domingo, 12 de fevereiro de 2023

Fortuna

Ao mar.
(Foto de Pawel Nolbert, via Unsplash.)

Sento-me ao sol e abro o livro de poesias como se fosse encontrar as respostas que ainda procuro. No oráculo das palavras consoantes seguem páginas após páginas entre versos e verificação didática. Affonso era professor e detalhista: cada ponto importante do poema ganhava uma nota erudita ao final. No meio de tanta intelectualidade, salta o nome de Marina*, e meus lábios instantaneamente formam um sorriso.

Marina também é como se chama a minha melhor amiga da adolescência e, por razões óbvias, sempre vou ao mar quando penso na fonética desse nome. Concluo que se um dia tivesse uma filha, Marina seria um nome carregado de amor — literário e memorialístico — que eu gostaria de dar à rebenta, caso fosse uma menina.

A questão é que não vou ter filhos. Não do jeito tradicional. Só me imaginei grávida por um curto período da minha vida e depois descartei a ideia. Não tenho o menor encantamento por gerar, ver meu corpo mudar tanto em tão pouco tempo e parir. Sempre tive horror em sentir dor, ainda que por uma causa nobre. Não me vejo expulsando ninguém das minhas entranhas. Nas madrugadas pairo os meus textos a fórceps e isso já me é suficientemente custoso. Além disso, o tal do relógio biológico continua rodando os ponteiros minuto a minuto sem parar. Se eu levar em conta as condições de temperatura e pressão atuais, não teria como, afinal, não conheço o candidato a pai da criança ainda e em 13 dias completo meus 35 anos de idade.

Se um dia tiver filhos será adotando. Filho adotado já vem com nome dado, então seria difícil eu dar a sorte de encontrar uma Marina, uma Clarice ou um André. Estou disposta a abrir mão do nome para encontrar o filho nascido de outro útero, mas que sei que é meu e que vive por aí. Um dia este encontro acontece. Vai ser lindo.

Fecho o livro e pego o celular. Sobreviver a uma pandemia me deu algumas manias. Uma delas é a de tentar acertar os signos solares das pessoas. Com tanta meticulosidade, me pergunto se Affonso também é virginiano. Abro o Google, e a Wikipédia me diz que ele nasceu em 27 de março de 1937. Não é, mas dividimos o amor ao trabalho peculiar dos nascidos sob signos do elemento Terra. Acho curioso, contudo, que a página não foi atualizada com a data de morte do autor. Affonso segue vivendo, e a recusa de colocar esse ponto final no primeiro link sobre ele é uma metáfora bonita a respeito do poder que há em se tornar oráculo em um livro de poesia.


*Marina Colasanti, escritora, poeta e esposa do autor.
**Texto escrito em setembro de 2021.

_____________________________________________________________
Gostou deste post?
Então considere se inscrever na Newsletter para receber boletins mensais 
ou me acompanhar nas redes sociais: 

10 comentários:

  1. Que texto incrível, cheio de muitas reflexões.
    Trazer alguém para viver nesse mundo é algo de muita responsabilidade, muitas pessoas não pensam muito sobre isso e as consequências. Filho é para a vida toda.
    Bjus!!!

    galerafashion.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Adriana!
      Exatamente. Não tem como tirar folga com filhos, não tem como devolver, não tem como deixar pra lá. Essa é uma decisão que deve ser bem pensada. :)

      Obrigada por comentar :)

      Excluir
  2. Eu também nunca me vi grávida e nem quero ter filhos. Sei do que você sente. Já pensei na adoção, hoje em dia nem sei se nem isso. Mas deixo a vida me levar... também já tenho 35 anos e ainda temos muito para viver né...
    Eu adoro astrologia e ahhh, eu também sou virginiana :)

    www.vivendosentimentos.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, nós somos jovens ainda! Há muito o que desbravar. E sério que você também é virginiana? Que legal isso! :)
      Que a vida seja doce com ou sem filhos.

      Beijos

      Excluir
  3. Muito legal o post. Cada um com sua visão de vida e isso deve ser sempre respeitado.

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está no ar com muitos posts interessantes. Não deixe de conferir!

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

    ResponderExcluir
  4. Muito lindo o texto. Engraçado é que eu sou totalmente adepta à maternidade quando o assunto é gerar, ver meu corpo mudar, parir, mas além de um relógio biológico que lá vai longe e sem conhecer o pai da criança, educar outro ser humano me assusta o suficiente para eu não encarar esse desafio, tanto psicológica como financeiramente. Talvez seja por isso que haja tantas mães nas minhas histórias. Gerando meus filhos de papel.

    Te espero nos meus blogs!
    Mente Hipercriativa (Livros, filmes e séries)
    Universo Invisível (Contos, crônicas e afins)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Nunca dá para prever o que vai acontecer quando uma criança nasce, mas acho que ter o mínimo de rede de apoio e de estrutura é importante mesmo. A gente não pode querer saber tudo (quem sabe?), mas também não dá pra gerar um filho como se fosse comprar pão no mercado. É tudo uma questão de coerência. Se você acha que não está preparada, está certa de não ter agora. Mas se é seu desejo, é legal buscar meios de realizar essa vontade :)

      Enquanto isso, as histórias nascem. Um viva para cada uma delas! :)

      Beijos

      Excluir
  5. Gosto sempre dos detalhes sutis da sua escrita.

    ResponderExcluir

Olá!

♥ Quer comentar, mas não tem uma conta no Google? Basta alterar para a melhor opção no menu COMENTAR COMO. Se você não tiver uma conta para vincular, escolha a opção Nome/URL e deixe a URL em branco, comentando somente com seu nome.

♥ É muito bom poder ouvir o que você pensa sobre este post. Por favor, se possível, deixe o link do seu site/blog. Ficarei feliz por poder retribuir a sua visita.

♥ Quer saber mais sobre o Algumas Observações? Então, inscreva-se para receber a newsletter: bit.ly/newsletteralgumasobservacoes

♥ Volte sempre! ;)

Algumas Observações | Ano 17 | Textos por Fernanda Rodrigues. Tecnologia do Blogger.