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Imagem por IgorShubin, sob licença creative commons. |
Acordei naquele dia e fiz o que sempre faço: cobri a cabeça com o cobertor, pensando no feriado que viria. Mais um na companhia da internet, sem colocar a vida para tocar. Não tinha a menor pretensão de sair da cama. A casa estava vazia e não havia ninguém com quem conversar, portanto, fiquei curtindo aquele aconchego de quem tem a preguiça como parceira.
Meia hora mais tarde, meu relógio biológico disse que era de sair do quentinho e ir ao banheiro. Ali notei que algo estranho acontecia. A chuva caia lá fora, sem o som característico dos pingos se chocando no chão, no telhado, nas janelas. Assustada, baixei a calça, a calcinha e comecei o meu xixi. Mais uma vez, não ouvi o barulho da minha urina se misturando à água do vaso sanitário. Um arrepio me percorreu a espinha. Me sequei, dei descarga, lavei as mãos. Nada, nada e nada. Nenhum som.
Caminhei pela casa com um nó na garganta. Queria gritar, mas tinha medo que meus próprios decibéis não chegassem aos meus ouvidos. Liguei o rádio e a TV, ambos no último volume. Nenhum ruido. Nem um suspiro. Já aos prantos, peguei o telefone. Pensei em recorrer à minha mãe, mas como entenderia a mensagem dela do outro lado da linha?
Joguei as coisas na bolsa, liguei o carro. Iria rezando até o hospital, torcendo para que lá eu conseguisse encontrar algum especialista em surdez repentina. Como pode, Senhor, eu ir dormir bem em um dia e acordar sem um único som no outro? Mais uma vez, liguei o rádio sem sucesso.
A chuva, então, se transformou em tempestade. Liguei o limpador de para-brisa; que, por sua vez, não dava conta de tanta água. Era chuva, era lágrima, era trânsito, era desespero... E então a falta de tempo para reagir: aquele ônibus se chocou no meu carro, que deu piruetas no ar, enquanto minha cabeça tentava se desprender do corpo preso ao cinto de segurança. Os vidros se estilhaçaram em silêncio com o impacto na lataria no chão. Câmera lenta. Silêncio. Dor. Senti a vista escurecendo enquanto lutava com a minha necessidade de sobrevivência, meu desespero de sair dali, antes que o pior acontecesse. Impossível.
Estrondo. Acordei com o som do despertador, me dizendo que era hora de ir trabalhar. Nunca me senti tão feliz por isso.
Este texto faz parte do Projeto Escrita Criativa, que reúne escritores e blogueiros para colocarem no “papel” suas ideias. Quem quiser conhecer mais, acesse a página ou o grupo do projeto. Lá há a lista de todos os blogs participantes. O tema da blogagem coletiva de maio era "Um dia em silêncio".
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Que história desesperadora hahahaha Quando tenho pesadelo, é algo muito real sabe? Tipo, meu corpo reage de verdade à situação e eu acordo com o coração acelerado. E quando caio na real e vejo que foi "um sonho", fico mega feliz hahahaha
ResponderExcluirÉ muito doido!
Adorei o sei blog e estou seguindo porque tudo aqui é lindo.
E você escreve muito bem :)
www.blogdahida.com
Oi, Hilda! :D
ExcluirA ideia era escrever um conto que captasse esse desespero!
Que bom que consegui :)
Obrigada por seguir ♥, você é mais que bem-vinda!
Beijos
Minha nossa, que texto incrível. Eu li como se estivesse sentindo o desespero de sua personagem. Meus parabéns por uma escrita tão bela. Lhe admiro muito. Quando eu crescer quero escrever como você, hahaha. Parabéns, novamente.
ResponderExcluirOi, Osmar!
ExcluirObrigada pelo carinho comigo e com a minha escrita! ♥
Beijos