domingo, 25 de setembro de 2016

{Resenha} Desonra, J.M. Coetzee

Não é à toa que o sul-africano Coetzee ganhou um prêmio Booker Prize com Desonra. A obra escrita por ele é daquelas perfeitas, sem furos, que conduz o leitor ao íntimo do personagem que o deixa desestabilizado após o último ponto final.

Em Desonra, conhecemos David Lurie, professor de literatura que vê sua vida virada ao avesso após se envolver com uma de suas alunas. Lurie que, apesar de sul-africano tem uma formação européia (como se nota pelas suas referências e citações), se força a deixar tudo para trás para viver com sua filha, Lucy, em uma fazenda, no interior sul-africano pós apartheid.

Embora a narrativa seja em terceira pessoa, temos um narrador extremamente colado na visão de David Lurie, o que faz com que o leitor perceba as relações por meio do ponto de vista deste personagem. Isso, gera momentos de instabilidade durante a leitura: ora sentimos compaixão, ora sentimos raiva da visão de mundo de David.

A obra se torna incisiva quando o seu autor decide abordar a relação entre brancos e negros no pós-apartheid. Para fazer isso de modo orgânico, Coetzee contrasta as reações de David e Lucy à violência e à discrepância que há, racial e socialmente, entre os sul-africanos. A sexualidade que, de uma forma ou de outra leva à desonra do título, é presente ao longo das relações entre as personagens e faz com que seus leitores penetrem em cada episódio de maneira profunda. A maneira como Coetzee tece os acontecimentos é capaz de provocar mudanças na forma de o leitor olhar para o recorte da sociedade por ele apresentado.

É claro que há muitas formas de se ler uma obra com o peso de Desonra. É por isso que o autor teve alguns problemas com a recepção do público africano, que o considerou um tanto preconceituoso, ao colocar o poder na erudição (do branco) de David Lurie e a bandidagem e prostituição em personagens negros e exóticos. Ao meu ver, no entanto, a intenção do autor era a de apresentar os fatos (ficcionais) como eles são, sem juízo de valores e sem condenação das atitudes das classes mais pobres (o que se vê na postura abnegada de Lucy ao bater de frente com David).

Nada se sabe sobre a forma como o livro foi criado (uma vez que o autor é evasivo ao falar do seu processo criativo), mas não se pode deixar de notar o quanto o trabalho empenhado por Coetzee é genial. Desde a escolha do tipo de narrador, passando pela estruturação da divisão dos capítulos e aos diálogos de reações inesperadas, tudo contribui para que o leitor deseje chegar até a última página. E que página! Sem dúvida, Desonra faz parte daquela literatura pela qual todos devem conhecer.

Livro: Desonra
Título original: Disgrace
Autor: J.M. Coetzee
Tradução: José Rubens Siqueira
Páginas: 248
Sinopse: Sucesso de público e crítica - foi publicado em mais de vinte países e ganhou o Booker Prize, o mais importante prêmio literário da Inglaterra -, Desonra é considerado o melhor romance de J. M. Coetzee. O livro conta a história de David Lurie, um homem que cai em desgraça. Lurie é um professor de literatura que não sabe como conciliar sua formação humanista, seu desejo amoroso e as normas politicamente corretas da universidade onde dá aula. Mesmo sabendo do perigo, ele tem um caso com uma aluna. Acusado de abuso, é expulso da universidade e viaja para passar uns dias na propriedade rural da filha, Lucy.
No campo, esse homem atormentado toma contato com a brutalidade e o ressentimento da África do Sul pós-apartheid. Com personagens vivos, com um ritmo narrativo que magnetiza o leitor, Desonra investiga as relações entre as classes, os sexos, as raças, tratando dos choques entre um passado de exploração e um presente de acerto de contas, entre uma cultura humanista e uma situação social explosiva.

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4 comentários:

  1. DEUS, ME DÁ MAIS HORAS NO DIA!!
    Fiquei bem curiosa para ler este livro, mais um pra listinha!


    www.carolvayda.com.br

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    Respostas
    1. Prêmio Nobel de Literatura. Tem peso, né? :)

      Leia! :D

      Beijos,

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  2. Tem tanto tempo que esse livro está na minha lista de leituras que nem me recordava mais dele até ver sua resenha. A primeira vez que ouvi falar dele foi no canal da Mel em um vídeo que ela mostrava a caixinha da TAG - experiências literárias e lembro que fiquei bem interessada. Sua resenha só reforçou o que eu sentia. Talvez agora vá.

    PS. já solucionei o probleminha dos comentários, e obrigada por ter me avisado.
    Um abraço,
    http://julietincrisis.blogspot.com.br/

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