|
Há tempos não lia algo tão bom, tão bem feito! |
Há tempos um livro não me pegava como
A guerra não tem rosto de mulher me pegou. A proposta de sua autora, a vencedora do prêmio Nobel de Literatura 2015, Svetlana Aleksiévitch, é simples: trazer à tona um retrato da Segunda Guerra Mundial a partir do olhar da mulheres que participaram deste evento. Para isso, ela foi atrás das combatentes e deu voz a quem teve que permanecer calada por muito tempo. A guerra dos homens é uma; a das mulheres, outra. Isso é nítido a cada relato que lemos. E isso me fez me perguntar por que ninguém havia buscado o testemunho feminino antes?
Tudo o que eu conhecia sobre a Segunda Grande Guerra tinha sido por meio de homens. Na escola, tive professores. Nos livros, tive autores. Então, estava sedenta por compreender este período tão violento por meio de uma perspectiva mais alinhada com a minha, por um ponto de vista feminino.
Como todo relato de guerras, o livro é cercado de sangue, morte e luta por sobrevivência. A principio, isso foi o que me fisgou: a coragem e o desejo que essas mulheres tinham desde muito cedo (algumas no auge dos seus 14 anos) a quererem pegar nas armas. Elas almejavam ir para guerra tanto quanto os homens porque não conseguiam ver o país sendo invadido e ficarem de braços cruzados.
Já nas primeiras páginas, senti náuseas por me imaginar naquela situação. Este livro é muito sinestésico: é impossível você não se ver nas trincheiras, não se comover com os relatos das pessoas que viram outras se explodirem, da falta de recursos para o tratamento dos doentes, das falas sobre a fome e a miséria. Senti náuseas pela violência. Respirei fundo, mas não consegui parar a leitura. Este é o trunfo de Svetlana Aleksiévitch: ela puxa o leitor para dentro da sua narrativa, é como se caíssemos em um pântano, na areia movediça. Quanto mais lemos e desconfortáveis nos sentimos, mais queremos saber os detalhes do que aconteceu.
Página 112. Não é o trecho mais pesado, mas é um dos que mais me comoveu.
Além da violência, do estresse e do trauma bélicos, o livro traz outro ponto à tona: o sexismo. Enquanto os homens se tornaram heróis, as combatentes não foram vistas da mesma maneira, sendo condenadas por terem deixado a família (ou levado os filhos para o combate). Boa parte delas foi taxada como prostitutas, acusadas de terem "roubado" os soldados das famílias, e acabaram sozinhas por não serem "boas moças" o suficiente para casar.
(Nem preciso dizer o quanto isso me deixou indignada, preciso?)
A bravura e a coragem em contraste com a inocência nos coloca para pensar sobre a humanidade. O abandono e o preconceito sofridos por elas no pós-guerra, nos tira o pouco da esperança que nos resta. A vida se sobrepondo à morte nos faz rever nossos conceitos.
A guerra não tem rosto de mulher nos coloca para pensar e repensar a maneira como conduzimos a nossa jornada de maneira individual e coletiva e nos leva a uma dúvida: será que a humanidade tem jeito? Fiquei com a sensação de que ainda temos muito que aprender.
"O caminho é um só: amar o ser humano. Compreendê-lo pelo amor".
(A guerra não tem rosto de mulher, página 189)
Livro: A guerra não tem rosto de mulher
Autora: Svetlana Aleksiévitch
Tradução: Cecília Rosas
Páginas: 392
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: A história das guerras costuma ser contada sob o ponto de vista masculino: soldados e generais, algozes e libertadores. Trata-se, porém, de um equívoco e de uma injustiça. Se em muitos conflitos as mulheres ficaram na retaguarda, em outros estiveram na linha de frente.
É esse capítulo de bravura feminina que Svetlana Aleksiévitch reconstrói neste livro absolutamente apaixonante e forte. Quase um milhão de mulheres lutaram no Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, mas a sua história nunca foi contada. Svetlana Aleksiévitch deixa que as vozes dessas mulheres ressoem de forma angustiante e arrebatadora, em memórias que evocam frio, fome, violência sexual e a sombra onipresente da morte.
_____________________________________________________________
Esse livro parece ser incrível. Gosto de leituras que acrescentem algo a nossa vida, que mudem nossa forma de enxergar o mundo. Ficou ótima a resenha, deu vontade de conhecer logo essa história.
ResponderExcluirBlog Profano Feminino
Oi, Ane!
ExcluirEntão, agora estou louca pra ler os outros textos dela. Me parece que os outros livros são igualmente densos e incríveis. :D
Beijos!
Fê, como você escreve bem. Toda vez que visito seu blog, fico abismada com a sua escrita, seu jeito de envolver o leitor. É o que faz o AO um dos meus blogs favoritos <3.
ResponderExcluirEu gosto muito do tema da Segunda Guerra e acho que poucas vezes me peguei pensando no papel das mulheres nessa guerra. É definitivamente bem pouco explorado.
Uma das coisas que mais me chocou nos últimos tempos foi ver de pertinho o Enola Gay, que causou tanta destruição. Eu nunca tinha me tocado da guerra daquele jeito, até então era um punhado de fatos históricos que culminaram em consequências atuais. Mas ver ali, um objeto tão significativo me encheu de medo, angústia e pavor.
Só livros assim para nos fazer lembrar que a guerra não é apenas uma história distante, mas um acontecimento com um impacto assombroso na vida de tantos militares (de ambos os sexos).
Beijos!
Menina, nem me fale de medo, angústia e pavor. Só de pensar no que o Trump anda fazendo com essas bombas todas, me dá um frio na espinha! Concordo com você sobre a importância desse tipo de livro. É necessário olhar para o passado para que ele não se repita no futuro.
ExcluirMudando de assunto, fiquei muito, muito, muito feliz por saber que o AO é um dos seus blogs preferidos! ♥ Você não faz ideia de quantas vezes eu fiquei aqui olhando o seu comentário, toda babona! :D
Muito obrigada!
Beijos :*
oie Fê <3 nossa eu conhcia a autora nem o livro, e ja achei interessante o fato e a proposta que Stvetlanta propos aos leitores, fiquei abismada com a resenha,e pesquisando um pouco ela realmente mereceu o Oscar de 2015 ein
ResponderExcluirhttp://dosedestrelas.blogspot.com.br
Ela merece muitos mais prêmios! O livro é fantástico. Se tiver uma chance, leia. :D
ExcluirBeijos!
Fernanda,
ResponderExcluirEu vou novamente dizer que não consigo ler uma resenha sua sem sair querendo comprar o livro. O que sei sobre a Segunda Guerra aprendi na escola e ainda assim eu nem sabia que mulheres haviam lutado em frentes de batalha, achava que elas tinham desenvolvido mais o papel de apoio nas áreas médicas (aquilo que a gente vê nos filmes). Me interessei bastante pelo livro, mesmo! É importante demais conhecer o contexto e o ambiente da guerra pelo olhar daquelas que mal foram citadas...
Parabéns pela resenha e pela indicação!
Um beijo!
Pois é, Line, esse livro ajuda a gente sair da caixa e pensar na guerra de uma outra forma (mais cruel e mais humana). Vale muito a pena conferir!
ExcluirBeijos :*