sábado, 10 de agosto de 2019

{Vou por aí} Como foi o Flipop 2019 — Parte 2 | BEDA Agosto/2019 #10


No post de hoje, venho compartilhar o que vi no segundo dia de Flipop  o Festival de Literatura Jovem , promovido pela Editora Seguinte. Se você não viu o que aconteceu no primeiro dia, clique aqui.

Sábado

Bruna Miranda, Mel Duarte, Maurício Negro e Andreza Delgado, na mesa Às margens da Literatura.
(Foto: Editora Seguinte/Anne Karr)

A gente tem mil dúvidas. Às vezes surgem umas certezas, mas é fulgaz. (Maurício Negro)

O meu sábado começou com uma mesa emocionante. O tema era Às Margens da Literatura e foi interessantíssimo ouvir pessoas como a Mel Duarte, a Andreza Delgado e o Maurício Negro  (com mediação da Bruna Miranda) compartilharem as suas experiências como pessoas que fazem parte ou ampliam o espaço da literatura de grupos que não são considerados padrão pela sociedade. Fiquei profundamente tocada e me senti mais forte por ver duas mulheres negras com tanta potência, fazendo um trabalho que é profundo e de qualidade. Acredito que esta mesa tenha ajudado a todos ali a reconhecer a importância da representatividade, de todos terem voz, e de conhecer pessoas vivas que escrevem.

Eu entendo a palavra como a ferramenta de transformação social mais poderosa que a gente tem, mas as pessoas não dão valor a isso. (Mel Duarte)

Há um imaginário de que não pode ter produção cultural feita pelas pessoas periféricas, e essa mesa provou justamente o contrário. A literatura periférica proporciona encontros que vão muito além da imagem estereotipada que a sociedade costuma ter. Esses esteriótipos limitam a visão da periferia que não apenas produz, mas também consome cultura. Sendo assim, é importante dar voz às pessoas periféricas para falar sobre o que elas quiserem, não apenas assuntos que se relacionem às suas dores e à resistência. 

Os autores lembraram que o lugar de fala é um lugar móvel. Hoje podemos estar em uma situação de privilégio e amanhã, por algum motivo qualquer, não, de modo que é importante manter em mente tanto quais são os nossos privilégios quanto essa mobilidade.

O processo de reconhecimento da literatura periférica passa por algumas etapas que se processam de forma concomitantes: 1. os escritores que escrevem literatura marginal têm uma responsabilidade grande, que aumenta ainda mais com o passar do tempo. 2. de respeito ao artista periférico que, como qualquer outro, estuda e deve cobrar um valor justo pela arte que produz; 3. quem está no centro tem que entender que tem que olhar ao redor e ir buscar o que está surgindo, não esperar que a arte periférica vá até essas pessoas.

Uma mesa traiçoeira

Tamirez Santos mediando a mesa com escritora americana Erin Beaty, na mesa Uma mesa traiçoeira
A segunda mesa do dia foi a escritora norte-americana Erin Beaty. Nela, a autora disse que muitas das ideias dos seus livros vieram do seu trabalho como professora. Como docente, ela tinha que explicar como as diferentes personalidades combinam ou não. Nesses momentos ela é percebia quando um relacionamento não daria certo. Ela também contou que já tinha as ideias gerais de seus livros estruturadas antes de escrevê-los, apenas uma parte que foi surpresa ao longo do processo de escrita. Um dos personagens é não-branco, apesar de não ser muito comum nesse tipo de narrativa. Por fim, Beaty disse que considera que os livros faz com que os leitores saibam e sejam mais verdadeiros com quem eles são.

Não fiquei nessa mesa até o final, porque não havia lido os livros e estava por fora de boa parte do que elas estavam falando. Aproveitei para ir tomar um café. 🍵

Escrever é profissão?

Socorro Acioli, Luisa Geisler, Jana Bianchi e Aline Valek, na mesa Escrever é profissão?
(Foto: Editora Seguinte/Anne Karr)
Esta era uma das mesas que mais queria ver porque não é todo dia em que você poder ver a Aline Valek junto com a Socorro Acioli, não é mesmo? Além delas, eu pude ver pela primeira vez a também escritora Luisa Geisler  a mediação ficou por conta da Jana Bianchi.

