quarta-feira, 29 de julho de 2020

Rotina de quarentena

Foto da lua crescente para ilustrar o poema "Rotina de quarentena", escrito em uma noite insone.
Luar de quarentena.

Já não sei mais que dia é hoje.
Eu, que sempre fui de dormir muito,
já coloquei em dia todo o sono atrasado.
Para você ter uma ideia:
Despertei às 3h14.
A gata, que dormia no meio das minhas pernas,
acordou assustada e foi beber água.
Já eu, peguei o celular e comecei a escrever.
Quatro poemas vieram de cara:
dois em espanhol,
um em inglês
— este, bem ruinzinho, decerto —
e o último escrito na língua que foi a última flor do Lácio.
Depois, abri o Twitter
e o Instagram.
Havia muitos comentários sobre a live da Ivete
e sobre o Big Brother.
Não assisti a nenhum dos dois
— apesar de achar a Veveta admirável.
O que me pegou mesmo contudo,
foi a legenda da foto do poeta
que dizia que a insônia também o assolava.
Um conhecido dele morreu,
não teve velório,
só teve rapidez, pânico e dor:
mais um que o vírus nocauteou.
Fique sem saber o que pensar.
A cada dia,
me sinto mais próxima do medo.
Antes era apenas um número do outro lado do mundo,
imitação de ficção científica vista em um noticiário da TV.
E agora?
Agora é o quê?
Cada vez mais a estatística se aproxima,
ganha endereço,
tem CPF,
rosto,
afeto.
O relógio marca 5h40,
ouço o ronco dos outros vindo distante.
Eles dormem tranquilos.
E eu,
eu estou aqui, com a cabeça fervilhando,
Sentindo algo que não sei expressar,
mas que existe e é real.
É algo que transcende o luto.
(E o que é o luto se não uma dor infinita que se muta com o tempo?)
Essa inquietação é traiçoeira,
ela me rouba o sono.
O relógio marca 5h43,
e eu não sei se vou conseguir voltar a dormir agora.
Essa inquietação é revoltante,
de uma revolta que me faz querer lutar
por mim, pelos meus, por aquele número vindo do outro lado do mundo,
para que não haja mais realidade que imita ficção científica
chegando pelos jornais da TV.

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22 comentários:

  1. Seu poema contém também as minhas dores e receios, Fê... Dia desses, de madrugada, tive todos os sintomas de um ataque de pânico. A preocupação não nos deixa, e tem dia que nos esmaga com mais força. Sorte que a arte sempre está aí, né? Dessa vez, literalmente, nos salvando.

    Um abraço enorme. Fique bem ♡

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    1. Oi, Lari! :)
      Esse poema foi escrito no começo da quarentena, mas o fantasma sempre nos ronda, né? Se não fosse a arte, não sei o que seria de mim.
      Um beijo! :*

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  2. Amei seu texto minha amiga, eu nessa quarentena estou me apegando muito a livros de autoajuda e meditações, porque tem dia que estou numa deprê terrível, mas tento relevar e seguir otimista.
    Acordo de madrugada, às vezes demoro para pegar no sono, aí vou mexer no celular e ver as notícias, lendo até o sono voltar. hehe
    Quando me animo eu escrevo no blog, quando não, vou ver filmes e séries.
    Beijos. 
    Diário da Lady

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    1. Oi, Leidi!
      Altos e baixos são constantes aqui também. Eu entendo como você se sente.
      Eu já não sei mais nem o que dizer. Um dia de cada vez, como ele vier. Esse tem sido o meu lema agora.

      Um beijo :*

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  3. Oi, Fernanda! Que poema inspirador, embora carregado de tristezas e incertezas neste momento tão tenebroso. Espero que fique bem, e se apegue na sua arte, pois além de lhe salvar, ela literalmente salva os seus semelhantes também. Cuide-se. Abraço!


    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/

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    1. O momento não permite nada de muito feliz, mas permite transformações.
      São nessas transformações que eu me apego.

      um beijo :*

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  4. Eu perdi meu avô para o coronavírus vai fazer dois meses. Foi assolador. Mas sou grato à Deus que estamos enfrentando o luto e o transformando em saudade. O coronavírus é uma realidade cruel.

    Bom fim de semana!

    OBS.: O JOVEM JORNALISTA está em quarentena de 22 de julho à 31 de agosto, mas comentarei nos blogs amigos nesse período.

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

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    1. Oi, Emerson!
      Sinto muito pelo seu avô. :(
      Espero que sua família fique bem.

      Um beijo e até a volta :*

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  5. perfeito esse texto, a minha sensação dessa quarentena tá cada mais vez mais difícil e surreal td que está acontecendo

    www.tofucolorido.com.br
    https://www.instagram.com/liviaalli/

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    1. Oi, Liv!
      Eu tenho me sentido assim também. Está difícil, mas seguimos quarentenando. É assim que tem que ser.

      Um beijo :*

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  6. Me identifico muito com esse poema. Adorei ler. :) Beijinhos
    --
    O diário da Inês | Facebook | Instagram

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    1. Obrigada, Inês.
      Aqui no Brasil essa pandemia está fora de controle. Então, só escrevendo sobre ela para tentar entender esse 2020.

      Um beijo :*

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  7. Oi
    quando eu estava lendo muitas noticiais a respeito da situação, eu estava com muita insonia, dificuldade para dormir, então resolvi dar uma parada, que isso só estava me fazendo mal.
    Agora minha irmã, faz uns dias que não está conseguindo dormir com insonia.

    http://momentocrivelli.blogspot.com/

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    1. Eu tbm limitei as notícias por aqui, mas não consigo deixar de ter essa sensibilidade.
      Essa situação é triste demais.

      Um beijo :*

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  8. Adorei seu texto, parece até surreal o que estamos vivendo, mas infelizmente, é a nova realidade.

    Beijo.
    Cores do Vício

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    1. Acho que essa realidade é momentânea. Quero ter esperança de que vai dar certo em algum momento.

      Um beijo :*

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  9. Sou dessas que também acorda de madrugada para escrever, haha. E eu concordo plenamente sobre ver a estatística se aproximar e ver as pessoas se tornando estatísticas, apenas números. Inclusive, conhecidos estão sendo nocauteados pela doença. Acho que o seu poema consegue expressar o que todos nós estamos sentindo nesse momento de insegurança e incerteza. Desejo que vc e sua família fique bem e estejam seguros.
    Beijo, Blog Apenas Leite e Pimenta ♥

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    1. Oi, Leslie!
      Escrever na madrugada é uma delícia, pelo silêncio.
      Sinto muito por você já ter perdido conhecidos.
      Espero que você e sua familia fiquem bem também.

      um beijo :*

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  10. Oi, Fernanda!
    No começo da quarentena eu também morria de preocupação e tinha dificuldades em dormir. Parei de acompanhar as notícias e isso aliviou um pouco, mas sei o quanto o vírus ainda tem assolado muitas famílias :(
    O seu texto ficou lindo!

    Estante Bibliográfica

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    1. Oi, Laura!
      Tudo muito complexo.
      Eu tbm limitei as notícias, mas também não consigo deixar de pensar e de ter empatia.

      Beijos :*

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  11. Tempos difíceis... destes de tirar o sono. (Gostei de seu texto. E tenha bons sonhos!)

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