domingo, 14 de janeiro de 2024

{Resenha} A lição do amigo, de Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade

Quando a amizade é maior que a profissão. 💚


A lição do amigo: cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade é um livro interessantíssimo por mostrar, ao longo das suas 91 cartas, as mensagens que Drummond recebeu do amigo entre 10 de novembro de 1924 e 23 de fevereiro de 1945. As missivas foram organizadas pelo próprio Drummond, com notas de rodapé explicativas, que dão o contexto seja histórico, seja das pessoas e obras citadas.

Este é o tipo de livro que é para ser lido aos poucos, degustado, sentido. Além dos assuntos já esperados, a exemplo das conversas sobre literatura e escrita, há um rasgar-se por inteiro. Mário é um amigo que se entregou a amizade com disponibilidade, amor e preocupação, por vezes. Em alguns trechos, há pressa: a viagem, a doença ou a falta de dinheiro atingiam o autor de Macunaíma; em outros, por sua vez, Mário de Andrade fez análises delicadas e profundas dos poemas do Drummond (em especial, do livro Alguma poesia), deu-lhe conselhos amorosos e de como viver mais feliz, consolo pela perda do filho.

“Trabalhe nos seus pontos de escola, faça exame, isso é vida e é lindo viver, depois volte pros poemas e pro pensamento literário. Momentos de infecundidade toda gente tem, não se incomode com eles. E se acabar a poesia (o que pea mim é muito possível que aconteça breve, tais as indecisões e os problemas que me agitam e a que não encontro solução) volte pra prosa, crítica, e ficção isso não acaba mesmo nunca e nesse terreno quase tudo está por fazer entre nós. Não desanime por favor, isso é burrada grossa.” (Mário de Andrade, carta 8 — página 79)

Apesar de famoso, Mário de Andrade não hesitava em pedir ajuda quando necessário ou a opinião sobre seus textos. A troca entre os poetas era profunda, mesmo sem terem se visto muitas vezes pessoalmente. Havia contato e admiração. Essa intimidade fica presente ao longo do livro como um todo e o modo como a obra fora organizada joga a nós, seus leitores, para dentro desta amizade. Acabamos nos sentindo não só testemunhas, mas também de algum modo parte dela — ainda que só leiamos as cartas recebidas, não as enviadas. 

A linguagem é fácil de ser compreendida. Do mesmo modo que Mário de Andrade pretendia aproximar cada vez mais sua literatura da variante falada do português, para criar uma literatura essencialmente brasileira, nas cartas não havia uma preocupação com pompas. A preocupação era a da gentileza e a de falar com o coração de seu interlocutor.

“Agora Carlos, como cada carta de você me entristece! Palavra de honra que eu não queria que você fosse assim tão desalmado pra consigo mesmo. Uma coisa abatida, uma coisa amolecida na vida… Você sabe o que que eu tenho vontade de pedir de pra você? Quem sabe se você quer experimentar isso? Minta que é alegríssimo, que é forte, que tem coragem de encarar tudo com risada na boca, minta Carlos. Te juro que você acaba acreditando nisso e ficando feliz. Por outra: feliz não é bem o termo porque você nunca me falou propriamente que é desinfeliz. Nem triste propriamente a não ser em casos dolorosos onde só mesmo a tristeza cabe e eu também fico triste. O que me dá tristeza é o abatimento, a falta de coragem, a falta de seriedade. Não sei bem se você já reparou vem como a seriedade é um caso sério mesmo. Matute nisso”. (Mário de Andrade, carta 32 — páginas 166 e 167)

É interessante ver como dois autores do cânone da literatura brasileira descem do pedestal em que foram colocados na intimidade. No caso, vemos dois amigos preocupados com os interesses um do outro, apoiando um ao outro. Sem glamour. Sem estrelismos. Algo que explica bem o título do livro: afinal, o que é uma amizade senão um eterno trocar, aprender, evoluir juntos?

