sábado, 18 de julho de 2020

Uma carta para você

Imagem ilustrativa do post "Uma carta para você", do blog Algumas Observações. Nela, o livro "A Intermitência das Coisas" e um caderno aberto sobre a mesa.
(Imagem e texto por Fernanda Rodrigues)

Querido você,

gostaria de dizer que sinto muito. Sinto a ausência das caminhadas nas ruas, a falta do planejamento da viagem dos sonhos, o vazio da certeza de uma rotina sólida. Eu sinto por ter que te ver na luta pela sobrevivência e sinto mais ainda pelas perdas de seus entes queridos. Queria, caro você, poder te abraçar e dizer que tudo vai ficar bem. 

Sei que é difícil acreditar nisso. As notícias chegam cada vez mais assustadoras como seus números estarrecedores ganhando mais e mais nessa escalada. Como lidar com um vírus letal, sendo que parte da população finge que ele não existe? Como lidar com a mulher do político negligenciando a criança que morre abandonada? Como lidar com um governo que não sabe nem nomear os próprios ministros? Como respirar enquanto um policial faz questão de pisar no pescoço de uma mulher indefesa? São muitos pratos para equilibrar e faltam mãos, eu sei. 

Máquina de escrever com cactos.
Foto por Florencia Viadana, via Unsplash.

É difícil compreender o que se passa, quando o cenário real é inverossímil. Nós não estamos preparados para lidar com a irrealidade sem controle que chega transformando tudo em alta velocidade. Se ela tivesse o mínimo de coerência seria diferente. Então, a única coisa que é fácil aqui é pirar. Simples assim. 

Olho para todas essas circunstâncias e me sinto repetitiva. Além da rotina, das notícias, da casa, eu sou a mesma todos os dias. Ouço as mesmas músicas, leio os mesmos livros, trabalho nos mesmos projetos, escrevo sobre os mesmos temas gauches na vida. Sou cachorro correndo atrás do próprio rabo, ao passo que a vida vem com este rolo que me comprime a passos lentos. 

Sabe, querido você, eu fico me perguntando — dia após dia — o que vai sobrar de tudo isso. Será que vai sobrar algo? A vida é sempre tão a mesma, mas sempre tão cheia de incertezas. 

Hoje não consegui ver o céu mudando de cor. Está frio e eu estou triste. Entretanto, gostaria que você soubesse que mesmo infeliz e confinada, sigo ao seu lado. Seguimos juntos. 

Com amor, 

Meu Eu 

Selo de participação da blogagem coletiva do Projeto Escrita Criativa.
O tema da blogagem coletiva de junho de 2020 foi: ninguém solta a mão de ninguém.
Para saber mais sobre o Projeto Escrita Criativa, clique aqui.

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9 comentários:

  1. Oi, Fernanda tudo bem? Que texto maravilhoso, ficou incrível e tocante. Adorei. Parabéns! Abraço.


    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/

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  2. Vim aqui pra enconrar o texto para virginianos mas senti minha mão sendo segurada! <3

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  3. Que texto bonito, Fê! Suas palavras me abraçaram. (Que bom que ainda temos as palavras.)

    Fique bem, e tenha uma semana bem bonita!

    Com carinho,
    Larissa

    As moscas na janela

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    Respostas
    1. Que bom que ainda temos as palavras. Imagina que loucura seria estar sem elas?!

      Que a sua semana seja linda tbm. :)

      Um beijo :*

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  4. Belas palavras. Meus parabéns.

    Bom fim de semana!

    OBS.: O JOVEM JORNALISTA está em quarentena de 22 de julho à 31 de agosto, mas comentarei nos blogs amigos nesse período.

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

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