terça-feira, 1 de março de 2016

Aquele da vontade de escrever (ou sobre os meus sonhos)


Hoje bateu aquela vontade de escrever sem pensar em nada. Sabe aquele lance de deixar o pensamento fluir no papel, sem ficar elaborando muito? Bem isso. Coloquei o meu lindo do Jamie Cullum para tocar e, cá estou eu, digitando freneticamente. 

A vida anda meio confusa deste lado da tela. Tenho me dedicado demais aos meus sonhos e menos a mim. Eu sei, paradoxal isso, afinal, os sonhos fazem parte de mim, não?

Meu primeiro grande sonho foi me tornar professora. Decidi quando tinha entre cinco e seis anos de idade e, desde então, corri atrás disso. Formei-me aos 26 anos, depois de muito esforço para conseguir dar conta de trabalhar, juntar dinheiro e estudar em um curso de uma universidade que valesse à pena (mesmo que isso significasse atravessar a cidade em transporte público por seis dias na semana, durante cinco anos...).

Ao fazer estágio, sempre ouvia das professoras um "você tem certeza?". Mas é aquilo, quem se escolhe ser professor atualmente, escolhe por ideal, por querer mudar o mundo de alguma maneira. Sim, tinha certeza. Ainda a tenho, embora - cinco anos depois - minha certeza carregue uma carga do peso, do cansaço e da indiferença. 

Você acha que o pior é a indiferença das pessoas quando você diz que é professor. É um lance de sorrisinho amarelo, seguido de um "admiro o seu trabalho" que soa mais como um "você é doido por escolher uma profissão que não dá dinheiro". Pois é, tudo se resume a isto: cifrões.... Então, você começa a enfrentar a realidade da sala de aula, e vê que há situações piores do que a família e os amigos te achando doido. São situações que muitas vezes vem seguida do "faça o que eu quero, porque meus pais pagam e me apoiam no que eu fizer" (sim, cifrões, mais uma vez) - às vezes o discurso vem implícito, às vezes, mais claro como água. E vale ressaltar que esta cultura, ao contrário do que muita gente pensa, não começa na adolescência, mas sim na infância, e segue ecoando por toda a vida. O que soa engraçado - se é que esta é a melhor palavra - e que isso vem justamente das crianças cujos pais dizem um "eu não sei o que fazer com o meu filho". Comportamento inadequado é reflexo de quê? Acertou quem disse "educação inadequada".

Eu sei, posso estar sendo cruel em demasia por querer que os pais acertem sempre. Todos nós somos humanos e, portanto, falhos, não? O problema é que esta empatia que se espera dos professores é uma via de mão única: os educadores tentam relevar as falhas dos pais; contudo, os pais esperam que os professores sejam além de docentes, psicólogos, babás, enfermeiros, assistentes sociais, atores, cantores, especialistas em toda a sorte de entretenimento (os alunos não podem sentir tédio) e ainda façam tudo à maneira de cada família; porque, afinal, estudamos Letras, Pedagogia, Matemática, Educação Física e qualquer outra licenciatura para fazermos como querem os pais engenheiros, advogados, médicos, contadores, vendedores, que não têm o preparo educacional que temos e que não estão nem disposto a ouvir por quais razões tomamos atitudes X e não Y... Diploma e anos de estudo para quê, mesmo? Se sou cruel é porque, sim, ter empatia e não senti-la de volta cansa. E muito.

A falta de apoio dos pais e a falta de respeito por parte dos alunos desgasta muito qualquer ser humano. Aliás, talvez seja justamente este o problema: as pessoas se esquecem que professores são, antes de tudo, seres humanos. Nós amamos, odiamos, sentimos raiva, fome, sede, alegria e tristeza. E se somos como qualquer um, por que a sociedade insiste em nos ver como seres impassíveis do sentir? Sim, eu me magoo com a falta de apoio dos pais. Sim, eu me entristeço quando meus alunos não fazem a tarefa de casa. Sim, eu dou o meu melhor e quero ver até o aluno com a maior dificuldade aprendendo. Dou meu coração, meu intelecto, minha vida em sala. O mínimo que espero de volta é um pouco de respeito. Não precisa me amar, só me respeitar como eu procuro fazer com todos. Será que é tão difícil perceber que eu sinto o meu sonho e que não consigo realizá-lo sozinho? Não há professor sem aluno. Não há bom aprendizado sem apoio dos responsáveis. Sinto o peso e doem-me as costas.

