quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Aurora

Foto por Nick Nice, via Unsplash.


As flores mortas no vaso indicam a sua ausência. Há tempos você se foi e ninguém foi capaz de preencher o seu lugar. Não sei ainda quantos meses a frente tenho até arranjar forças para seguir em frente. As flores, no longo e delgado vaso de vidro escuro, pouco a pouco se despedaçam, assim como você fez ao demonstrar que não me ama.

Não sei bem como ou quando o fim se deu. Sei que naquele dia, em que nós dois nos sentamos na escada do jardim do museu, eu sabia que te perderia. Meu choro vindo do nada, totalmente descompassado indicava isso e, por mais que você me abraçasse sem jeito e dissesse que tudo ficaria bem que não me deixaria, eu intuía que algo de errado não estava certo.

Nos últimos meses murchei como murcham as flores em um vaso bonito e sem água. A falta de ar me fez permanecer dias a fio deitada, no quarto escuro, em posição fetal. Em looping, fiquei repassando cada gesto, cada sorriso, me perguntando o que, afinal, eu tinha feito de errado. Logo eu, que sempre me esforço tanto para que tudo seja perfeito, onde poderia ter falhado?

Não sei se ele se recorda do dia em que trouxe essas flores para casa. “Cada uma me lembra um detalhe seu”, ele completou sorrindo de lado, como um superstar, ao notar a minha cara de espanto. O buquê era delicado, e eu não me reconheci ali. Talvez este fosse mais um dos indícios de que nada daria certo. Sempre fui a cabeça dura, que responde todo mundo e que move montanhas pelo que quer. Como poderia ser delicada a ponto de ser flor?

As flores mortas no vaso indicam que algo morreu dentro de mim. A espontaneidade, o cuidar do outro, o sorriso sincero. Cada flor que foi secando me força a me lembrar de cada parte de mim que doei sem medo e sem preocupação. Hoje já não quero mais buques de flores. Hoje prefiro ser jardim na aurora. Se fui flores como ele afirmou, ele esteve longe de ser um amante da natureza.


Texto escrito a partir do tema Já não quero um buquê de flores
da blogagem coletiva de setembro, do Projeto Escrita Criativa.

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10 comentários:

  1. Não sei como escreveu algo tão lindo e tão profundo em somente 15 minutos! Me identifiquei (com o texto, não com sua genialidade rs). Beijo!

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    1. Tuuuuuuuuuuuudo é exercício. Tudo! :)
      E sem comentário autodepreciativos! hehehe

      Beijo!

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  2. oi, oi.

    eu amo esses jogos de palavras, trocadilhos... aff!!! perfeito demais!

    amo tbm a gnt poder voltar, olhar pro passado com uma nova visão e se perdoar por se dedicar demais a quem tanto faz.

    parabéns pelo talento, FÊ. por transformar em palavras sentimentos que ficam entalado na garganta. <3

    bj!

    Não me venha com desculpa - Adriel Christian

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    1. Ressignificar o passado é uma das partes mais legais da literatura! :) Amo isso!

      E fico feliz que você tenha gostado, Adri.

      Beijos

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  3. Que soco no estômago! Acho que o recado foi dado!

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está de volta com muitos posts novos! Não deixe de conferir!

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

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    1. Fico feliz que vc tenha achado um "soco no estômago". A literatura é feita para isso tbm!

      Um beijo

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  4. Oi Fernanda,
    Amei o texto! Você transmite os sentimentos pela sua escrita de uma forma muito natural. Gostei de ver também como você tratou o tema sugerido. Desde que descobri o projeto tenho vontade de participar, mas sou muito ruim trabalhando com temas. Quero mudar isso pra conseguir deixar o Universo Invisível atualizado de novo!

    Beijos;
    Mente Hipercriativa | Universo Invisível

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    1. Oi, Helaina!
      Obrigada pelas palavras doces sobre o meu trabalho. Quanto a escrever a partir de um tema, isso é questão de treino. Se dê uma chance, porque você não vai se arrepender.

      Um beijo :*

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