domingo, 13 de julho de 2025

Livros que eu comprei n'A Feira do Livro

domingo, julho 13, 2025 0


No post de hoje quero compartilhar quais foram os títulos que comprei na edição de 2025 d'A feira do livro

Como disse neste vlog, não tinha programado comprar muitos livros. A verdade é que me programei para comprar dois e acabei comprando cinco, sendo um deles um presente. 

Aqui, deixo os 4 títulos que passaram a integrar a minha biblioteca. Bora conhecer?




Autoria independente

Wesley e eu, n'A Feira do Livro.


O primeiro título foi do autor maranhense Wesley Moraes. Wesley é poeta, cantor e "gente fina, elegante e sincera". Ele estava conversando com as pessoas e vendendo o livro dele, produzido de forma independente. Além de ser autor, vem de uma família de professores e está se organizando para lançar seu disco. Comprei o livro de poemas Peregrino usado para escrever, que fiz questão que ele autografasse! 😉

Quem quiser conhecer mais do trabalho do autor, basta segui-lo no Instagram: @wes.moraes.




Livro: Peregrino usado para escrever
Autor: Wesley Moraes
Páginas: 46
Editora: publicação do autor
Apresentação: Já perguntaram se eu não fico no tédio / E se é a poesia o remédio, / Que eu uso para me entorpecer.  // Respondi bem rápido e sucinto, / Que o poeta é apenas um ser místico, / Peregrino, usado pra escrever.

Descoberta poética

Adriana Lisboa e Júlia de Carvalho Hansen


Como contei no post passado, no primeiro fim de semana do evento, assisti a uma mesa sobre poesia com a Adriana Lisboa e com a Júlia de Carvalho Hansen. Fiquei encantada pelo trabalho e pelo bom humor da Júlia, com o jeito que ela olha com profundidade visceral pra vida (desde os grandes movimentos como o processo de demência do próprio pai aos pequenos insetos que caminham por aí). Também gosto demais desse misto de poesia e diário. Sendo assim, comprei o livro dela. Este, inclusive, já li. Ano Passado entrou na lista dos meus livros de poemas preferidos. 



Livro: Ano Passado
Autora: Júlia de Carvalho Hansen 
Páginas: 160
Editora: Nós 
Apresentação: O ano passado está sempre se distanciando. Nunca é apenas um. Passa-se um ano e já se torna outro, mais esquecível, nem sempre mais distante. É uma espécie de epíteto dos esquecimentos. O ano passado pode ser o dia anterior, a estação pregressa, pode nem ter acontecido, pode vir-ainda-a-ser. Pode ser “o instante que antecede as coisas”. Neste novo livro, a já consagrada poeta Júlia de Carvalho Hansen diz e desdiz certa ideia de cotidianeidade, a um só tempo tocando o expansivo (os anos, os amores, as tragédias, o país) e o comezinho (também os amores, algumas tragédias, certas noções de país). No entremear delicadíssimo dos versos, chancelados pelo registro diarístico, a autora reivindica a pertinência da atenção à passagem do tempo, ao passo que pontua a chama inapagável do tempo presente: “afinal as tempestades estão cada vez mais severas/ quando não chove os incêndios estão em toda parte/ nós somos os filhos da transição”. Ano passado é o lugar da sutileza e da pungência. Tem a marca do calendário, mas não é contabilizável. Passa, mas não passa nunca, jamais. Lembra persistentemente o leitor: “Você foi ficando vago”. E, ainda assim, o ano passado está aqui, como estamos todos, perenes e para sempre, neste livro marcante, comovente, que veio para permanecer por muitos anos no horizonte da poesia brasileira contemporânea.


Mergulho linguístico 

Meu trabalho — em todas as suas vertentes — é a minha paixão, então eu amo me aperfeiçoar e me aprofundar nele. Desse modo, tinha que ter algum livro relacionado. O da vez é o Na ponta da língua, do Caetano W. Galindo. Ano passado li Latim em Pó e foi uma das minhas leituras preferidas do ano, então, a expectativa para ler o Na ponta da língua é altíssima. 
Eu gosto muito do trabalho do Galindo (ele traduziu os livros da Patti Smith, só para trazer um outro exemplo). Além disso, na interação que tive com ele, ele foi uma pessoa muito gentil. É muito legal saber que somos colegas de profissão 😀

(Um adendo: ele fez a curadoria de uma exposição que está aberta para a visitação lá no Museu da Língua Portuguesa chamada Fala Falar Falares. Ainda não fui, mas quero demais vé-la. As informações, para quem quiser saber mais, estão aqui.)




Livro: Na ponta da Língua
Autor: Caetano W. Galindo
Páginas: 272
Editora: Companhia das Letras
Apresentação: Na ponta da língua não busca ser um mero guia de etimologia. Mais do que ensinar ao leitor a origem das palavras, Caetano W. Galindo -- autor de Latim em pó, êxito de crítica e público -- nos dá as ferramentas para que possamos, também, ser investigadores do nosso português. Tendo o corpo humano como base, numa jornada que vai da cabeça aos pés, Caetano W. Galindo nos ensina os processos históricos que explicam por que nosso pescoço deixou de ser "poscoço" e a ligação inusitada entre o joelho e uma almofada. Enquanto nos divertimos com o humor constante de sua prosa, que corre quase como uma performance cômica, mal notamos que estamos aprendendo os complexos mecanismos que regem as mudanças da língua ao longo dos séculos e os processos ocultos por trás da formação das palavras. Ao final da leitura, nunca mais olharemos um diminutivo "inho" da mesma forma. Uma aula magistral de etimologia sem a menor dor de cabeça -- que, aliás, vem do latim capitia e tem a mesma origem de "chefe".


