Sento-me ao sol e abro o livro de poesias como se fosse encontrar as respostas que ainda procuro. No oráculo das palavras consoantes seguem páginas após páginas entre versos e verificação didática. Affonso era professor e detalhista: cada ponto importante do poema ganhava uma nota erudita ao final. No meio de tanta intelectualidade, salta o nome de Marina*, e meus lábios instantaneamente formam um sorriso.
Marina também é como se chama a minha melhor amiga da adolescência e, por razões óbvias, sempre vou ao mar quando penso na fonética desse nome. Concluo que se um dia tivesse uma filha, Marina seria um nome carregado de amor — literário e memorialístico — que eu gostaria de dar à rebenta, caso fosse uma menina.
A questão é que não vou ter filhos. Não do jeito tradicional. Só me imaginei grávida por um curto período da minha vida e depois descartei a ideia. Não tenho o menor encantamento por gerar, ver meu corpo mudar tanto em tão pouco tempo e parir. Sempre tive horror em sentir dor, ainda que por uma causa nobre. Não me vejo expulsando ninguém das minhas entranhas. Nas madrugadas pairo os meus textos a fórceps e isso já me é suficientemente custoso. Além disso, o tal do relógio biológico continua rodando os ponteiros minuto a minuto sem parar. Se eu levar em conta as condições de temperatura e pressão atuais, não teria como, afinal, não conheço o candidato a pai da criança ainda e em 13 dias completo meus 35 anos de idade.
Se um dia tiver filhos será adotando. Filho adotado já vem com nome dado, então seria difícil eu dar a sorte de encontrar uma Marina, uma Clarice ou um André. Estou disposta a abrir mão do nome para encontrar o filho nascido de outro útero, mas que sei que é meu e que vive por aí. Um dia este encontro acontece. Vai ser lindo.
Fecho o livro e pego o celular. Sobreviver a uma pandemia me deu algumas manias. Uma delas é a de tentar acertar os signos solares das pessoas. Com tanta meticulosidade, me pergunto se Affonso também é virginiano. Abro o Google, e a Wikipédia me diz que ele nasceu em 27 de março de 1937. Não é, mas dividimos o amor ao trabalho peculiar dos nascidos sob signos do elemento Terra. Acho curioso, contudo, que a página não foi atualizada com a data de morte do autor. Affonso segue vivendo, e a recusa de colocar esse ponto final no primeiro link sobre ele é uma metáfora bonita a respeito do poder que há em se tornar oráculo em um livro de poesia.
*Marina Colasanti, escritora, poeta e esposa do autor.
**Texto escrito em setembro de 2021.
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Que texto incrível, cheio de muitas reflexões.
ResponderExcluirTrazer alguém para viver nesse mundo é algo de muita responsabilidade, muitas pessoas não pensam muito sobre isso e as consequências. Filho é para a vida toda.
Bjus!!!
galerafashion.com
Eu também nunca me vi grávida e nem quero ter filhos. Sei do que você sente. Já pensei na adoção, hoje em dia nem sei se nem isso. Mas deixo a vida me levar... também já tenho 35 anos e ainda temos muito para viver né...
ResponderExcluirEu adoro astrologia e ahhh, eu também sou virginiana :)
www.vivendosentimentos.com.br
Muito legal o post. Cada um com sua visão de vida e isso deve ser sempre respeitado.
ResponderExcluirBoa semana!
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Até mais, Emerson Garcia
Muito lindo o texto. Engraçado é que eu sou totalmente adepta à maternidade quando o assunto é gerar, ver meu corpo mudar, parir, mas além de um relógio biológico que lá vai longe e sem conhecer o pai da criança, educar outro ser humano me assusta o suficiente para eu não encarar esse desafio, tanto psicológica como financeiramente. Talvez seja por isso que haja tantas mães nas minhas histórias. Gerando meus filhos de papel.
ResponderExcluirTe espero nos meus blogs!
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Gosto sempre dos detalhes sutis da sua escrita.
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