domingo, 23 de fevereiro de 2025

{Resenha} Um paraíso portátil, de Roger Robinson



Um livro de poesia que fisga o leitor pela potência das imagens apresentadas, imagens estas que nos fazem sentir as dores, as angústias, as influências e os momentos de gratidão presentes em cada verso. Em Um Paraíso Portátil, Roger Robinson traça uma ponte entre o passado e o presente da vivência negra experienciada por ele e por quem vive ao seu redor, em sua comunidade britânica.

Roger Robison é um artista multifacetado: poeta, músico, performer, cofundador de um coletivo de escritores, com a experiência farta de quem flana pelo mundo. Nascido na Inglaterra e atualmente vivendo em Londres, Robinson tem e honra a sua vida caribenha (viveu parte da infância e da adolescência em Trinidade e Tobago). Sendo assim, essa ponte que ele traça entre o passado e o presente é configurada de diversos modos, todos eles muito sensíveis, seja com o eu lírico do poeta assumindo a primeira pessoa, seja ele servindo de testemunha e se colocando no lugar das pessoas cuja a vivência é por ele observada. 

Poema "O vermelho escuro do seu sangue", de Roger Robinson, presente nas páginas 52 e 53 de Um Paraíso Portátil
(Clique na imagem para ampliá-la.)


A obra, vencedora do Prêmio T.S. Elliot (2019), é estruturada em 5 partes. A primeira é inteira dedicada à violência sofrida pela comunidade negra britânica durante o grave incêndio da Grenfell Tower (ocorrido em junho de 2017), que matou 72 pessoas. Aqui, o eu lírico mergulha no ocorrido, se colocando tanto no lugar de quem sucumbiu, quanto de quem sobreviveu e teve que lidar com o descaso da falta de resposta e de responsabilização dos culpados. A segunda parte segue trazendo o impacto da primeira e relacionando-a com a das pessoas que foram forçosamente levadas à Inglaterra na época da escravização. Ali passado e presente se cruzam quando o poeta empresta a sua voz aos anônimos e silenciados pela sociedade e pelo governo britânico. Além disso, mais uma vez, o poeta coloca o mal-estar na mesa, provando que, infelizmente, ele é universal ao se inspirar no caso do americano George Floyd e escrever um poema sobre a violência onipresente que é direcionada ao corpo negro. Os poemas da terceira parte resgatam as denúncias das anteriores para denunciar a postura dos que têm "outro" (não branco e não britânico) como "ilegal". O poeta faz uso da primeira pessoa (singular e plural) para apontar como os imigrantes sofrem abusos tendo como ponto de partida a exclusão social apenas por conta do espaço geográfico de origem, como se ter nascido em outro lugar que não a Inglaterra já fosse um atestado que permite que britânicos brancos sejam violentos com imigrantes negros e seus descendentes — ignorando completamente o histórico das relações coloniais e pós-coloniais. A quarta parte da obra reforça tudo isso trazendo referências sonoras e visuais ao livro, mostrando ao leitor uma riqueza de repertório que não é apenas do poeta, mas de toda comunidade a que ele pertence. Riqueza esta que é exposta e reiterada diversas vezes numa cidade que faz de tudo para ocultá-la. Por fim, a última parte traz a experiência de paternidade pessoal do poeta, cujo filho prematuro quase não sobrevive ao parto. Contrariando o estereótipo do homem negro que abandona os filhos, o eu poético não só é presente, mas também sofre o drama de ver o bebê lutando pela própria vida. A resistência negra mostrada nas outras partes da obra aqui se torna frágil e incerta, na figura do neném prematuro assombrado pela morte, ao mesmo tempo que é forte e ancestral, na imagem invocada da avó que aparece no último poema do livro e que, mais uma vez, reforça a imagem de passado e futuro que sustenta a voz de toda uma comunidade que segue (e que continuará seguindo) resistindo.

É interessante notar como Robinson trabalha todo o conteúdo apresentado acima fazendo uso tanto de estruturas mais formais, a exemplo do uso de dísticos (estrofes de dois versos) e tercetos (estrofes de três versos, como de outras formas mais contemporâneas como versos formatados em um único parágrafo. Esta é outro modo — agora na forma — de unir o passado (mais formal) e o presente (de versos branco, livres e mais pós-modernos). Isso traz ritmo não só a cada poema, mas também à leitura do conjunto da obra.

A versão brasileira do livro também conta com um texto de apresentação em prosa repleto de lírica e extremamente competente escrito por Prisca Agustoni. A orelha foi escrita por André Capilé. Já a tradução ficou por conta do Victor Pedrosa Paixão. A publicação foi feita em coedição das Editoras Incompleta e Jabuticaba.

Ler Um Paraíso Portátil é, ao mesmo tempo, dolorido e esperançoso. Dolorido porque nos deparamos de novo com as dores dos nossos irmãos. Esperançoso, justamente por nos dar um abraço que nos diz que o nosso paraíso não é feito só de luta e resistência, mas também do senso de irmandade que não se abandona.


Capa. (Fonte: Editora Incompleta)



Livro: Um paraíso portátil
Título original:
Autor: Roger Robinson
Tradução: Victor Pedrosa Paixão
Páginas: 103
Editora: Incompleta e Jabuticaba
Apresentação/Sinopse: Este livro – um desolado carrossel fantasmagórico de vidas penduradas por um fio, em busca de um lugar para chamar de ‘lar’ – faz do limiar entre o que é o ‘paraíso’ e o ‘inferno’ (e as representações cristalizadas que deles se construíram ao longo dos séculos) um ponto de partida para uma nova realidade”. As palavras de Prisca Agustoni na apresentação evidenciam, ao mesmo tempo, a estrutura de Um Paraíso Portátil e o seu centro: ao longo das cinco partes nas quais se distribuem, os poemas de Roger Robinson compõem um arranjo de vozes e formas diversas para expor as violências colonial e étnico-racial em suas mais variadas manifestações. Britânico de origem caribenha, o autor se vale da dub poetry; da citação de “vozes amigas” como Coltrane, Fela Kuti e Bob Marley; de trechos mais confessionais e prosaicos; de certa inspiração cinematográfica; de humor e de causticidade. Mas há algo além de que Robinson não se esquece nessa busca pela elaboração de lutos e traumas: um conselho de sua avó, em que o autor se agarra para seguir acenando rumo a alguma cura possível, um remédio coletivo ou particular. Publicado originalmente no Reino Unido em 2019 (Peepal Tree Press), A Portable Paradise venceu o T.S. Eliot Prize do mesmo ano. A obra chega ao Brasil numa coedição entre as editoras Incompleta e Jabuticaba, com tradução de Victor Pedrosa Paixão. Os escritores, pesquisadores e tradutores Prisca Agustoni e André Capilé assinam a apresentação e a orelha do livro.

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4 comentários:

  1. Parece ser um livro fabuloso e único. Fiquei com vontade de lê-lo.

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está em HIATUS DE VERÃO do dia 19 de janeiro à 06 de março, mas comentarei nos blogs amigos nesse período. O JJ, portanto, está cheio de posts legais e interessantes. Não deixe de conferir!

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

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    Respostas
    1. É um livro muito bonito, mesmo! Sensível e importante.

      Um beijo

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  2. Parece ser interessante, apesar de eu não ser muito fã de poesia
    Bj e fk c Deus
    Nana
    https://procurandoamigosvirtuais.blogspot.com/

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    Respostas
    1. Eu sempre digo que poesia é como música: quem diz que não gosta é porque não encontrou ainda o seu estilo. Continue tentando ler poesia e, em algum momento, você vai passar a gostar.

      Um beijo

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