Aprendizado com a pele

Foto com Lazinho 😍


Eu ainda me lembro do impacto que o Na minha pele me causou, porque foi quando eu estava começando os meus estudos de letramento racial e me entendendo como uma mulher negra. Ali, pela primeira vez, eu notei que algumas experiências que vivi, que julgava ser um problema meu, na verdade não eram exclusivas, eram fruto do racismo estrutural. Mesmo eu não tendo a pele escura, eu venho de uma família interracial e tenho o fenótipo negro (que carrego com orgulho e que me faz honrar cada uma das minhas ancestrais). Aquela dor não era só minha. Era minha, do Lázaro, da Taís e de tantos outros brasileiros. Ao mesmo tempo que foi dolorido, foi libertador. Me senti abraçada por alguém que, finalmente, conseguia não só me entender, mas também colocar em palavras aquele sentimento que me sufocava por anos a fio. 

Dito tudo isso, quando vi que o Lázaro Ramos teria uma mesa e autografaria os livros dele, não tive dúvidas de que queria ouvir o que ele tinha falar e, claro pegar o meu autógrafo (assim como fiz anteriormente com o Na minha pele). 



Livro: Na nossa pele
Autor: Lázaro Ramos 
Páginas: 128
Editora: Objetiva
Apresentação: Em Na nossa pele, um Lázaro mais maduro entrelaça fatos de sua vida íntima com reflexões sobre o ofício de artista e outros temas como as pautas raciais, emancipação e mobilidade social. Ao estabelecer uma ponte com inúmeras outras personalidades negras, mostra como seus pensamentos e ações são forjados numa mesma ancestralidade. Assim, são muitas as vozes que habitam as páginas deste livro. A mais importante delas é a de sua mãe, Célia Maria do Sacramento, que faleceu quando ele tinha apenas dezoito anos. Mais maduro e ciente das complexidades de sua própria história, Lázaro se sente finalmente pronto para compartilhar as memórias da mulher que foi sua maior inspiração.Lázaro também convida seus leitores e leitoras a refletirem sobre a vida e seu lugar no mundo. Partindo da premissa de que não existem respostas simples para questões complexas, acredita que a efetiva conquista da emancipação, a individual e a coletiva, é ainda um enorme desafio. Devemos retomar a aparentemente velha e esquecida ideia de que o melhor caminho é aquele que inclui a equidade, o valor à vida, o respeito às diferenças, o cuidado com o meio ambiente, a proteção à infância e a retomada da alegria -- mas não a alegria que anestesia, e sim a alegria revolucionária, transformadora. Do lançamento de Na minha pele para cá, muita coisa mudou. Foram inúmeras as conquistas, e Lázaro comemora cada uma delas, mas será que a importante e necessária ascensão da população negra já alcançou toda a sua plenitude?

Em resumo...

...eu fiquei feliz demais, porque eu comprei livros de autores brasileiros (ainda saí com 3 dos 4 deles autografados). É legal demais poder movimentar o mercado dos livros lendo os meus contemporâneos. 😀

Agora me conte: você já leu algum desses livros? Quais são os livros que você está lendo por esses dias?


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domingo, 29 de junho de 2025

19 anos de blog, estreia no teatro, A Feira do Livro e respostas difíceis

domingo, junho 29, 2025 3
Aniversário do blog, A feira do Livro e mais!


Dia 24 de junho, o Algumas Observações fez 19 anos. Todo ano digo a mesma coisa, que eu nunca imaginei ter um projeto tão longevo, tão duradouro. Mas aqui estou: 19 anos compartilhando a vida, as ideias, os textos literários, as leituras. Só tenho a agradecer o carinho de cada um de vocês que me leem.  🎂

Às vezes, as pessoas me perguntam como faz para ter um trabalho tão duradouro assim. A resposta curta é: constância. A resposta astrológica é: tenho sol em Virgem na casa 10 (regida por Capricórnio), ou seja gosto de estabilidade e tenho paciência para a construção a longo prazo. De qualquer modo, o conselho é sempre o mesmo: veja como você pode encaixar um pouquinho do que você quer fazer na sua semana e faça. Não muito, não no exagero. Um pouquinho de cada vez para ser sustentável. Quando o tempo passar, você vai olhar para trás e ver que deu certo. Isso vale para o blog, para as artes, para o estudo de idiomas, para a construção de uma carreira, para criar um pet ou um filho, para qualquer objetivo grande. 

💚


No começo do semestre me inscrevi em duas oficinas, uma de dança contemporânea e outra de dança, jogos e movimentos. Nessa segunda, montamos uma peça com causos brasileiros e apresentamos para as crianças e para os professores delas. Foi um dia muito feliz e muito divertido! 😊 Na peça, fui um macaquinho que dava um conselho para a Onça conquistar o amor dela. 💚 No final, uma das crianças disse que "adorei o show de vocês", e eu fiquei me achando a própria Fernanda Montenegro por isso! hahaha Imagina, gente, "show" hahaha

Ainda não apresentamos nada na oficina de dança contemporânea, mas esse tem sido um dos meus momentos preferidos da semana. É, sem dúvida, um espaço de redescoberta e de muita, muita risada. Como comentei com a professora, em alguns momentos eu preciso lutar com aquela voz interna da infância que sempre me disse que sou descoordenada. Vencê-la tem sido motivo de orgulho. 

Tenho buscado cada vez mais alimentar a minha artista interior. Sei que, profissionalmente, isso se dá pela escrita (longe de mim querer ser atriz ou dançarina profissional), mas é importante ter esse tempo para mim e para experimentar a arte por diferentes vertentes.

💚

Vlog do meu primeiro dia n'A Feira do Livro.

No meio do mês rolou um dos meus eventos preferidos do ano, A Feira do Livro, lá no Pacaembu. Eu queria ter ido mais vezes (fui no primeiro domingo e no fim de semana seguinte), mas estava tão exausta que precisei descansar no feriado. Os dias que fui, amei cada segundo! 

