Ali estava ele: cadeira em frente à porta, pernas cruzadas, coluna ereta, revista de cruzadinha no colo e uma Bic preta nas mãos. De dentro do quarto saía o som da TV, com a voz do Datena, invadindo o corredor contando sobre o caos que as tempestades de verão sempre causam na cidade de São Paulo.
Todos os dias, a rotina era a mesma: no fim da tarde, eu ia até o hospital visitar a minha irmã que estava internada e, entre uma caminhadinha e outra, passei a acenar para (e depois cumprimentar) o simpático senhor do corredor.
A cada ida e vinda, reparava em um detalhe diferente: a corrente no pescoço, a camisa de pijama semiaberta, a falta de quatro dedos na mão direita, sendo o único inteiro justo o do meio. História. Aquele homem tinha muita história para contar.
A quebra do gelo surgiu um dia, quando meu pai brincou, chamando-o de segurança do andar:
— Já assumiu o posto?
— Opa! Claro!
Foi assim que soubemos que aquele era o senhor Edson, que eu, automaticamente, passei a chamar de Seu Ed. Não sabia o que o tinha levado à internação, mas isso foi irrelevante para que a gente estabelecesse um pequeno laço de amizade. Entre um “boa tarde” e outro, descobrimos que temos um ponto em comum: o amor profundo pela comilança sem fim.
Minha irmã estava no hospital preocupada com os quatro quilos adquiridos em sua internação. Enquanto ela negociava com a nutricionista, tentando diminuir a quantidade diária de calorias ingeridas e negando dois dos três pães que lhe eram servidos, lá estava o seu Ed, defensor eterno do “quanto mais rango melhor”.
Certo dia, no vai e vem do corredor com a minha irmã, vi três marmitas, quatro pães e três copos de café com leite na bancada do quarto do seu Edson. Ele riu ao ler a expressão assustada no meu rosto:
— Seu Ed, mas o senhor dá conta de comer tudo isso?
— Opa! Levanto meia-noite, três da manhã, e rapo tudo.
— Mas a comida esfria, não?
— E eu lá ligo?
O sorriso era desdentado, mas genuinamente feliz.
***
Tudo mudou numa quarta-feira, quando entrei no hospital e me deparei com o corredor vazio. Fui recebida pela minha irmã — um tanto cabisbaixa — me informando que o Seu Ed tinha se dado alta.
— E pode isso?
— Ah, os médicos queriam ele aqui, mas ele preferiu ir embora, disse que ia atrás da comida de uma moça que ele chamou de Baiana.
Sábio é o seu Ed que busca experimentar todos os sabores da vida.
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E essa é a maior experiência de vida que Seu Ed poderia nos proporcionar, aproveite os prazeres que a comida te dá, haha.
ResponderExcluirBeijo, Blog Apenas Leite e Pimenta ♥
SUPERCONCORDO!
Excluirhehehe
Um beijo
Muito legal essa estória. Gostei muito de ler.
ResponderExcluirBoa semana!
O JOVEM JORNALISTA está em Hiatus de verão de 18 de janeiro à 04 de março, mas comentaremos nos blogs amigos nesse período! Mesmo em Hiatus, o blog tem um post novo. Não deixe de conferir!
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Até mais, Emerson Garcia
Fico feliz que tenha gostado.
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