domingo, 31 de março de 2024

Forma específica de relevo

Foto de Stijn Swinnen, via Unsplash.

Em tempos tão bélicos, a busca vira luta, batalha em trincheiras sem garantias de vencedores ou perdedores. Acordos diplomáticos são lançados ao vendaval catártico e, sem que se pense duas vezes, me vejo atirada ao chão. Balas perfuram o meu corpo violentamente, e tudo o que eu desejo é o pleonasmo de um fim que, de fato, se finde. O caos está longe de ser criativo. O desejo está longe de trazer tesão. Dor. Apenas a dor do medo. Apenas o medo da dor. Minha mente quer estancar tudo isso, mas meu corpo fora atingido. Soldier down, honey. Soldier down. É impossível me mover. É impossível pedir ajuda. Minha voz não sai, e mesmo que saísse, ninguém a escutaria. A esta altura, é improvável qualquer mísero movimento. Meus músculos não respondem mais ao comando do meu cérebro. Mesmo que respondessem, seria inútil. Meu cérebro desistiu de tudo. Melhor dizendo, meu cérebro desistiu de mim. Minhas sinapses estão exaustas de tanto lutar. Mais balas me atingem. Elas são cada vez mais velozes. Eu estou no chão. Eu continuo no chão. Meus pulmões se movem: o ar não vem. O vazio não se preenche do meu sangue: as minhas vísceras não se espalham. O fim não se finda. Balas seguem me atingindo. Há desespero na falta de explicação. Até a loucura seria uma alternativa mais simples. Corpo quente no solo frio. Tento mudar de estratégia: agora são bombas e mais bombas. Ninguém procura por ninguém: não há melhores amigos, tampouco desconhecidos, advogados, líderes espirituais, familiares ou qualquer quem que valha. Nunca houve coerência nos atos bélicos. Não há meios de descomplicar o confronto. Marte segue orbitando o Sol. Morro, entretanto continuo viva. Continuo viva.


Talvez, se eu tiver alguma espécie de sorte, os escombros se transformem em adubo.

_____________________________________________________________
Gostou deste post?
Então considere se inscrever na Newsletter para receber boletins mensais 
ou me acompanhar nas redes sociais: 

14 comentários:

  1. É assustador como cada vez mais a gente sente que tá sozinho. Que tempos são esses onde estamos cada vez mais conectados, mas ao mesmo tempo parece que não existem tantas conexões. Estranho demais.

    Muito bonita a forma como você consegue falar de muitas coisas em um único texto.

    Um beijo, Fê!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Às vezes acho que as pessoas têm medo de conexões mais profundas. Mas não aprofundar as conexões dá uma insatisfação tremenda.

      Um beijo

      Excluir
  2. como me identifiquei com a sua crônica, Fê.

    por aqui os últimos dias não foram muito fáceis depois de uma crise de ansiedade. ainda estou me recuperando, mas o sentimento é bem parecido com o q vc escreveu. aquela sensação de puxar o ar e sentir dificuldade, as tentativas de fugir dos pensamentos/medo e eles continuarem aprisionando...

    mas a gnt segue (res)insistindo... há sempre um novo amanhã pra tentarmos novamente. e que hoje seja melhor q ontem. amém?!

    bj!

    Não me venha com desculpa - Adriel Christian

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Adri, eu espero que você fique bem. Esses últimos dias não foram fáceis e, para seguir em frente, é preciso ter fôlego, né?

      Que abril seja melhor.
      um beijo carinhoso

      Excluir
  3. De uma profundidade tamanha e sem igual esse texto. Obrigado por compartilhar.

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está no ar cheio de posts novos e novidades! Não deixe de conferir!

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

    ResponderExcluir
  4. Gostei do seu texto, ótimo para reflexão. Estamos cada vez mais sozinhos, enfrentando nossos medos e dores em silêncio. Tudo muito triste.
    Bjus!!!

    galerafashion.com

    ResponderExcluir
  5. Seu artigo foi excelente! Aprendi muito com ele. Vou mantê-lo em meus favoritos para consultar sempre que precisar.

    tutorial como configurar o snaptube

    ResponderExcluir
  6. Cada um vive sua batalha e, cada vez, podemos contar menos com os outros. No final, é só você e Deus mesmo - e quer melhor companhia?
    Tem post novo - espero vc!
    Bj e fk c Deus
    Nana - procurandoamigosvirtuais.blogspot.com

    ResponderExcluir
  7. Oi Fernanda, muito bom texto. Consegui sentir a agonia enquanto lia. Essa sensação de desamparo e desesperança é devastadora.

    Até breve;
    Te espero nos meus blogs!
    Helaina (Escritora || Blogueira)
    https://hipercriativa.blogspot.com (Livros, filmes e séries)
    https://universo-invisivel.blogspot.com (Contos, crônicas e afins)

    ResponderExcluir
  8. Olá,
    Esse texto conseguiu e muito me atingir, pois sinto parte do momento que estou aí.
    Muitas sensações solitárias, um grito no escuro, mas talvez eu seja msm culpa, não sei. Só cansei de reclamar, não resolve nada :(
    Nada é mais como antes mesmo.

    até mais,
    Canto Cultzíneo

    ResponderExcluir

Olá!

♥ Quer comentar, mas não tem uma conta no Google? Basta alterar para a melhor opção no menu COMENTAR COMO. Se você não tiver uma conta para vincular, escolha a opção Nome/URL e deixe a URL em branco, comentando somente com seu nome.

♥ É muito bom poder ouvir o que você pensa sobre este post. Por favor, se possível, deixe o link do seu site/blog. Ficarei feliz por poder retribuir a sua visita.

♥ Quer saber mais sobre o Algumas Observações? Então, inscreva-se para receber a newsletter: bit.ly/newsletteralgumasobservacoes

♥ Volte sempre! ;)

Algumas Observações | Ano 17 | Textos por Fernanda Rodrigues. Tecnologia do Blogger.