À medida que o tempo passa, a água avança. Cobre casas, ruas, gente e bicho. Não há seleção de raça, gênero ou classe social, apenas H2O em estado líquido seguindo seu fluxo. À medida que a água avança, sua força leva a cidade.
Não há recuo ou abrigo. Morro abaixo, cada gota se deixa absorver pela terra, penetrando fundo no planeta como se atmosfera e crosta terrestre fossem uma coisa só. E talvez sejam. Não são?
Na TV, repórteres de galocha fazem esforço para caminhar. Um ônibus fora arrastado rio adentro. Familiares fazem buscas entes queridos. Bombeiros viram a noite em busca de corpos. Voluntários se organizam como podem. A água continua avançando.
Na mesma TV, vejo que este março está sendo o mais quente dos últimos 15 anos. Mesmo com as águas volumosas fechando o verão, o ar ainda está seco, ferindo os padrões ideais de saúde.
Acordo semanas depois no meio da noite com uma tempestade insistente. Saio da cama, fecho as janelas, verifico se as gatas estão bem apesar dos altos trovões. A água segue mais uma vez avançando. Continua cobrindo casas, ruas, gente e bicho por mais de uma hora. É madrugada e eu estou longe, mas não consigo deixar de pensar no passado recente. O que aconteceu com a cidade submersa em lama e desespero? Para onde foram os repórteres e suas galochas?
Há exasperação do outro lado do mundo aonde a chuva vem em ondas bélicas. Sinto dor pelo o que vejo nos noticiários, mas tento compreender a preferência de foco por este conflito. Outras regiões seguem em luta por tanto tempo, não? Vidas se perdem desde. Muitas delas não são brancas. Dados que não entram nos noticiários internacionais. As águas sobre a minha cabeça não param. Meus pensamentos também não.
A violência no Brasil mata tanto quanto uma guerra. Há mapeamento e dados estatísticos que comprovam esses números. Quantas pessoas falam sobre isso na TV? Quando vidas passaram a ser apenas isto: números em um gráfico de alguma instituição ou pesquisa acadêmica que são notícias por 30 segundos e nunca mais ganham espaço algum na mídia?
As águas sobre a minha cabeça não param. Elas me fazem pensar que a quantidade de pessoas vivendo nas ruas aumenta a cada dia. Deve haver algum dado estatístico sobre isso, mas é só ser um bom observador de qualquer centro urbano para perceber. Mas quantas pessoas falam sobre isso na TV? Por quanto tempo?
A tempestade de verão segue avassaladora sobre nossas cabeças. As águas não escolhem por onde vão passar. Líderes de terno, contudo, selecionam a dedo quem sofrerá com as consequências da catástrofe e quais nomes entrarão nos livros de História como mocinhos ou vilões.
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ResponderExcluirBoa semana!
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Até mais, Emerson Garcia
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