domingo, 20 de março de 2016

Minha estrela preferida

Constelações. Imagem por UFRGS.

Meu avô era diferente de outros. Fala mansa, cabelo pretinho, sempre fazendo aquilo que lhe pediam. Seu Zé, vem para a mesa. Vamos tirar uma soneca? Ajuda o seu avô pôr o chinelo, Nanda. Estas, sem dúvida, eram as palavras mais usadas por minha mãe.

A primeira vez que ele chegou, eu tinha cinco anos. Morávamos em um apartamento pequeno que nos deixava profundamente entediados; mas, mesmo assim, tentávamos nos divertir. Vô, pega a bola! Agora joga de volta – éramos capazes de ficar horas a fio jogando o brinquedo de lá para cá, para desespero dos meus pais. E se quebrássemos algo?

Depois que a minha mãe engravidou, ele foi morar com um tio meu. Aquele período foi um tanto tumultuado. Por que a chegada da Patricia levou o vô para longe? Por que todo mundo sempre se junta para falar dele e nunca me explica nada? Os adultos são tão confusos...

Um ano e meio depois, ele voltou a viver conosco. Tudo o que eu sabia – no auge dos meus quase sete anos – é que ele só se lembrava de coisas que haviam acontecido há muito tempo, que tomava alguns “remédios fortes” e que, segundo o médico, tinha “um coração melhor do que um menino de dezoito anos”. Era esta falta de lembranças que fazia com que ele chamasse a todas as mulheres de seus filhos por Maria, que dissesse que o jogador mais famoso da seleção era o Pelé, não o Bebeto ou o Romário, e que cantasse umas músicas que não tocavam mais no rádio.

Ah! Adorava quando ele cantava com o meu pai!

- Amélia não tinha a melhor...

- ... vaidade...

- Amélia que era...

- ... mulher de verdade!

A volta do Boêmio também fazia parte daquele repertório feliz que, entre uma refeição e outra, sempre acabava em um:

- Manda um beijo para a Maria.

E lá estava o meu avô, como um bebê, mandando beijos para a minha mãe...

Mais alguns anos, mais mudanças. Desta vez, nada boas. A doença veio, voraz e intensa. Novamente, senti-me perdida. Tudo era muito rápido e incerto. Nanda, você tem que cuidar da sua irmã. Eu tentava. Meus pais me diziam isso, mas eles sabiam que eu não podia fazer tudo. Nos esforçávamos. Hoje vejo o quanto foi difícil cuidar uma criança de nove anos e de outra de três, quando se tem um idoso caminhando para o fim da vida no leito de um hospital público.

1997. Este foi o ano em que vi a morte de perto pela primeira vez, o ano em que o céu ganhou a minha estrela preferida.

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14 comentários:

  1. Belo post, eu nunca tive uma relação tão próxima com parentes mas acredito que deve ser muito legal.
    Bj e fk c Deus.
    Nana
    http://procurandoamigosvirtuais.blogspot.com

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  2. Oi Fernanda.
    Eu, infelizmente não tive os avós tão próximos na infância, mas vejo pelos meus amigos o quanto é importante.
    Achei seu texto de uma sensibilidade incrível. E de coração, sinto muito pelo seu avô. Pode apostar que de onde ele está, está cuidando de você e te sorrindo! :)
    Um beijo!
    Inventando Assunto

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    1. Oi, Aline!
      Obrigada pelas palavras de carinho. Espero que ele sinta orgulho de ver os caminhos que escolhi! :)
      Um beijo!

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  3. Nossa, meus sentimentos... Sei o quão duro é perder alguém, principalmente as que tanto amamos. Passei por esse mesmo sentimento só que em 2012.
    Um abraço reconfortante.
    http://juliet-in-crisis.blogspot.com.br/

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    1. Um abraço forte em você também!
      Eles sempre levam um pedaço de nós, não é?
      Obrigada pelo apoio!

      um beijo!

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  4. A dor da perda é inexplicável... a vida é tão frágil. Nunca podemos saber se estaremos aqui amanhã ou não. Lindo texto!

    Bjs ;D
    ❥Blog: www.amigadelicada.com

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    1. Essa incerteza que faz da vida um negócio muito louco. Devemos realmente ser gratos a tudo!

      Obrigada pelo elogio!
      Um beijo!

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  5. Tenho algumas estrelas especiais no meu céu e me consola saber que elas estão brilhando para mim todas as noites... ❤


    www.carolvayda.com.br

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  6. Oi, Nanda!
    Sinto muito pela sua perda. Sei como é. Bem, não exatamente... meu avô morreu e eu não tive nem ao menos tempo de me despedir :/ ele estava doente e não contou pra ninguém. Não sei de que jeito seria pior, só sei que a morte dele me afetou de uma forma horrível. Ele faz muita falta, e gosto de pensar que está comigo sempre

    Beijos,
    Kemmy - Duas Leitoras|Tem resenha premiada e concurso cultural valendo livros no blog!

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    1. Pode passar o tempo que for, sempre será difícil!
      Espero que você fique bem, porque sim, eles estão conosco!

      Beijos

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  7. Meus sentimentos Fê. Bela homenagem que você fez. Meu avô faleceu a alguns anos, tinha Alzheimer. Foi muito triste, mas da forma como ele estava sabe, bem no estágio final da doença, a gente sabe que foi melhor ele ter ido descansar. Mesmo assim a gente sente falta.

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  8. Meu avó tinha o apelido carinhoso de "Papai Noel das Lombrigas", pq ele tava sempre com doce, sorvete ou qualquer outra coisa gostosa pros netos comerem sem precisar escovar os dentes depois.
    Ele morreu quando eu tinha 15 anos. Foi quando eu parei de acreditar em Deus. Tanta gente ruim pra "ELE" levar e levou logo o nosso papai noel?! Não fez sentido!

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