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Vista da chegada a Buenos Aires. |
Naquele dia frio de inverno minhas mãos estavam trêmulas. Era a primeira vez que deixaria tudo para trás. Dá para transportar uma vida em uma única mala? A balança do aeroporto dizia que a minha bagagem pesava 15 quilos, mas as pessoas ao meu redor mal poderiam suspeitar que no meu peito eu carregava uma coragem banal e invisível, de que secretamente me orgulhava. Deixar o país. Eu, aquela que mal muda de bairro, abandonava pai, mãe, irmã, emprego, razão, livros, coleção, coração partido, desilusões diversas. Partia deixando tudo para trás.
As nuvens e a sensação de vazio. A expectativa e o medo de algo sair errado. Havia planejado tudo tão bem... O que poderia não dar certo? Logo vieram a conversa fiada no avião, o desvio de rota ao confrontar a frente fria, a turbulência, a permissão de pouso e a cidade, que deixava de ser quadradinhos marrons, e se aproximava. Avião no chão. Outro idioma, outras gentes. Eu ali.
Não me recordo o nome do motorista que nos conduziu de Ezeiza à calle Suipacha. Lembro-me apenas das dicas de vinho e de uma anedota de infância que ele nos contou de maneira simpática, dando-me o tempo necessário para traduzir o que era dito à minha amiga. Em cerca de quarenta minutos de trajeto, aquele carismático senhor conseguiu desconstruir tudo o que tinha ouvido sobre a frieza dos hermanos.
“O argentino pode ser extremamente cortês, não terno”, diria Cecília Meireles, que justificava a fama gélida dos portenhos pela herança espanhola que, em suas palavras, é mais dramática que a portuguesa. Mas, ao contrário do que muitos brasileiros afirmam, me atraio justamente pelo calor que vejo neste drama de forma binária. Ouvir o espanhol de sotaque carregado faz o meu coração transbordar. Perceber como o meu segundo idioma ressurge das catacumbas de minha memória é algo esplêndido. Se os amigos são os irmãos que escolhemos, a língua estrangeira aprendida é a terra em que resolvemos descansar. Ouvir as conversas entrecortadas dos transeuntes só me convencia cada vez mais disso.
A calle Suipacha é muito mais acolhedora pessoalmente do que vista pelo Google Street View. Seus prédios antigos, a igreja de São Miguel Arcanjo, o asfalto de paralelepípedo, o pequeno comércio local. Tudo me levou a uma outra dimensão que respira a História por todos os poros. De uma maneira que só os argentinos são capazes de pensar, aquela ruazinha consegue se manter a parte da agitação do Obelisco e da Casa Rosada – nossos primeiros passeios turísticos.
O entardecer veio em frente ao local de trabalho da então presidente, Cristina Kirchner. O soldado, em sua serenidade, recolheu uma bandeira hasteada na Plaza de Mayo, uma entre um milhão das que flamulavam alegremente nos topos dos prédios, enquanto o grupo de italianos tirava todos os tipos de selfies possíveis. A esta altura, o sol já se punha no ocidente, e as luzes da cidade ressaltavam a beleza arquitetônica das construções; sobretudo, a da Catedral Metropolitana, onde uma missa acontecia enquanto os turistas iam e vinham. Entretanto, o primeiro ponto que mais despertou a minha curiosidade foi o ritmo. As pessoas, ao contrário do que acontece em São Paulo, não se deslocam freneticamente. O andar, para os argentinos, é quase um ritual. Enquanto vai e vem, cada um se deixa encantar pela vista, pelas praças e por suas árvores transformando as calçadas em um tapete de folhas secas. Esta calma me traz de volta ao eixo que desejo para a minha vida; mas que, de alguma maneira, sei só consigo viver quando caminho por aquelas calles.
Aproveitamos a primeira saída para comprar alfajores. A urgência, no entanto, não era a de provar o famoso doce argentino, mas a de satisfazer as perguntas dos amigos brasileiros, que enfestavam as redes sociais, querendo saber o que minha amiga e eu pensávamos sobre tal iguaria. Durante aquela semana, transitamos entre Havanna, Cachafaz, Tito e Guaymallen, mas o que ganhou os nossos corações foi o Oreo com sua camada dupla de doce de leite. Eu sei, nada tradicional, mas muito saboroso.
Por outro lado, não posso dizer que não provamos da tradição. O café da manhã e suas medialunas, o almoço e suas milanesas con papas fritas, a pizza de muçarela na Güerrin e o vinho nosso de cada dia. Todos eles contribuindo para que eu não sentisse nem um pouco de falta do nosso bom e velho arroz com feijão.
Dizem que o primeiro contato com um lugar é sempre mágico. Com Buenos Aires não poderia ser diferente. Foi ali que vi os maras comendo nas mãos das pessoas, um museu que também é barco, os cachorros de Tigre preferindo o banho de sol à agitação das crianças, a artesã do mercado de pulgas, a história da Evita diante dos meus olhos. Isso reforçou aquele amor à primeira visita, que senti ao avistá-la na chegada, pela pequena janela do avião. A paixão, que me silenciou por minutos, é a culpada por trazer o desejo de dançar este tango mais vezes. Afinal, como não se emocionar com a beleza de uma cidade que vista do alto parece ser de lego?
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Oi Fê, que texto incrível! Me deixou com muita vontade de conhecer sua segunda morada.
ResponderExcluirO medo do desconhecido é normal, mas a sensação de descoberta, de liberdade em um destino novo é indescritível não é? Eu ainda não sai do país, mas já estou encaminhando uma viagem internacional, então estou super na expectativa. Atualmente minha cidade do coração é Floripa, que eu conheci ano passado e me apaixonei. Inclusive foi lá que experimentei Empanadas Argentinas!
Adorei a forma como você contou das primeiras impressões, do medo... Viajar é maravilhoso, é libertador e uma experiência de amadurecimento sem igual!
Um beijo,
Li
Inventando Assunto
Oi, Aline!
ExcluirAcho que esta expectativa é mesmo surreal! Mais legal ainda é ver que td deu certo no fim!
Fico feliz que você tenha gostado do texto. Sou louca pra ir a Floripa e super recomendo Buenos Aires. ;)
Beijos
Nossa realmente deve ser mágico toda essa mudança na sua vida. Embora assustadora a princípio a recompensa é reconfortante. Boa sorte nessa sua nova fase e que as adversidades não te impessa de aproveitar cada segundo. Um abraço.
ResponderExcluirOi, Julieta!
ExcluirEsta crônica foi escrita a partir da experiência de viagem que tive em julho do ano passado. De qualquer maneira, obrigada pelos desejos de boa sorte (porque pretendo voltar para lá!).
Beijos,
Fê
Nossa FER
ResponderExcluirQUE DELICIA!
Fiquei morrendo de vontade de ir pra Buenos Aires e sou dessas que nunca deixou nem Sao Paulo, quanto mais sair do pais hahaha
amei amei
sucesso nessa fase!!
falando em a bela e a fera - MININA saiu um livro da fera, queria ver se é bom haha
Um beijo!
Pâm - www.interruptedreamer.com
Pâm, esta é uma experiência que eu recomendo a todo mundo. Amo Buenos Aires e moraria lá em um piscar de olhos.
ExcluirEspero que você possa passar por isso algum dia!
Beijos
Cidade de lego foi boa kkk sempre quis ir aí, quem sabe um dia!!!
ResponderExcluir❣ Blog ❣ www.amigadelicada.com ❥
Uma metáfora que diz muito para mim!
ExcluirBeijos!