Vi uma mesa de poesia ("Antes de dar nomes ao mundo", com Adriana Lisboa e Júlia de Carvalho Hansen / Mediação: Luciana Araujo Marques), em que as autoras falaram sobre um tema que muito me interessa: a mistura de diário e poesia. Assisti à uma mesa sobre envelhecimento ("Envelhecer no Brasil", com Mary Del Priore / Mediação: Tatiana Vasconcellos), porque queria conhecer melhor o trabalho da autora — sei que ela é famosa, mas não conhecia muito dela. Vi a gravação do podcast Foro de Teresina e a mesa sobre crônica e futebol ("Pelo Buraco da Fechadura", com Ugo Giorgetti e Mario Prata), dois temas que eu AMO demais. O Mário Prata contou uma pequena anedota vivida com o Ziraldo, e isso me deixou profundamente emocionada. 



No último dia, vi a mesa da Cidinha da Silva, "A obra de Sueli Carneiro como Método Pedagógico" (com mediação de Bel Santos Mayer). Amo ouvir a Cidinha falar sobre qualquer assunto, quando o assunto é a Sueli Carneiro, então! Que lindeza! 😍 Por fim, foi a vez da mesa "Na nossa pele" dos queridos Lázaro Ramos e Ronilso Pacheco (Mediação: Adriana Ferreira Silva). Foi lindo ouvi-los falar da perspectiva do nosso povo. Depois, a conversa com o Lázaro rendeu um autógrafo, boas risadas, um monte de fotos superexpressivas (ver carrossel acima) e um abraço daqueles sensacionais (já disse o quanto amo pessoas que abraçam porque realmente querem?).

💚

Em final de abril, começo de maio, o TikTok me sugeriu seguir dois dos meus ex (um deles, o que foi o grande amor da minha vida). Somado a isso, dei uma aula baseada em contos escritos a partir de música, e a Vanessa da Mata esteve no Altas Horas. Como boa escritora que sou, somei todos os pontos e escrevi um texto que enviei na newsletter e, posteriormente, postei aqui no blog. Pois bem, um deles — justamente o que baseou o personagem criado — resolveu comentar o post. Apesar de ter sido como anônimo, eu sei que foi ele. E isso me surpreendeu. Quer dizer que 15 anos depois, ele ainda me lê? Esta e outras perguntas pairaram na minha cabeça. Não tenho mais raiva. Talvez carregue uma certa tristeza quando penso nele e em tudo o que aconteceu. Sendo assim, fiquei pensando muito não só no que responder, mas também em como. Não quero ser aquela pessoa que fica devolvendo e perpetuando as dores. Também não posso — e isso aprendi à dura pena — deixar que as pessoas me firam. Enfim, respostas difíceis precisam ser dadas, e eu não sou de correr delas. Respondi ao comentário como faço com todos que por aqui passam. 


💚

O primeiro semestre passou voando e foi intenso. Acho que vou precisar de um tempo para processar tudo o que aconteceu e está acontecendo. O que posso dizer é que, de um modo geral, eu me sinto muito grata por tudo o que rolou (desde a alta que tive de um acompanhamento médico que durou dois anos, às pessoas novas que conheci e que tanto me acolheram com amor, passando por todos os presentes que ganhei de tanta gente tão maravilhosa, aos aprendizados que adquiri vivendo e, claro, a notícia da vinda dos cinco lá. #contandoosdiasproTheTown hahaha).

Que o segundo semestre seja saudável, próspero e cheio de amor para todos nós!😍💚
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domingo, 15 de junho de 2025

{Resenha} Essa história está diferente: dez contos para dez canções de Chico Buarque, org. Ronaldo Bressane

domingo, junho 15, 2025 3

Publicado pela Companhia das Letras, Essa história está diferente: dez contos para dez canções de Chico Buarque é uma grande celebração tanto da obra do Chico Buarque, quanto de como literatura e música podem caminhar juntas. A obra foi organizada por Ronaldo Bressane e traz contos de Alan Pauls, André Sant’Anna, Cadão Volpato, Carola Saavedra, João Gilberto Noll, Luis Fernando Verissimo, Mario Bellatin, Mia Couto, Rodrigo Bressane e Xico Sá.


Cada um dos autores escolheu uma canção do Chico, para ter como inspiração para a escrita de um texto. Houve uma liberdade de como a criação do conto se daria e é justamente isso que torna o livro muito interessante. A diagramação do livro ajuda muito a observar como cada escritor lidou com o seu processo: há o título do conto, o nome do autor, a letra da música escolhida e o texto. Há escritor que optou por colocar a música como elemento da narrativa, há autor que usou cada estrofe como partes do conto, há ainda o que transformou versos em falas. Além disso, há contos estruturados de diferentes modos: blocões, contos divididos em partes sem títulos, em partes com títulos, contos sem divisões, contos com um e com múltiplos narradores.


É notável como o mesmo tema — da música e do conto — pode ser visto com diferentes olhares. Esse exercício criativo nos demonstra como a vida é múltipla e a criatividade move as pessoas. Os relacionamentos humanos permeiam a maior parte dos temas. Isso também é interessante de notar, porque cada autor foi para uma vertente: pai e filha, namorado e namorada, chefe e funcionário, amante e amado. Os retratos são muitos e isso também torna a leitura muito agradável e dinâmica. Para quem gosta tanto de observar processos criativos, quanto de boa prosa, e da obra do Chico Buarque Essa história está diferente: dez contos para dez canções de Chico Buarque é uma grande pedida!




