domingo, 13 de junho de 2021

Meio-fio



Meu desejo por poesia está tão grande quanto a secura na minha garganta. É quase inverno e não chove.

Recebo propostas absurdas para escrever sobre temas que não têm nada a ver comigo.

Sonho que estou em um lugar em que não há pessoas negras além de mim.
Acordo com dor de cabeça.

Há cada dia é mais difícil seguir vendo notícias, quando a única coisa boa do telejornal é a bela voz grave do Bonner dizendo “Boa noite”.
Uma mulher grávida foi morta por uma bala encontrada de uma violência sem fim. Ela tinha a pele como a minha. O bebê que ela carregava no ventre, também.
Fiquei sabendo disso pela minha amiga que mora na Argentina. A amiga dela era amiga da moça.

Parentes que passaram mais de um ano aglomerando pegaram covid e ligaram e casa para pedir para a gente “se cuidar”. Precisa quase morrer para entender as orientações da OMS?

Hoje cedo teve um eclipse solar, mas o céu está nublado. Mesmo se estivesse ensolarado, não seria visto do Brasil. O Brasil, por sua vez, está sendo cada vez mais ignorado. Quem quer ser amigo de alguém que é uma bomba de miséria?

Ontem dei um play numa entrevista do padre Júlio Lancellotti. Sempre que o vejo falar me emociono e me sinto convocada a pensar se aprendi amar sem medo. Ele olha para todos como irmãos. Eu consigo andar na rua sem me sentir ameaçada?

Aí penso que meu medo é por ser mulher. O padre é homem — e padre. Isso por si só levanta uma barreira de respeito. É preciso muito para uma mulher chegar nesse nível de proteção liberta. Eu ainda estou aprendendo.

Leio as minhas companheiras de aula de escrita e mais uma vez me emociono. O mergulho para dentro. O mergulho para fora. A profusão de imagens que elas captaram de si e do outro. Me questiono se tenho a capacidade de estar entre elas. A dúvida é eterna. Penso em desistir.

Piso na navalha que é pertencer.

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10 comentários:

  1. Só me sinto triste, triste por ver tanta incoerência que existe no Brasil. Até onde precisamos chegar para que as pessoas vejam que é preciso mudar?
    Beijos Fê
    https://thatsthewayilikeit.blogspot.com/

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    1. Ai, Boo, eu me pergunto isso todo santo dia.
      Eu não sei mais como poder contribuir pra lutar contra tudo isso.
      A gente tem que ser forte, né?!

      Um beijo

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  2. Que final...! Texto belíssimo. Doído. "Aí penso que meu medo é por ser mulher." Sim! Mesmo de dia, se a rua é deserta, já fico mais tensa... Seria tão bom ser realmente livre!

    Para outros grupos minoritarizados, é ainda mais grave, eu sei. Fácil ver pelas "balas perdidas".

    São poucos os corpos realmente livres.

    Abraço, Fê. Fique bem.

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    1. Sempre me pergunto se um dia todo mundo será realmente livre.
      Seguimos lutando por isso! :)

      Um beijo, Lari :*

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  3. São tempos difíceis... É muito triste pensar na realidade do Brasil que nunca foi fácil, mas que está em dias de mais caos...
    O jeito é esperar e ter esperança de que dias melhores virão, amém! ♥

    https://www.heyimwiththeband.com.br/

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  4. Nossa, como isso é ruim né? E o pior que a gente não pode ser nem simpática que uns já acham que tem o direito de dar em cima, ou acham que a gente já está se atirando. É um eterno pensar que roupa usar, o que vão pensar... infelizmente ainda temos "muito medo" de muitas coisas.

    www.vivendosentimentos.com.br

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    1. Eu costumo dizer que ser mulher é um eterno cálculo do "e se...", porque a gente tem que pensar em praticamente todas as variáveis para sobreviver em todas as situações. Isso é muito exaustivo.

      Seguimos na luta pra mudar essa realidade.

      Um beijo

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  5. Divagações interessantes. Gostei muito que você tem refletido sobre isso.

    Boa semana!

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

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    1. Acho que é importante que mais pessoas reflitam sobre tudo o que está acontecendo.

      Um beijo

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