domingo, 14 de novembro de 2021

{Resenha} Tempo Vida Poesia, de Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade e Lya Cavalcanti (imagens: IMS)


Estudiosos da vida do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade sabem que o autor não era muito de ficar espalhando aos quatro ventos como era o seu dia a dia. Por isso mesmo, ler Tempo Vida Poesia é tão precioso. O livro não é muito grande — tem apenas 124 páginas —, mas é um tanto poderoso.

O volume é um compilado de oito conversas entre Drummond e sua amiga, a jornalista Lya Cavalcanti, que foram ao ar em oito domingos de 1954, no programa de rádio Quase memórias e que depois foram publicadas Jornal do Brasil. Dividida em pequenos capítulos, a prosa cobriu pontos importantes da vida do poeta de sete faces que foram desde as primeiras leituras da infância até a obsessão em reunir todos os artigos — fossem eles bons ou ruins — sobre um de seus mais famosos poemas, o "No meio do caminho" (de seu livro de estreia, Alguma Poesia).

Ao longo da leitura, o leitor entra em contato com outro Drummond: não o gauche, que tem uma vida besta, mas um menino fanfarrão que chegou a, literalmente, causar um incêndio em uma casa por causa de uma paquera. 

Carlos Drummond de Andrade e Lya Cavalcanti (imagens: IMS)


Também é muito interessante ver como as relações entre o grupo de escritores do Modernismo mineiro aconteciam e como esses autores se relacionavam com os demais (principalmente com os paulistas e com os cariocas). É bonito de ver como a escrita se relaciona com a vida, como a literatura habita tudo, como os autores se desenvolveram artisticamente no desenrolar dos acontecimentos.

Entre anedotas e influências, Drummond não deixou de dar o recado. Há muitas reflexões sobre o fazer literário, sobre a escrita e sobre o papel da arte naquele que era o seu mundo (e que, de algum modo, não deixou de ser o nosso, de seus leitores, também).

Nunca deixei de nutrir certo respeito-ternurinha pelos mais velhos que tinha feito o mesmo que eu tentava fazer. Podia  não ser muito afeiçoado ao que escreveram, mas eram de certo modo meus tios, pessoas a quem a gente dispensa consideração, mesmo não indo com a cara deles. De fato, se não fossem esses tios literários, que mal ou bem nos transmitem o fio de uma tradição que vem de longe, não haveria literatura. Ninguém a inventaria. Ela foi se formando por um anseio de expressão dos primeiros representantes de espécie humana que sentiram necessidade de formular alguma coisa mais do que o enunciado direto da fome, do sexo, da ambição e do medo. Alguma coisa que fosse ainda reflexo dessas necessidade, mas que chegasse além delas: tentativa de reinvenção do real em termos abstratos, ou de imaginação realizada em linguagem. Daí por diante a linguagem teria uma dupla missão: servir ao cotidiano e ao intemporal, constituido pela criação literária. Todos esses barbudos antigos que a utilizaram da segunda maneira são nossos pais ou irmãos mais velhos, companheiros da gente na aventura literária. Não houve uma geração inútil, ainda que se manifestasse mediocremente. De qualquer modo, serviu de elo na corrente infindável. Eu pego num livro velho com reverência; sinto nele a substância inerente a toda criação do espírito: o desejo de alongar as fronteiras da existência, pela reflexão ou pelo sonho acordado... (Carlos Drummond de Andrade — páginas 70 e 71)


Livro: Tempo Vida Poesia: Confissões no rádio
Autor: Carlos Drummond de Andrade
Posfácio: Elvia Bezzera
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 124
Apresentação: Uma conversa entre amigos, pautada pelo humor e pela cumplicidade.
“Tudo o que tenho a dizer está nos meus livros”, disse certa vez Carlos Drummond de Andrade, avesso, habitualmente, a falar sobre a própria vida. No entanto, ao conversar em 1954 com a amiga e jornalista Lya Cavalcanti numa série de oito programas gravados para o rádio, sua discrição foi aos poucos se dissipando. A transcrição desses encontros, chamados de “Quase memórias”, viria a ser publicada nas páginas do Jornal do Brasil anos mais tarde e, em 1986, ganharia forma em livro.
No posfácio escrito para esta edição, Elvia Bezerra comenta que em Tempo vida poesia está “impregnado o frescor, a inteligência e a vivacidade de uma conversa entre dois jornalistas amigos tão diferentes em suas personalidades quanto afinados no que há de humano e intelectualmente essencial”.

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Algumas Observações | Ano 17 | Textos por Fernanda Rodrigues. Tecnologia do Blogger.