Livro: Essa história está diferente: dez contos para dez canções de Chico Buarque 
Autores: Alan Pauls, André Sant’Anna, Cadão Volpato, Carola Saavedra, João Gilberto Noll, Luis Fernando Verissimo, Mario Bellatin, Mia Couto, Rodrigo Bressan e Xico Sá
Organização: Ronaldo Bressane
Tradução dos contos "O direito de ler enquanto se janta sozinho", "Os fantasmas do massagista" e "A mulher dos meus sonhos e outros sonhos": Josely Vianna Baptista
Páginas: 264
Editora: Companhia das Letras
Apresentação/Sinopse: Em Essa história está diferente, dez autores de estilos diversos recriam em ficção o cancioneiro do compositor carioca Chico Buarque. Na composição do time de autores, organizado pelo escritor e jornalista Ronaldo Bressane, a ideia foi universalizar o imaginário do autor de Budapeste e Leite derramado. Pelo caráter multifacetado, a obra do compositor de versos como "O meu pai era paulista/ Meu avô, pernambucano/ O meu bisavô, mineiro/ Meu tataravô, baiano/ Meu maestro soberano/ Foi Antonio Brasileiro" sintetiza o Brasil - e cada vez mais conquista o mundo. Os registros literários captados por esta antologia foram os mais díspares: alguns contos se baseiam fielmente nos "causos" musicados por Chico, outros os usam como trilha sonora, cenário, atmosfera, outros emprestam das canções a estrutura, e há aqueles que somente o utilizam como mote.
Entre os autores internacionais, o argentino Alan Pauls adaptou "Ela faz cinema" e a transformou na história de um pai zeloso que combina o ciúme pela mulher e pela filha com manias como ler num restaurante enquanto come; o mexicano Mario Bellatin inspirou-se em "Construção" para ambientar a narrativa de um homem que, numa consulta ao fisioterapeuta, escuta uma história bizarra envolvendo uma declamadora de versos e um papagaio; o moçambicano Mia Couto criou um conto romântico a partir de "Olhos nos olhos"; e o também argentino Rodrigo Fresán escolheu "Outros sonhos" para um conto-ensaio tecido sobre variações oníricas.
Entre os brasileiros, Carola Saavedra esmiúça em detalhes uma discussão de relacionamento em sua narrativa baseada em "Mil perdões"; André Sant'Anna preferiu "Brejo da cruz" para falar do presente e do futuro dos meninos de rua; Cadão Volpato parte de "Carioca" para tratar da história de amor entre um jovem intelectual e uma misteriosa garota que se hospeda em sua casa; João Gilberto Noll recriou "Vitrines" em registro de novela gótica, focando a relação obsessiva entre dois homens que se conhecem num shopping; Luis Fernando Verissimo cozinhou "Feijoada completa" em chave de comédia da vida privada; e, por fim, Xico Sá reescreveu "Folhetim" como um triângulo amoroso contado por um carioca desmemoriado que talvez tenha perdido a mulher numa Quarta-Feira de Cinzas.
Uma surpresa a cada virada de página. Com as canções de Chico na cabeça, o leitor vai se admirar com as inúmeras possibilidades narrativas que elas inspiram e com o inesgotável gênio criativo desses principais nomes da literatura contemporânea.
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domingo, 8 de junho de 2025

Seis anos de publicação: reflexões de uma jornada de escrita e de leitura

domingo, junho 08, 2025 7
Há 6 anos, eu publicava o meu primeiro livro.

Hoje, 8 de junho, faz seis anos que publiquei o meu primeiro livro, A Intermitência das Coisas: sobre o que há entre o vazio e o caos (Editora Litteralux). Ao mesmo tempo que foi ontem, parece que vivi uma vida inteira desde aquele dia.


Me considero escritora desde que abri o meu primeiro blog, Escritos Humanos, lá pelos idos de 2004. Minha carreira foi ganhando consistência, no entanto, quando eu comecei a trabalhar aqui no Algumas Observações, em 2006. Entretanto, há um mito no imaginário coletivo de que pessoas só se tornam escritoras quando tem o objeto livro publicado em formato físico. Há uma necessidade intrínseca de pegar o livro nas mãos e fazer aquilo chamamos de Leitura Sensorial. Talvez por isso mesmo que comemorar o aniversário do A Intermitência sempre me traga para um espaço de reflexão: porque foi a partir dele que muitas pessoas ao meu redor passaram a me considerar “escritora de verdade”, ainda que eu nunca tenha sido “escritora de mentira”.


Meu livro em Paraty, durante a Flip.


É claro que eu ainda não preencho todos os requisitos para muitos leitores por aí. O motivo? Meus livros literários solos são todos de poesia. Se, para mim, escritor é quem escreve, para muita gente ser poeta não é ser escritor (assim como ser cronista ou contista também não). Vejo a empolgação e a frustração toda vez que o seguinte diálogo se repete:

 

— O que você faz?

— Sou professora e escritora. Tenho dois livros literários e um didático publicados. O meu primeiro foi traduzido para o espanhol.

— Sério? E sobre o que fala as histórias dos seus livros?

— Na verdade, meus livros são de poesia.

— Ah…

 

✨ Veja como foi o lançamento do A Intermitência das Coisas, clicando aqui.💙


O ar reticente vem muitas vezes com “poesia é tão difícil, né?”. Com jeitinho, tento responder que “não, poesia não é difícil”. Eu — e aqui falo também como professora de língua e de literatura — não acho que ler ou escrever poesia seja difícil. Acho apenas que nós — sejamos leitores ou escritores — temos que entrar por essa porta com uma chave diferente.

Os múltiplos abraços no dia do lançamento. 

Pensando na analogia da chave: você não abre um cadeado com a chave do carro, do mesmo modo que você não tranca um portão com a chave de uma gaveta ou de um armário. Com a leitura e com a escrita acontece algo similar: não adianta eu ler um poema esperando dele o que viria no romance ou num artigo científico. São chaves diferentes. A gente precisa entrar no livro com a chave certa.


Certa vez, me peguei pensando qual é o propósito da minha escrita e cheguei à conclusão de que tudo o que faço, seja como blogueira, como autora de livros, seja como professora é tentar ser ponte para que as pessoas percam o medo dos livros, da palavra escrita, da poesia.  E por que isso? Porque a poesia está da vida, mas o sistema estabelecido socialmente vai matando o nosso olhar artístico para as belezas ao nosso redor. A gente se acostuma com o piloto automático. E como já diria Marina Colasanti, “Eu sei que a gente, mas não devia”.