"É importante conhecer o seu próprio processo". (Luisa Geisler)

Deste encontro, a grande lição que fica — e eu concordo com ela! — é que a carreira de escritor é algo que se dá com tempo. Ela não é simples e requer paciência, porque não há uma fórmula mágica que funcione para todo mundo. É importante controlar as expectativas e conhecer da realidade para decidir se quer ou não enfrentar esta jornada. Portanto, não dá para pegar alguém que admira e ficar se comparando a essa pessoa. Você é um, o David Bowie é outro. Considerar a História do livro no Brasil e se ver como herança do contexto brasileiro ajuda a ter paciência com esse processo.

A profissão de escritor é uma profissão lenta, é uma carreira lenta. E seu pior inimigo é ansiedade de ser famoso. Às vezes é bom que a carreira não se alavanque muito rápido, porque assim não há um esgotamento muito rápido. A jornada é importante. O processo é mais importante que o sucesso. É necessário não se esquecer que, no Brasil, não existe escritor profissional, porque o escritor tem que fazer muitas outras coisas para se manter. O escritor se forma na jornada do escrever, não só fazendo e vendendo livros. Fazer palestra, dar aulas, postar livros, fazer zines, tudo isso é ser escritor.

"É necessário observar e garimpar o texto, ler como escritor". (Luisa Geisler)

Quando questionadas se o escritor deve apenas seguir o instinto ou estudar escrita literária, Socorro Acioli foi certeira, comparando a literatura com as outras artes: se um músico tem que estudar para ser um músico melhor, se o fotógrafo tem até graduação em Fotografia, se o pintor estuda Artes Visuais, por que as pessoas continuam cultivando a ilusão de que para escrever o estudo não é necessário? O estudo é importante em todas as artes, incluindo a literatura. É importante estudar, é importante conhecer os autores clássicos da literatura brasileira. É importante conhecer o que veio antes do que você se propõe a escrever. A Aline Valek lembrou que não dá para enganar o editor. Se você não sabe o que está fazendo, será muito difícil de ser publicado.

"As pessoas que têm o processo, o dom, é porque elas têm esse processo está mais naturalizado pra elas. Quanto mais elas praticam, mais naturalizado o processo é pra elas". (Aline Valek)

A prática faz a escrita ganhar qualidade. Produzir com qualidade é uma questão não apenas de conquistar um espaço no mercado editorial, mas também de respeito com o leitor, como lembrou a escritora Luisa Geisler:

"O leitor não é obrigado a ler o meu livro e se começar a ler, não é obrigado a terminar". (Luisa Geisler)

Por fim, as escritoras listaram habilidades importantes para um escritor contemporâneo — principalmente se ele for independente —, que ajudam muito na carreira:
  • Ter noções de design;
  • Ter curiosidades de coisas que não têm nada a ver com a escrita — isso traz ideias;
  • Explorar o visual que complementa a escrita — seja fotografia, ilustração, tipografia e o própria disposição do texto no papel;
  • Saber respeitar prazos (edital, concursos, editora);
  • Ser persistente  continuar fazendo independentemente dos "nãos" que receber;
  • Ter amor por livros — não adianta querer escrever e não gostar de ler;
  • Saber a resposta para a pergunta: "por que você quer escrever?";
  • Saber qual é a história que só você pode contar;
  • Buscar temas que tenham significado para você, como escritor;
  • Saber divulgar o próprio livro — sem jogar tudo na mão da editora, seja ela grande ou pequena;
  • Saber tentar: metralhar com o seu livro. O não você já tem. Tente tudo o que puder tentar;
  • Estar em eventos (festas/feiras literárias, cursos, saraus, slams, rodas de escrita e de leitura etc.).

Representação do Jovem na Mídia

Keka Reis, Thalita Rebouças, Matheus Souza e Luly Trigo, na mesa Representação do Jovem na Mídia.
Esta mesa foi a que abordou a representação do jovem em três formas de comunicar: literatura, teatro, TV/filmes. Quem apareceu para conversar com o público sobre este tema foram os escritores e roteiristas Luly Trigo, Matheus Souza e Thalita Rebouças, com a mediação de Keka Reis. 

"Falar de clichê é que um clichê". (Matheus Souza)

Durante a conversa, Thalita Rebouças afirmou que o adolescente ainda não tem aquela máscara do adulto, portanto, é bacana estabelecer a troca e o diálogo, tratá-los como pessoas, não como crianças, não como adultos. 

