Canção para ninar menino grande, de Conceição Evaristo, é um livro que contém muitas camadas, aquela leitura que a cada vez que a revisitamos descobrimos mais e mais coisas tanto sobre as personagens, quanto sobre nós mesmos.
A obra nos apresenta a história de Fio Jasmim, um homem negro, que trabalha em uma ferrovia, e de todas as mulheres que passaram por sua vida: desde a oficial — com quem casou e teve os ditos “filhos oficiais” — a todas as outras que conheceu em suas viagens a trabalho.
Dito assim, pode parecer que Fio Jasmim é apenas mais um homem qualquer; mas, ao adentrarmos na narrativa, a autora nos leva a refletir sobre o racismo estrutural, sobre a masculinidade frágil, sobre a coragem e determinação de algumas dessas mulheres e sobre a pressão sofrida por todas elas, a que algumas sucumbiram. Tudo isso, narrado a partir de uma força poética que já é tão característica da literatura de Evaristo.
A obra coloca uma lente na masculinidade tóxica vivida por homens em geral e mais ainda, na que é vivida pelos homens negros. Homens estes que são cobrados de uma virilidade sempre pronta, em riste e forte, e sem o direito a sensibilidade alguma. Ao ler o livro de Conceição Evaristo, observamos o outro lado, o efeito — muitas vezes geracional, já que Jasmim aprendeu o que sabia com os homens mais velhos que o rodeiam — do estereótipo do malandro aproveitador que é tido como uma máquina de obter e dar prazer e que abandona uma mulher grávida a cada estação por onde passa.
O legado, como dito e muito bem-marcado pela autora, é geracional: assim como há os efeitos do estereótipo do homem negro, há também uma lente para a mulher negra — seja ela tida como “de família” ou “da vida” — qual é o espaço que essa mulher ocupa na sociedade? Se jovem e bonita tem seu corpo sexualizado; se mais velha ou mãe, muitas vezes assume o lugar de “lutadora que cria os filhos sozinha”, geração após geração.
No livro, Conceição Evaristo maneja não só (um dos muitos modos de) ser negro no Brasil, mas também como essa relação de homem que sempre é forte, conquistador e viril impacta diretamente na vida das mulheres e dos filhos que elas eventualmente têm. De como, para o homem ser o garanhão é um sinônimo de virtude; quanto para as diferentes mulheres (negras ou não), estar como alguém como Fio Jasmim é cair em desgraça.
Por meio das mulheres que amaram Fio Jasmim; nós, leitores, passamos a compreender a ferida estrutural da nossa sociedade, que descende — em grandíssima parte — de pessoas como ele e seus amores. Conceição Evaristo, por meio de sua escrevivência, coloca o dedo na ferida e brada um “precisamos falar, sim, sobre isso, sim”, afinal, ainda hoje dados estatísticos comprovam que o número de mães que criam seus filhos sozinhas no Brasil ainda é alto*.
Há um vazio existencial enorme para praticamente todos os personagens do livro. O vazio provocado pela estrutura social que educa pela lente do racismo (há príncipes negros na escola?) e do machismo desde a infância e que a objetificação dos corpos não consegue preencher. Homens como Fio Jasmim têm que se provar o suficiente o tempo todo, para que se sinta existente e aceito na sociedade — mesmo que ele nem esteja com tanta vontade assim de sexo (como sair da cidade sem ter transado como alguém?).
O corpo como moeda de troca para preenchimento de um vazio. O vazio causado por uma sociedade egocêntrica que não questiona o sentimento alheio. O poder de decisão, de resignação, de curiosidade, de pulsão de vida e morte. A história dos nossos e das nossas ancestrais. Questionamentos. Poder de estagnação e igualmente, de mudança. É possível encontrar tudo isso em Canção para ninar menino grande, de Conceição Evaristo. Que sorte a nossa, ter uma autora como ela no nosso cânone. Que sorte a nossa!
 |
Capa (divulgação da editora). |
Livro: Canção para ninar menino grandeAutora: Conceição Evaristo
Páginas: 136
Apresentação/sinopse: Trata-se de um mosaico afetuoso de experiências negras, um canto amoroso e dolorido. Na figura do personagem Fio Jasmim, Conceição discute com maestria as contradições e complexidades em torno da masculinidade de homens negros e os efeitos nas relações com as mulheres negras. O livro é um mergulho na poética da escrevivência e ao mesmo tempo um tributo ao amor sob uma ótica poucas vezes vista na literatura brasileira.
*Segundo reportagem da Agência Brasil (leia aqui), em 2022, havia mais de 11 milhões de mães solo no Brasil. _____________________________________________________________
Gostou deste post?
Então considere se inscrever na Newsletter para receber boletins mensais ou me acompanhar nas redes sociais:
Parece ser interessante! Obrigada pela partilha!
ResponderExcluirBjxxx
Teresa Isabel Silva
Instagram | Pinterest | Linkedint
Oi, Teresa! É muitíssimo!
ExcluirBeijos :*
Parece ser um livro com muitos ensinamentos. Fiquei com vontade de ler.
ResponderExcluirBoa semana!
O JOVEM JORNALISTA está no ar cheio de posts novos e novidades! Não deixe de conferir!
Jovem Jornalista
Instagram
Até mais, Emerson Garcia
Desejo-lhe uma boa leitura ;)
ExcluirParece uma leitura interessante. Sempre ouço comentários positivos sobre os livros dela. Aproveitei sua indicação e já adicionei o livro na minha lista da amazon para não esquecer!
ResponderExcluirbeijo enorme ❤ | Quase Aurora