✨ A intermitência das coisas nas bibliotecas públicas de São Paulo. 💙


Há 6 anos eu venho, profissionalmente falando, dizendo que se textos de não ficção são para serem lidos com o racional; a prosa, num mix de razão e de emoção; a poesia — assim como a sua irmã: a canção — é para ser lida com o emocional. Quando a gente abre o coração, a gente sente a poesia. Poesia é feita para ser, sobretudo, sentida. Via de regra, quem quer analisar intelectualmente um poema é alguém que exerce a função de crítico literário.

Meus livros juntos. :)

Estou dizendo que só críticos podem analisar intelectualmente? Não. Mas pense comigo: tente se lembrar de um poema ou de uma canção que você já leu/ouviu e de que gostou muito. Muitas vezes, esses os versos entraram nas suas entranhas. Você gosta porque gosta, porque o poema ou a canção moveu um sentimento tão profundo, intrínseco, inconsciente, que fica difícil racionalizar por que raios você gosta tanto daquele texto. É sobre isso que estou falando. Quando a gente lê um poema com essa chave, a poesia se torna muito menos assustadora. E é por isso que eu continuo a escrever poesia: porque essa forma de escrita me acessa nos meus lugares mais recônditos e porque eu sei que se meu leitor perder o medo, ele também vai encontrar os lugares mais recônditos dentro de si.


Seis anos se passaram e o A Intermitência segue firme me ajudando nessa missão. Além de alcançar leitores em língua portuguesa, ano passado ele foi traduzido e agora pode ser lido en español, além de ser vendido no Brasil e na Argentina. Eu só posso agradecer por saber que há leitores nacionais e estrangeiros que se permitem navegar pelos meus versos — com medo dos versos ou não. São justamente esses leitores que continuam a me dar forças para ser um pequeno ponto de luz poética insistente contra essa vida corrida e líquida que tenta nos engolir o tempo todo. A todos que me leem, muito obrigada! 


✨Quer apoiar meu trabalho como escritora? Meus livros estão à venda e você pode conferir todos os títulos aqui! Obrigada por ler, seguir, e caminhar junto nessa jornada de palavras. 💙💜

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domingo, 1 de junho de 2025

Agenda aberta: se o seu projeto de vida tem palavras, eu posso te ajudar

domingo, junho 01, 2025 2


Se tem uma coisa que sempre me fascinou, é o poder que as palavras têm de construir mundos, de gerar e sanar dúvidas, de aproximar pessoas, construíndo e estabelecendo laços. Foi essa paixão que eu transformei minha profissão, afinal, como muitos de vocês sabem, sou formada em Letras e segui toda a minha carreira acadêmica e profissional nesse universo.


Às vezes, as pessoas me perguntam como eu dou conta de trabalhar em tantas frentes diferentes de atuação. A verdade é que eu AMO a versatilidade que a graduação em Letras me proporciona! 💚 Por isso, quero compartilhar como eu posso te ajudar, caso o seu sonhou ou projeto de vida envolva o lidar com as palavras nas mais diversas vertentes. Vamos lá?!





Para começar, sou professora particular de escrita literária, ou seja ajudo quem escreve — ou quer escrever — a tirar as ideias da cabeça e colocá-las no papel com clareza, estilo e propósito. Seja no romance, no conto, na crônica ou na poesia, meu trabalho é guiar, provocar, afiar. No acompanhamento literário, foco apenas no seu projeto de livro. Já na mentoria, ampliamos: além de aprofundarmos na sua escrita, eu te ajudo a pensar e a estruturar a sua carreira de escritor(a).


Também sou uma professora de língua portuguesa que tem aquele olhar afetuoso sobre gramática. Se você tem medo, acha que não sabe, quer aprender ou apenas quer relembrar as regras gramaticais e como ela se relaciona com outras áreas de estudo (como a linguística, a fonétca e a semântica), você está com a professora  certa! A ideia não é decorar regras, mas entendê-las como ferramentas a serviço da comunicação — inclusive para quem odeia vírgula, tem trauma de crase e corre dos grandes nomes como "Período Composto por Coordenação e Subordinação". Sim, tem jeito! Só vem!


Outro medo comum das pessoas é aprender língua estrangeira. Está  traumatizado como verbo to be? Pois bem, também dou aulas de inglês. Gosto de construir caminhos personalizados para cada aluno, respeitando ritmo, gostos e metas reais — sem pressa, sem pressão, mas com muito progresso. A regra aqui é que as aulas devem ser emocionalmente positivas! 


Além disso, trabalho com edição, preparação, leitura crítica e revisão de textos para autores e editoras independentes. Isso significa mergulhar nos livros dos outros com o maior cuidado do mundo, ajudando a lapidar estilo, garantir coerência e deixar tudo redondinho para o leitor final. Entre uma vírgula bem colocada e uma metáfora bem construída, sigo nesse ofício de escutar, orientar, organizar e transformar textos — e vidas — com palavras.


Veja o meu portfólio completo:

Portfólio completo 2024 de Fernanda Rodrigues


Somado a tudo isso, sou escritora com 4 livros publicados. você pode conhecê-los clicando aqui.

Ficou interessado? A boa notícia é que estou com a agenda aberta para novos alunos e autores!
Se você quer aprender, escrever ou revisar um projeto com carinho ou dominar idiomas, vem conversar comigo. Vai ser um prazer te acompanhar nesse processo. 

Você pode pedir um orçamento ou marcar uma reunião para conversarmos melhor via e-mail: contato@algumasobservacoes.com 😉

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domingo, 25 de maio de 2025

{Resenha} Também eu danço, de Hannah Arendt

domingo, maio 25, 2025 2
Você sabia que a Hannah Arendt também é poeta?


Também eu danço é um livro póstumos de poemas da filósofa e pensadora Hannah Arendt, publicado no Brasil pela editora Relicário e pelo Goethe Institut, em edição bilíngue — alemão e português. A tradução e o prefácio (“Arednt poeta”) ficaram a cargo de Daniel Arelli. A obra conta ainda com texto de orelha da professora Patrícia Lavelle e com um posfácio intitulado “Sobre os poemas de Hannah Arendet”, assinado por Irmela von der Lühe.

