sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Das dores que não se vão

Imagem: Tama66.
É difícil pensar rápido quando o futuro se vislumbra em destruição a olho nu. Ficção científica, coisa de país subdesenvolvido, qualquer uma dessas balelas hollywoodianas, nada disso coube naquela avalanche de lama que deslizava sob a terra quente de verão. Imparável, ela se aproximava engolindo casa, carro, bicho e gente, forçando as pessoas a deixarem  ainda que sem entender o porquê da catástrofe  tudo para trás. 

Precisava pensar rápido, mas a magnitude do desespero era atraente demais. Latidos, miados, cacarejos, mugidos e choros se tornaram sinônimo de silêncio. O que importa além da vida? Meus entes corriam com a Poesia no colo. Eu tinha que correr também. Nunca pensei que o "fuja para colinas" que sempre dizia ao brincar quando um cara problemático surgia em minha vida seria lema para além da piada. Precisava correr para longe, mas era o interior da casa, do meu pedaço de chão, que me chamava, que berrava para que eu ficasse, que não a deixasse morrer sufocada pelo resto de minério e água que a poucos minutos insistiria em invadi-la, em um estado de rebeldia vingativa da natureza. A montanha explorada e destruída cobrava preço alto e éramos nós quem pagaríamos com juros.

A fração de segundos se prolongou ainda mais quando entrei na casa em vez de sair dela. Adentrei com a cabeça latejando, com o coração em disparada e aquele suador frio de quem vê a morte virando a esquina. O som da avalanche aumentava. A minha falta de fôlego, também. Agarrei a mochila, joguei dentro dela tudo aquilo que estava à mão e que me faria manter a sanidade  nessas horas, há sanidade?  e corri.

Já no alto do morro, vi a lama sedenta devorando a minha gente, o meu passado. Marcando para sempre o meu futuro. No presente, não há mochila e conteúdo que me console.

Texto ficcional escrito durante a reunião do Clube da Escrita para Mulheres. Para saber como participar, clique aqui.
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4 comentários:

  1. Só de pensar nisso, em como a vida dessas pessoas foi destruída tão rapidamente, tão inesperadamente... é triste demais! Além da perda material, há a perda do seu espaço no "mundo", do seu canto, das suas coisas, que eu acho que é algo muito além do material, é mais aquilo que te faz ser quem você é, sabe? Nossa, eu não consigo imaginar como foi tudo isso para aquelas pessoas.... e para as que não sobreviveram então, não tem nem o que falar... a forma como tudo ocorreu, sem aviso previo, sem chance de escapar para alguns, é de um desespero e nos causa uma impotência tão grande, que não dá pra descrever..
    Muito muito triste mesmo... :(

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    1. Oi, Jana!
      É uma tristeza sem tamanho mesmo. Não tem como dimensionar.

      Beijos

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  2. Nossa. Nossa.

    Não dá pra comentar esse texto Fernanda! Sei que é um texto ficcional, mas não consigo não pensar na dor daquelas tantas famílias que viveram essa catástrofe criminosa.

    Vidas que se perderam, histórias que foram engolidas pela lama e enquanto isso as ações da Vale subindo no mercado. A vida humana não vale nada, por isso precisamos tanto valorizar os encontros que a vida nos dá, os amigos, os amores, a vida das pessoas, porque no final das contas, vale mais aquilo que tem preço.

    Parabéns pelo texto.
    Enquanto isso, seguimos em luto e sentindo a dor dessas famílias. Esse ano está sendo dureza. A gente mal passa por uma tragédia e já vem outra pra nos derrubar.

    Um beijo,
    Aline

    www.inventandoassunto.com

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    1. Isso é o que mais dói: no fundo, essa tragédia se traduz em ser humano não se importando com ser humano. Dói constatar uma coisa dessas!
      O que fazemos nós para mudar tudo isso?

      Beijos

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Algumas Observações | Ano 18 | Textos por Fernanda Rodrigues. Tecnologia do Blogger.