Deus
    Nana
    http://procurandoamigosvirtuais.blogspot.com

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    1. Oi, Nana.
      Obrigada pelas palavras. Eu espero que você esteja bem, na medida do possível. Eu não me vejo como alguém melhor ou pior, sabe? Mas essas questões ficam na minha cabeça, porque eu simplesmente não consigo ignorar o que acontece com os outros sem fazer nada. E se fosse eu precisando de ajuda? Sei lá... sabe?
      Um beijo :*

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  2. Oi, Fernanda! Parabéns pelo texto, pois além de uma crítica ao atual momento em que o mundo está experienciando, é também, acima de tudo um desabafo, um desabafo sincero e verdadeiro de uma alma sensível que apesar das mazelas e atrocidades do mundo atual continua a sobreviver. Essa pandemia veio para mostrar a humanidade de que a raça humana ainda está longe da evolução necessária para atingir todos os aspectos positivos na existência humana, infelizmente. Eu vejo com muita tristeza o racismo praticado por energúmenos e mentecaptos espalhados por todo o globo terrestre para camuflar a incapacidade de conviver harmoniosamente com uma etnia diferente da do praticante de racismo. Pois quem pratica o racismo além de ser um ser humano irracional, é acima de tudo covarde. Torcemos para quem um dia esse mal chamado racismo seja extinto entre os seres humanos para sempre. Suas conquistas pessoais como negra é um estímulo para as pessoas igual a você conseguirem também conquistar o que tanto almejam. Não se sinta culpada por suas conquistas enquanto muitas pessoas morrem devido ao coronavírus e racismo e outras desgraças da existência humana, pois em nossas vidas sempre haverá de essas coisas, pois é impossível vivermos só com a bonança temos de viver também nos infortúnios que a vida nos impõe a cada segundo. Isso é viver, se não fosse desta maneira sinceramente a raça humana não haveria de existir. Se cuida. Abraço!



    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/

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    1. Oi, Luciano!
      O mundo está de ponta-cabeça, e eu vejo isso como uma grande oportunidade. Vamos sair melhores disso. Eu tenho essa esperança. Acredito que a gente tem nas mãos uma grande oportunidade e olhar pra ela com pessimismo não ajuda.
      Obrigada pelo estímulo à comemoração. Ele é sempre muito importante pra mim. Seu comentário me fez pensar em todas as vezes que eu deixei de comemorar algo e no quanto essa autossabotagem pode estar de mãos dadas com o racismo sofrido a cada dia. Ter consciência é o primeiro passo pra revolução!
      :*

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  3. Vou, mas vou devagar porque não estou conseguindo digerir a vida no momento. Aperto no coração O TEMPO TODO. Vontade de chorar.
    Quero e vou caminhar ao seu lado, mas agora só estou me arrastando mesmo. *Abraço virtual* Sou sua fã.

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    1. Vamos a passos lentos, mas sempre em frente! :D
      Quando quiser conversar, estou aqui! <3

      E eu sou sua fã #1, com direito a pompom e dancinha de cheerleaders!

      Um beijo,
      Fernanda Rodrigues | contato@algumasobservacoes.com
      Algumas Observações
      Projeto Escrita Criativa

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  4. Oi Fernanda.
    O mundo parece estar sufocante e sinto que chegamos a uma encruzilhada. Ou as coisas vão melhorar muito ou ficarem piores. A sensação perturbadora nos acompanha e acredito que só podemos torcer para que tudo se ajuste.
    Adorei seu post.
    Beijos.
    Fantástica Ficção

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    1. Oi, Jéssica!
      Quero crer que será bom, que a gente vai evoluir, que vai dar muito certo.
      Fico feliz que tenha gostado do post. :)

      Beijos :*

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  5. Com certeza eu to com você nessa, Fê! E que post importante, sério.♥
    Tenho pensado em como posso fazer a minha parte, porque no final é o que a gente pode fazer mesmo. Mudar pequenas atitudes diárias, ler mais e ser solidário com o próximo. Ontem fiquei conversando muito com o meu namorado e a minha irmã sobre esses últimos acontecimentos. E, sim, comemora! Porque isso inspira muita gente. Pode acreditar! Volta sim, mesmo que aos poucos. Vai no seu tempo! ♥

    Beijos, Carol
    www.pequenajornalista.com

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    1. É complicado, não, Carol? Sinto que agora que as pessoas já aprenderam a lidar com esse tal de "novo normal", estão deixando de ser solidárias. E cabe a nós nos mantermos alerta pra essas coisas. E quanto a voltar, estou voltando! hehehe

      Beijos :)

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  6. É tão difícil Fe, entender o momento agora e o depois de tudo isso passar também não é verdade? Tantos conflitos e coisas que não se acentuam de forma clara entre tantos acontecimentos eu entendo você...

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    1. Rê, o que eu tenho tentado fazer é: viver um dia de cada vez pensando como as minhas atitudes de hoje podem reverberar positivamente no futuro.
      Isso tem me ajudado bastante.

      :*

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  7. Lendo seu post desabafo, me identifiquei e muito com ele. O que está acontecendo com o mundo é assustador. Essa doença fazendo cada vez mais vítimas, o racismo sendo escancarado cada vez mais, é tanto ódio no mundo que às vezes nem dá vontade de viver.
    O silêncio dos influenciadores sobre tudo isso é pior, é como se eles não se importassem.
    Fico feliz pela sua conquista em lançar um livro e fazer a diferença no mundo, te desejo todo o sucesso do mundo e que você faça a diferença cada vez mais!
    Beijos. 
    Diário da Lady

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    1. Oi, Lady.
      É uma situação muito complexa porque estamos vivendo um momento muito doloroso em vários aspectos. Falar sobre a dor dói, mas também cura. Se a gente conseguir passar da etapa de sofrimento, tudo tende a ir para um lugar melhor (assim espero).

      Beijos :*

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  8. Oi Fernanda,
    Acho que uma das coisas que mais me ajuda é saber que não estou sozinha.
    E espero que você sinta o mesmo, pois com apoio e amor, a gente vai superar tudo isso!
    beijo
    http://estante-da-ale.blogspot.com/

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    1. Siiiiiiiiiiiim, Alê!
      Vejo muita gente nem aí, mas também vejo muita gente engajada nas mudanças. É isso que me mantém de pé. :)
      Vai dar certo!

      Beijos

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  9. Olá!
    Eu senti cada palavra do seu texto, de verdade. Sinceramente estou até sem palavras. Obrigada.

    Beijão!
    Lumusiando

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  10. Olá!
    O mundo está dividido há muito tempo, acho que esse tipo de informação no momento chega e mexe com mais pessoas pelo abalo emocional que se tem no momento em que estamos vivendo mas, acho que tudo isso existe há muito tempo.
    2020 foi um ano de descoberta interna e externas para muitas pessoas e com certeza deu uma chacoalhada em tudo.

    Entendo que muitas vezes precisamos nos ausentar um pouco para digerir e viver mais o real. Colocar limites na vida virtual pode nos fazer muito bem.

    Beijocas.


    https://www.parafraseandocomvanessa.com.br/

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    1. Oi, Vanessa!
      É aquilo: não é porque existe há muito tempo que a gente deve aceitar passivamente. Se dá pra promover a mudança, mesmo que minimamente, a gente tenta.

      Beijos!

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Algumas Observações | Ano 17 | Textos por Fernanda Rodrigues. Tecnologia do Blogger.