A maior parte dos poemas são curtos e alguns seguem uma estrutura que respeita esquemas de rima — muitos deles, com um tom bem-humorado. Muitos deles retratam o interior da poeta, de forma a relatar o que lhe era importante: as amizades e os seus amores.

51.
[Sem Título]
O poema espesso adensa
salva a essência contra o infenso.
Casca, quando irrompe a essência
mostra ao mundo um dentro denso.

(Hannah Arendt, Também eu danço, página 119)

Sua lírica foi escrita em 2 ciclos — o primeiro, vai de 1923 a 1926; o segundo, de 1942 a 1961 — tendo um hiato entre 1927 e 1941. Como dito, os amores e as amizades foram importantes para a produção. Há poemas dedicados/escritos para o amor jovem que ela sentiu pelo professor casado Martim Heidegger, antes de ele se relacionar com o Nazismo. Ainda dentro dos poemas de amor, há os versos ao seu primeiro marido Günther Anders, e ao filósofo Heinrich Blücher, com quem dividiu o segundo matrimônio. No hall dos amigos, temos poemas dedicados a grandes nomes, a exemplo de Walter Benjamin e Hermano Broch; já no das leituras, Arendt cita Goethe e Platão.

Tanto o texto de abertura, de Daniel Arelli, quanto os textos que vêm ao fim dos poemas, ajudam demais na compreensão dos poemas. Além disso, há notas no fim do livro que apoiam a leitura dos versos.

A leitura de Também eu danço é fluida, mas que nos coloca para pensar em muitos momentos. Há um tom existencialista em muitos dos versos que coloca o leitor para refletir sobre a poética do livro e a poética vista no dia a dia atual. Em muitos momentos, há a provocação de onde mora a poesia e como essa poética é um lugar. Prato cheio para os leitores amantes da leitura lírica. 😉

63.
[Sem título]
Felicidade é ferida
e seu nome é estigma
não cicatriz. É o que diz
a palavra do poeta.
O dizer da poesia
é lugar, não lar.

(Hannah Arendt, Também eu danço, página 119)

Capa.


Livro: Também eu danço: Poemas
Título original: Ich selbst, auch ich tanze: Die Gedichte
Autora: Hannah Arendt
Tradução: Daniel Arelli
Edição: Relicário e Goethe Institut
Páginas: 228
Apresentação: “Pela primeira vez o público leitor de língua portuguesa tem acesso à totalidade da produção poética de Hannah Arendt. Embora estejam disponíveis traduções ao português de alguns poemas esparsos da autora, não raro em artigos acadêmicos e como suporte de interpretações de sua produção teórica, só agora vêm a público em português, coligidos, todos os 71 poemas produzidos por Arendt no decorrer de sua vida. Esse aparente atraso – afinal, a pensadora faleceu há quase meio século – não é uma singularidade do mercado editorial brasileiro ou lusófono. Mesmo na Alemanha, terra natal da autora e em cuja língua foram escritos os poemas aqui traduzidos, a produção poética de Arendt só encontrou em 2015 sua edição definitiva (que serve de base a este livro).
Esse fato se deve a uma série de razões, não por último a procedência e o destino incerto de vários desses textos. Com efeito, a produção poética de Hannah Arendt se deu de forma bastante intermitente e irregular no decurso de sua vida. Dos 71 poemas que chegaram até nós, Arendt compôs os 21 primeiros entre 1923 e 1926, quando mal entrara na idade adulta – ela nasceu em 1906 – e se encontrava em intensa relação (e correspondência) com o filósofo Martin Heidegger, o destinatário ideal e provavelmente também grande inspirador dessas composições de juventude. Já as demais 50 peças poéticas de Arendt foram compostas de forma mais esparsa entre 1942 e 1961 e acompanharam diferentes momentos da vida e da produção intelectual da autora. De 1961 a 1975, em seus últimos 14 anos de vida, portanto, a filósofa não mais escreveu poemas.” (Do prefácio de Daniel Arelli)
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domingo, 18 de maio de 2025

Expectativas desleais (um bom encontro é de dois)

domingo, maio 18, 2025 11
Imagem por Rattanakun.



“Não tenho o que dizer e mesmo se tivesse, são só palavras.”


Que diferença faria? Fátima olhava para a tela do celular meio incrédula. Depois de tantos anos, aquele inferno se repetia: sempre que ela criava um perfil numa rede social nova, Álvaro aparecia. “Recomendações”, “Talvez você conheça”, “Pessoas que seus amigos seguem” ou quaisquer outras versões a que ela chamava de “trago uma porcaria de volta para a sua vida com um click". Não adiantou excluir o número dele do celular, não adiantou apagar todos os e-mails dele do contato, não adiantou destruir todas as trocas. Quase 15 anos depois ele continuava reaparecendo. Ora se gabando do próprio trabalho, ora com um perfil vazio, sem publicação alguma além da foto e do texto do perfil. Um fantasma que se materializava por meio de bytes na rede mundial de computadores. Já Fátima? Bem, ela continuava pesquisando como bloqueá-lo da tal nova rede social do momento. Movimentos cíclicos. Assim a vida seguia. Ou seguiria, porque desta vez foi diferente. Não deu tempo de Álvaro aparecer para ela, não deu tempo de Fátima fazer a pesquisa. O block tão necessário não foi feito com a antecedência preventiva.

Era uma tarde de sábado bem chuvosa, dessas que fazem a cidade toda alagar, transformando tudo em puro suco do caos. Depois de horas entre leituras e séries, Fátima parou para tirar o celular da tomada e foi ali que ela viu a notificação de uma mensagem de alguém que a quem não seguia.


“Oi… Desculpa escrever assim… do nada…. Tem jeito… de a gente… conversar?”