É claro que tudo tem o seu lado bom da moeda. Ver alunos me adotando como "Mom" (porque, muitas vezes, os pais trabalham tanto que não sabem minimamente quem são seus filhos) é uma honra para mim. E ouvir um "I love you" ou receber um retrato meu... Ouvir aquele "teaaaaaaaacheeeeeeeeeeeeeer", seguido de um abraço de urso e ver o brilho nos olhos de quem aprende. É por isso que vale a pena. O mundo inteiro é muito grande para eu conseguir mudar sozinha, mas mudar alguns mundinhos já me faz querer continuar neste caminho, mesmo que ele tenha muitas pedras em si.

O meu segundo grande sonho tornou-se mais claro nos últimos anos: a escrita. A prova disso é a recorrência deste tema por aqui. Por que escrevo e a minha relação com a escrita ganhou três posts (este, este e este aqui) no último ano e foi por isso que resolvi tentar aprender mais com quem é escritor de carreira reconhecida. No ano passado, comprei alguns livros sobre escrita e criatividade - alguns que ainda não li, como o do Umberto Eco, e alguns que estou lendo aos poucos, como o do James Wood - numa tentativa de amadurecer o meu processo e tornar os textos melhores - inclusive para o blog.

Foi assim que dei um google em "cursos para escritores" e encontrei uma reportagem sobre aquela que, sem dúvida, seria a pós-graduação da minha vida. Formação de Escritores de Ficção. Este foi o nome que fez os meus olhos brilharem e o meu coração sambar dentro do peito. 

O processo de inscrição por si só já exigia coragem. Além da ficha de inscrição, o envio de textos literários para a análise. Enviei só para saber o que aconteceria. Honestamente, estava mais preparada para o não do que para o sim. E qual foi a minha surpresa quando recebi o e-mail dizendo que havia sido aprovada? Estupefata, foi assim que eu fiquei. 

O segundo ato de coragem foi efetuar, de fato, a matrícula. Confesso que perdi a primeira semana de aula por "estar pensando" se iria ou não. Os amigos todos me incentivaram ao ponto de dizer um "ou você vai lá, ou I'm gonna kick your ass" (sutileza de elefante, que me fez ir com medo mesmo). 

É claro que tremi na base. Colegas de sala com experiências das mais diversas áreas de publicação (jornais, revistas, editoras), com anos de estrada, leituras e maturidade. E eu, ali no meio. Eu sei, quase dez anos de blog e um #75 no wattpad não são dados ruins, mas, mesmo assim... Pensei em desistir. Meus amigos - sempre eles! - não deixaram. Segui.

A primeira tarefa compartilhada era escrever sobre a leitura e a escrita. Passei um certo tempo à frente do computador digitando sem parar, até que fiz um texto que considerei bom. Publiquei aqui no blog e fui para a aula. Lá, ouvi três textos de colegas diferentes. O primeiro foi arrebatador. O segundo, visceral. O terceiro, extremamente criativo. Senti-me um bebê tentando falar as primeiras palavras diante de um gênio da oratória. É claro que resolvi mudar tudo. Na prática, não mexi tanto quanto pensei que seria, mas mudei a estrutura de prosa para carta. Na aula de ontem, entreguei uma cópia para cada colega. Com as faces coradas de vergonha, mas entreguei. É incrível como é muito mais fácil publicar aqui do que ver pessoas que são desconhecidas - ou pouco conhecidas - recebendo o meu texto. Aqui, mais um paradoxo, uma vez que, eu não conheço todas as pessoas que me leem no blog...

