domingo, 12 de outubro de 2025

{Resenha} Cartas perto do coração, de Fernando Sabino e Clarice Lispector



Cartas perto do coração é um livro editado por Fernando Sabino, que reúne as correspondências trocadas entre ele e Clarice Lispector entre os anos de 1946 a 1969. Àquela época, Sabino morava no Rio e viajou um tempo a Nova York, já Clarice se dividiu entre estar parte deste período em Berna, na Suíça, parte nos Estados Unidos.

Fiz a leitura do livro durante a minha viagem a Buenos Aires e começo dizendo que foi uma excelente escolha. A obra é leve, e as cartas são curtas e sinceras, o que torna as Cartas perto do coração como o próprio título diz: aquela companhia que nos deixa com o coração quentinho.  

Li de novo e fiquei tão contente… Foi de novo uma carta sua, e uma conversa. Fiquei animada, não importa que daqui a pouco acabe e eu vá com alma morta para a costureira… O que importa é que fiquei como estou agora, bem na primavera. De repente me pareceu que eu devo continuar a trabalhar, que tudo está ruim, mas que é assim mesmo, que as coisas são desconhecidas até que rebentam numa conhecida, a pessoa que está só no mundo de modo que deve tomar certas providências urgentes de silêncio e meditação, já que não se sabe nem se pode agir, e de que de vez em quando a gente pode receber este presente gratuito que é a palavra amiga de um amigo, e suponho que se há compensação e não vejo por que ela haveria de ser maior — esta já é grande e é mais do que se merece. 
Clarice Lispector em carta a Fernando Sabino. Como datou a própria autora: Europa, Suíça, Berna, Ostring, 5 de agosto de 1946, segunda-feira de manhã, 10 horas menos 10 minutos.

É muito bonito ver a franqueza maravilhosa com que cada amigo se abre nas missivas, uma vez que os autores conversavam sobre absolutamente tudo: desde a viagem da Clarice ao Egito (e o assombro que ela sentiu ao ver a Esfinge), passando por sonhos tidos durante o sono, pelo divórcio de Sabino e a relação dele com os filhos, pelos respectivos processos de escrita, pela solidão de estar em um país tão diferente do Brasil, pelo medo de ter o manuscrito rejeitado, pelos pedidos de ajuda para encontrar locais para publicar quando o dinheiro faltou. 

Nova edição, em capa dura.

Tanto para quem é um escritor, quanto para quem é leitor curioso, é interessante notar que tanto alguns alguns desafios, quanto a inquietação e o instinto profissionais se mantém ainda hoje. A angústia de escrever sem ter a certeza de que o texto está bom, a busca por um título que seja eficiente, o compartilhar com o par, a dúvida de ser publicada, a pressa em querer ser lido. Tudo isso se apresenta no livro. Além disso, Sabino faz algumas leituras críticas de alguns textos de Clarice, e é muito banca vê-los conversando sobre isso, acatando (ou não) as sugestões dadas por ele.

É em verdade um conto tão bonito, Clarice, um conto que só se escreveria na Europa, na Suíça. Por ele, posso perceber uma coisa muito mais importante do que a própria importância do conto: que você está escrevendo bem, com calma, estilo seguro, sem precipitação. Talvez porque agora você já não esteja sofrendo muito, mas sofrendo bem: é uma diferença bem importante, para a qual o Mário sempre me chamava a atenção. A gente sofre muito: o que é preciso é sofrer bem, com discernimento, com classe, com serenidade de quem já é iniciado no sofrimento. Não para tirar dele uma compensação, mas um reflexo. É o reflexo disso que vejo no seu conto, você procura escrever bem, e escreve bem. Me deu vontade de enunciar agora um truísmo: 'O problema para quem escreve é antes de tudo um problema literário.' Álvaro Lins.
Fernando Sabino, em carta a Clarice Lispector, escrita em Nova York, datada de 17 de setembro de 1946.

Para quem tem medo de ler os romances da Clarice, penso que este livro é uma boa porta de entrada na literatura dela (assim como os de crônicas), justamente porque mostra dois pontos fundamentais: o primeiro é como a cabeça dela funcionava; já o segundo, é porque o livro a tira deste lugar de musa indecifrável da literatura brasileira (que muitos críticos e leitores a colocou) e a põe num lugar humanizado, gente como a gente, que abre o coração para um amigo querido. 

Capa da versão brochura.

Livro: Cartas perto do coração
Autor: Fernando Sabino (e Clarice Lispector)
Páginas: 208
Editora: Record
Gênero: Cartas
Apresentação: A longa e profunda amizade entre dois dos mais importantes escritores brasileiros reflete-se nas cartas trocadas por eles entre 1946 e 1969. Permeada pelo espanto e fascínio dos autores ante o futuro, Cartas perto do coração traz a correspondência entre Fernando Sabino e Clarice Lispector e permite, a reboque, descobrir o mundo interno desses dois escritores quando jovens.Na última fase da vida de Clarice Lispector surgiram-lhe outras relações de amizade, mas o relacionamento entre ela e Fernando Sabino foi o primeiro e um dos mais intensos desde o início de sua carreira literária. Em janeiro de 1944, Sabino mal havia completado vinte anos e recebia, em Belo Horizonte, onde morava, o exemplar de um romance chamado Perto do coração selvagem, com uma dedicatória da autora, Clarice Lispector, ainda desconhecida do grande público. “Fiquei deslumbrado pelo livro,” confessa Sabino.Depois de apresentados um ao outro por Rubem Braga, os dois começaram uma amizade marcada pelo convívio diário e conversas marcadas em confeitarias da cidade. Uma ligação retratada em Cartas perto do coração. A amizade continuou , através dessas cartas, com uma freqüência só interrompida quando se encontravam os dois no Rio de Janeiro. “Trocávamos idéias sobre tudo,” conta Sabino. “Submetíamos nossos trabalhos um ao outro. Reformulávamos nossos valores e descobríamos o mundo, ébrios de mocidade. Era mais do que a paixão pela literatura, ou de um pelo outro, não formulada, que unia dois jovens ’perto do coração selvagem da vida’: o que transparece em nossas cartas é uma espécie de pacto secreto entre nós dois, solidários ante o enigma que o futuro reservava para o nosso destino de escritores.”

PS: eu li a edição em brochura, da capa branca. Agora saiu a edição em capa dura, com prefácio da Nadia Battella Gotlib. Mais informações sobre a edição nova, aqui.

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