Quase 15 anos depois. Almost fifteen fucking years later. Por quê? O nome de Álvaro parecia brilhar mais do que o comum na tela, embora não tivesse nada de especial. Não deveria ter. Fátima sabia que ninguém ressuscitaria daquela conversa, não haveria milagre saindo das catacumbas. Por mais que ela tenha sonhado com esse momento por anos. Por mais que ela tenha ensaiado mentalmente o que diria em looping. Fátima conhece Álvaro como ninguém. E ele a conhecia a versão dela, que ele matou quando a abandonou, como ninguém.

“Acho melhor não.”


Fátima andou por todo o pequeno apartamento, celular na mão relendo a mensagem de Álvaro, palavra por palavra, sabendo que não havia paz. Mesmo quando o mundo se transformou, e as vidas online e offline passaram a caminhar juntas, nunca houve paz. Não houve paz quando Álvaro nunca quis assumir o relacionamento. Nunca houve paz, quando ele a deixou na mesa sozinha para cumprimentar o amigo, como se ele não estivesse acompanhado. Nunca houve paz quando ele pedia para que ela alisasse o cabelo. Nunca houve paz quando ela abriu mão do sonho de ter gatos só porque ele ama cachorros ou quando disse que teria filhos, mesmo quando ela nunca quis crianças. O ar saiu ruidoso de seus pulmões. Não, não tem mais jeito.

O corpo de Fátima tombou no sofá desolado. Há tempos não pensava nele ou na intervenção divina que os colocasse em contato novamente. Agora ela estava ali, diante das palavras de Álvaro, um Álvaro que estava perguntando se ainda tinha jeito.

“Não tem mais jeito. It's over.

Seria mais fácil bloqueá-lo e sumir do mapa mais uma vez. Mas, onde estava a bendita função de bloqueio? Por que raios as redes sociais não deixam isso às claras? Abriu o Google e iniciou a já atrasada pesquisa, até que a notificação subiu outra vez:

“Eu sei… que você está chateada… eu fiz muita coisa errada… estou tentando corrigir… a vida mudou muito… queria te dizer… o que eu sinto…”

As reticências sem sentido – como sempre, infestando as mensagens como formigas de fogo – irritavam Fátima profundamente. A raiva rápida que corria pelo corpo a fez se levantar para mais uma ronda descontrolada pelo minúsculo espaço. Por que logo agora que a vida estava se ajustando? Por quê? Jogou o aparelho sobre a cama – It’s too much. Pesado demais. – Entrou no banheiro e fez xixi com a porta aberta, a gata a observando de soslaio. Voltou ao quarto, não preciso responder isso agora, pegou uma muda de roupa, retornou ao banheiro e entrou embaixo do chuveiro quente. É só bloquear. Por que tanto cuidado em não sumir do nada, quando o Álvaro sempre esteve cagando pra mim? Maldita responsabilidade afetiva.

Ao sair do banho, uma notificação e uma tentativa de ligação de vídeo fez com que Fátima retornasse à sua pesquisa. Coragem. A vida é feita de coragem.

“Há tantas pessoas especiais por aí, você não precisa de mim.”

“Você não entende… você nunca… entendeu…”

“Álvaro, é melhor que você se cure de mim.”


Finalmente ela encontrou um vídeo-tutorial de 30 segundos chamado “como bloquear um desquerido na nova rede social do momento”. Antes de seguir o passo a passo, voltou ao chat e completou:

“Boa sorte.”

Álvaro está digitando…


Conto inspirado na belíssima canção da Vanessa da Mata com o Ben Harper. 

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domingo, 11 de maio de 2025

{Resenha} Escrever sobre escrever poesia, de Eduardo Milán

domingo, maio 11, 2025 4


Escrever sobre escrever poesia é uma obra estruturada em três partes com sete ensaios que refletem vários pontos da escrita poética. Seu autor, Eduardo Milán, é um poeta e ensaísta uruguaio, filho de mãe brasileira, que atualmente vive no México. Seus textos têm, portanto, um olhar profundo sobre a arte produzida na América Latina, ainda que a poética latino-americana tenha influência de grandes nomes europeus.

Conforme aponta Teresa Arijón no prefácio "Eduardo Milán. Quando no pensamento/retumbam tambores e zumbam ventos", o livro de Milán nos traz "Escritos numinosos, rigorosos, rasgados, cometidos e acometidos por um dos mais nobres — no sentido de singular ou particular em sua espécie — poetas da América Latina. Um poeta que é argonauta, pedra-ímã, ocelo, eclipse". (página 7)

Como um erudito, Milán traz para dentro do seu texto o intertexto com grandes nomes, a exemplo de Rimbaud, Marllamé, Baudelaire, Walter Benjamin, Nicanor Parra, Ezra Pound, Pablo Neruda, os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari. Ele também resgata o Simbolismo e as Vanguardas. Sendo assim, é importante ter o mínimo de conhecimento prévio sobre sobre os autores e os períodos referidos para tornar a leitura dos ensaios mais fluida. 

"Em todos poema há um cruzamento de caminhos. Em um grande poema há mais de um cruzamento de caminhos. A metáfora é ainda a de ir, a de ir indo. Não quero entrar no motivo da viagem porque entrar aí é realmente entrar: não saímos por qualquer porta na aventura do conhecimento. Ulisses, por mais dados. Em todo poema o maior prazer é perceber a eleição de um caminho, não de outro, a aposta pela direção única que nos guiará por onde só intuimos e não necessariamente sabemos". Eduardo Milán (página 12)

Os textos são gostosos de ser lidos por se comporem de uma escrita ágil em que o autor aborda temas como o que é ler e escrever poemas, a passagem (do poeta e do leitor) pelo intertexto que os versos trazem e como este intertexto proporciona o encontro, a suspensão que ocorre no tempo da leitura e o ritual de decomposição da poética lida, a importância do momento prévio (anterior) que remete ao conceito de antipalavra, a poesia como aproximação do que queríamos dizer (e cuja linguagem não acompanha o pensamento exato). Ele continua costurando como o processo de colonização interfere na produção poética dos modernistas, de como os temas catastróficos atuais (vírus, terrorismo, pandemias) são tidos como "as promessas da ordem atual do mundo que protege o mundo que se situa sob essa ordem, às margens da arte" (página 24) e como isso acaba criando a demanda do ofício do poeta.