Para ter ideias para escrever, é importante observar, seja presencialmente, seja nas redes social. Quando se escreve para crianças e jovens, deve-se contar uma história, não querer ensinar nada, no máximo, trazer uma provocação e levar o leitor a pensar sobre o assunto da narrativa.

Conversas na mesa de jantar

Cidinha da Silva, Breno Fernandes, Iris Figueiredo e Lucas Rocha, na mesa Conversas na mesa de jantar.
A última mesa do dia foi sobre as relações familiares nos livros e como o crescimento do jovem é influenciado por isso e ficou por conta do escritores Breno Fernandes, Cidinha da Silva e Iris Figueiredo, com mediação do Lucas Rocha. 

"O conceito de família expandida provinciana é marcado pela hierarquia, ao contrario do conceito de comunidade, de criação coletiva que há nas comunidades indígenas e africanas". (Breno Fernandes)

Durante a mesa, os autores falaram tanto da família sanguínea, quanto da expandida (amigos, vizinhos e pessoas que não tenham um laço de sangue). A Iris Figueiredo disse que não tem como contar uma história sem entender as relações familiares, porque a família – ou a falta dela – interfere muito nas relações elas/entre as pessoas (sejam elas personagens, sejam elas leitores). Já Cidinha contou que escreve não só sobre a família sanguínea, mas também sobre a família que a gente escolhe. Lucas relembrou o quanto a família estendida é importante para da comunidade LGBTQ+, já que estas pessoas precisam do apoio dos amigos, quando não há acolhimento em casa.

"A gente precisa desse exercício de empatia e, no geral, os livros fazem isso". (Breno Fernandes)

Iris contou que a relação entre os amigos é importante na literatura dela, primeiro por conta de ela mesma ser filha única e precisar de amigos, segundo porque ela percebe a importância dessa família estendida. Em seu processo criativo, essa é a primeira coisa que ela escreve e, se não há essa aproximação, é algo para os personagens trabalharem ao longo da narrativa. Para ela, a literatura mostra como a família pode ser omissa naquilo que é importante para nós, algo que apenas os amigos veem. 

"Existem muitas formas de ter família, que não precisa ser necessariamente de sangue". (Iris Figueiredo)

Já a Cidinha tem a preocupação de formar a família das personagens negras, porque há um esteriótipo a ser combatido que sempre retrata as personagens negras sozinhas, sem família. Essas personagens sempre são refratadas sem carinho, sem afeto, como se tivessem nascido do ovo como o Horácio, da Turma da Mônica. Sendo assim, é importante reforçar os laços, sejam os consanguíneos, sejam os outros. 

"O processo de crescer e amadurecer é muito difícil, muito complexo. Então o livro ajuda entender, a literatura tem a capacidade de abrir o diálogo. O livro é um empurrão de alguém de fora. O livro inicia conversas além daquela história [que o contém]". (Iris Figueiredo)

Cidinha afirmou que dois aspectos importantes: o primeiro é conseguir abordar temas mais tensos/complexos no âmbito do texto literário, porque isso ameniza a entrada de assuntos que são espinhosos na família do leitor. O segundo é o fato de a literatura conseguir promover o diálogo intergeracional. Por esse viés, é importante que os escritores façam isso em suas obras, colocando personagens crianças conversando com idosos, adultos falando com adolescentes etc.

"Nos momentos em que mais querem que se escondam as coisas, mais a gente tem que pôr o pé na porta. Se não puder falar sobre determinados assuntos, não podemos ser escritores". (Iris Figueiredo)

Bacana, não?!
No próximo post, conto como foi o fim da Flipop. ;)

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6 comentários:

  1. Muito legal a FLIPOP 2019. Parabéns pelas imagens e o post ficou muito bem elaborado! Um abraço.

    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com

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  2. Oi Fê,

    Eu não fui a Flipop, mas tenho muita vontade de conhecer, pois tem conversas e temas muito legais para se discutir.
    Quem sabe na próxima rsrs.

    Bjs e um bom fim de semana!
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    Respostas
    1. Normalmente é sempre nessa época de meio do ano. Já se programa, porque é demais! :D

      Beijos :*

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  3. Um dia ainda vou conferir a Flipop, mas por enquanto só fico na vontade e com invejinha de quem foi hahahah
    Beijos
    Balaio de Babados

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