“Pra mim são tão importantes como escrever um romance ou sofrer uma recusa de amor. Tudo está em gostar da vida e saber vivê-la. Só há um jeito feliz de viver a vida: é ter espírito religioso. Explico melhor: não se trata de ter espírito católico ou budista, trata-se de ter espírito religioso com a vida, isto é, viver com a religião da vida. Eu sempre gostei muito de viver, de maneira que nenhuma manifestação da vida me é indiferente”. (Mário de Andrade, carta 1 — página 19)
capa.

Livro: A Lição do Amigo: cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade
Autor: Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade
Editora: Companhia das Letras
Gênero: cartas/epistolar
Páginas: 440 
Apresentação: Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade se conheceram em 1924, durante viagem do paulista a Minas Gerais. Mário já era uma figura de proa do movimento modernista, ao passo que o mineiro ainda não havia estreado em livro. A correspondência entre os dois poetas tomaria corpo pelos vinte anos seguintes, até as vésperas da morte de Mário, em 1945. As cartas, reunidas pelo próprio Drummond, são o testemunho luminoso de uma amizade entre dois autores fundamentais do Brasil. Entre conversas sobre a natureza da poesia, o dia a dia mais prosaico e comentários sobre o que é ser artista no Brasil, os dois poetas travam, com afeto e inteligência, uma conversa que ilumina e emociona.
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15 comentários:

  1. Ouvi dizer que tinha uma escrita muito leve, e fácil de entender mesmo! Está na lista para eu ler, amei o post!
    https://grandemetamorphose.blogspot.com

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  2. Esse é aquele tipo de livro que muitas vezes nos passam despercebidos. Ao ler sua resenha fiquei curiosa para conhecer mais sobre a pessoa que existe por trás de cada um dos autores e como a amizade uniu a vida desses dois grandes nomes da nossa literatura.

    Blog Profano Feminino

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    1. Você iria gostar, Ane. Eles trocam muita ideia sobre escrita também :)
      Um beijo

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  3. Parece ser um livro incrível. Obrigado por compartilhar com a gente.

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está no ar cheio de posts novos e novidades! Não deixe de conferir!

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

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  4. Parece um livro muito interessante. É incrível como a amizade uniu dois autores maravilhosos.
    Bjus!!!

    https://www.galerafashion.com

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    1. É bonito ver como amizades se constroem, não?! Eu gostei demais por isso também.
      Um beijo

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  5. Oi
    não conhecia esse livro, mas parece ser interessante e que bom que gostou de conhecer essas cartas, confesso que não é um tipo de leitura que chama muito a minha atenção porém poderia ler para sair da zona de conforto.

    https://momentocrivelli.blogspot.com/

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    1. Sair da zona de conforto vez ou outra é sempre muito bom! :)
      Um beijo

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  6. Gosto muito de livros de cartas, especialmente entre amigos. Adorei a sugestão, pois não conhecia o livro.

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    1. Esse livro é bem bonito. Fala sobre escrita, literatura, arte, vida. É bacana demais. Acho que vale a sua leitura.

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  7. Nossa, Fe, eu tô fascinada com a existência desse livro!
    Eu já acho a leitura dos "Andrades" na primeira metade do séculos XX deliciosa, poder semi-presenciar as TROCAS deles, puts... Especial demais! Obrigada pela indicação!

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    1. Oi, Luly!
      Eu sou doida neles também, né? Acho que por isso fui lendo aos poucos, pra tentar entrar na roda deles de algum modo! :)
      Se você achar o livro, compre. Certeza de que vai amar. :)
      Um beijo :*

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  8. Oi Fernanda, tudo bem?
    Não me lembro de ter lido um livro de cartas antes. Achei muito interessante, ainda mais por conta de serem de quem são. Se for ler um dia aceitarei seu conselho de degustar aos poucos. Pelo número de páginas acredito que uma leitura rápida vai tirar um pouco do encanto e da sensação de visualizar essa amizade.

    Até breve;
    Te espero nos meus blogs!
    Helaina (Escritora || Blogueira)
    https://hipercriativa.blogspot.com
    https://universo-invisivel.blogspot.com

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