"Escrever poesia é estar exilado antes de sair ao exílio. 'Sair ao exílio': eis aí uma quantidade abismal, uma vertical expressiva. É como ir caindo sem jamais tocar o chão 'um caindo que não encontra chão', uma expulsão ao éter, um parto ao domínio do imenso. Há que colocar maiúscula em 'imenso'? Prefigura uma porta de entrada à saída. Há um porteiro na saída? Um guardião na entrada? Não foram vistos. Talvez porque o exílio é um distanciamento, não só do país de origem; um distanciamento permanente, em uma constante 'linha de fuga' o exílio se distancia do exílio." Eduardo Milán (página 27)

O exílio, o fragmento, a suspensão. Como tudo isso faz parte do fazer poético (sobretudo, do latino-americano). É interessante notar como Milán apresenta tudo isso ao leitor com um olhar de quem também nasceu abaixo da linha do Equador e que, portanto, conhece as peculiaridades tanto da população leitora, quanto do seu fazer artístico como um todo. Nesse sentido, o exílio, o fragmento e a suspensão ganham potência na contradição: a especificidade se dá no "poder falar em forma múltipla", ainda que "dentro do olhar global" necessite do "reconhecimento de sua especificidade" (página 31). Neste ponto da obra, Milán reflete sobre as condições globais e como elas, de certo modo, impactam na coloquialidade adotada na poesia a partir das Vanguardas.

Livro Escrever sobre escrever poesia, de Eduardo Milán, caderno Bora escrever, do  Projeto Escrita Criativa, e canetas. Todos a postos para um momento de criatividade.


Então, ele aprofunda a ideia de vanguarda artística, da recusa, da mudança e da transformação social (e como a poesia abarca, abriga, se repagina e ajuda a repaginar o mundo). Literatura e sociedade caminhando de mãos dadas, recusando o sentido imposto, transmutando o dado numa garantia de humanidade frente o conceito de morte da arte da produtividade desenfreada. Poesia como forma de transgressão. Neste ponto entra o papel da crítica literária e de seus críticos que querem, cada um a seu modo, manter um status quo.

"A obra de um poeta não justifica nada. O erro não diz respeito aos poetas — na medida em que não podem ser valorizados pelo que não fazem —: a falha é responsabilidade de uma crítica corrupta que medra com seus instrumentos postos a serviço de uma ordem inamovível — inamovível porque as alternativas ao poder têm a mesma noção cultural que a ordem dominante —, uma crítica cuja degradação se tornou paradoxal: uma crítica que não é crítica. A situação não é a mesma em toda América Latina. No México é especialmente presente esse tipo de desgaste; não é assim na Argentina nem no Brasil, para dar exemplos claros do pensamento. (...) O que desarticula é ver a poesia latino-americana que se escreve desde algumas décadas circular sem valorização crítica e em mãos de um leitor que confunde uma escrita com outra porque já tinha confundido um pensamento com outro pensamento. Não é o acaso que definiu situações: há interesses — que na prática são desinteresses — pra que nada mude de lugar em termos culturais. Nossas culturas — e a poesia há muitos anos na América Latina entrou nesse jogo — herdam a eternidade, mas não se disctem o presente. As obras são escritas no presente e esperam — outra vez mesmo — ser julgadas pela eternidade". Eduardo Milán (páginas 71 e 72)

Após aprofundar o exílio, o fragmento e a suspensão, entram em cena a ausência e o esquecimento, a substituição e a emergência. De acordo com o autor, é assim que a poesia moderna se configura e que a contemporânea se compõe. Neste embate discute-se a quem pertence a palavra, como o leitor a ordena, como as retóricas se conversam (ou não). O leitor torna-se ponto de apoio fundamental para o entendimento da poética atual. Aparecem também a demanda exterior que leva o poeta em direção à linguagem, a desarticulação que leva a uma recaracterização da tensão dentro-fora, o controle social da linguagem e a repressão que também recai no campo poético, o como escrever a partir do que se sente e a escrita que vem a partir da criação do poema "do nada" — defendido pelos irmãos Campos e por Décio Pignatari, com raiz marllameana — e como isso esbarra ainda na poética de Octavio Paz.

A obra traz ainda a análise da poética latino-americana sob a ótica de algumas produções como Trilce, de César Vallejo e de Residencia en la tierra, de Pablo Neruda e as "visões de quatro e o poema que não está", em que Milán foca em falar sobre os poemas "Blanco", "Advertencia al lector", "El desierto de Atacama", "Hospital Británico" e "El poema que no está", em que estes pontos previamente discutidos são vistos em prática.

Como pode-se notar, Escrever sobre escrever poesia é um excelente livro para poetas e estudantes de poesia brasileira e latino-americana, justamente por abrir portas para reflexões profundas e mais direcionadas à nossa realidade.

Capa.



Livro: Escrever sobre escrever poesia
Autor: Eduardo Milán
Tradução: Cláudia Dias Sampaio
Páginas: 204
Editora: Circuito
Coleção: Nomadismos
Apresentação: Eduardo Milán é um dos poetas e ensaístas mais criativos, sutis e influentes da América Latina. Um “raro”, como os que descrevia o nicaraguense Rubén Darío. Nasceu no Uruguai em 1952, numa cidade pequena chamada Rivera, separada por uma rua de outra cidadezinha: Santana do Livramento, no Brasil. Sua mãe, brasileira, morreu quando ele tinha dois anos. Dela herdou a primeira língua, e de sua própria e tenra orfandade a urgência de “escapar em direção a outras latitudes imaginárias”, a iniciação na poesia. Seu pai, uruguaio, foi perseguido pela ditadura que corroeu o país nos anos setenta. Desde o final dessa década (ou quase) Eduardo vive no México, no Distrito Federal. Disse a respeito: “O México me deu as palavras com as quais escrevo. Teria escrito o que escrevi fora do México? Seguramente não”.


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