O dia hoje foi puxado. A manhã foi conturbada com alunos inquietos. A parte da tarde também não foi simples: crianças que normalmente são calmas, estavam fora do eixo. Atendimento individual com uma mãe. Reunião extraordinária com pais para ser planejada e claro, aquela turma em que ninguém faz lição de casa... Foi em meio a tudo isso que recebi três e-mails com comentários do meu texto. Meu coração sambou novamente. O que viria? Esperava a educação, mas o carinho foi tão gostoso e tão querido e surpreendente que, honestamente, ainda não encontrei palavras para agradecer. Leitura e escrita salvando o meu dia, mais uma vez.

Levar esta pós não será fácil. Ir para uma aula em que discutimos Clarice Lispector, Walter Benjamin, Dostoiévski, Freud, James Joyce, Virginia Woolf, depois de dar 10 aulas e - literalmente - atravessar a cidade, é um tanto exaustivo. Junta o cansaço psicológico da profissão ao cansaço físico. Junta o desejo de aprender ao desânimo de correr contra o tempo. Ler e reler várias vezes o mesmo texto só porque dormi pouco e trabalhei demais também não estava no script. De qualquer forma, sou cara de pau e pretendo vencer mais este desafio. 

Finais de semana, qualquer tempinho livre. Tudo tem girado em torno de leituras e escritas, com frases que giram em torno de "isso é para segunda" e "isso é para quinta". Lazer tem ficado um pouco de lado, leituras que não fazem parte da bibliografia também - ganhei dois livros de literatura infantil e comprei a biografia da Clarice Lispector, fora as duas leituras de cabeceira, que estão estacionadas... Escrever no blog também será um processo de encontrar um espaço numa agenda quase impossível (mas eu não vou abandonar o meu divã!).

Tenho me dedicado demais aos meus sonhos e menos a mim. Espero que os planos sejam bem-sucedidos ao final, mesmo que eu tenha que ouvir o famoso "escritor? Mas isso vai te levar aonde?". 

Dreams come true, they do.
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18 comentários:

  1. Respostas
    1. Oi, Lu.
      Obrigada! :)

      Fico feliz quando você diz que gosta!

      Beijos

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  2. Blog super atualizado com as novidades da cerimônia do casamento e da viagem da lua de mel! Passa lá quando puder.
    Bj e fk c Deus.
    Nana
    http://procurandoamigosvirtuais.blogspot.com.br

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  3. Eu sou mais uma que engrossa o coro dos "admiro o seu trabalho". E admiro mesmo, muito por saber que essa decisão sua é """""""""desapegada"""""""" da perspectiva de ganhar mais cifrões, coisa que eu infelizmente não consegui fazer. Larguei a moda e a fotografia pela arquitetura primeiro pela questão financeira, depois eu me apaixonei perdidamente pelo curso.
    Eu admiro quem faz escolhas por motivos diferentes dos meus, mas eu sustento as minhas escolhas e não tenho me arrependido delas.Muita sorte, talvez, mas prefiro achar que eu me conheço o suficiente.

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    1. Oi, Jade!
      O problema com pensar só nos cifrões é fazer isso sem felicidade. Quando a gente não gosta do que faz, acaba descontando em quem está ao nosso redor. Quando os cifrões são moedas de manipulação, entra o problema.
      Se vc pensa na sua escolha como um "tenho que sobreviver e não vou atrapalhar os outros", não vejo problema nisso, entende?

      EU não conseguiria viver em uma profissão que não me realizasse, mesmo que ela me pagasse muito mais do que recebo. Mas as pessoas são diferentes e - desde que isso não interfira na vida e no trabalho dos outros - tudo bem.

      Não sei se deu para entender.

      Beijos,

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    2. PS: Obrigada por gostar tanto do que escrevo! :D ♥

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  4. Fui uma das que encheu seu saco sobre a pós e não me arrependo. Conheço do que você é capaz e sei que você pode dominar o mundo!!

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  5. É estranho isso, eu sei.Também me sinto assim.Ás vezes nos sentimos meio perdidas, como se nao soubessemos para onde ir né?Mas acho que é importante sempre seguir o coração..ele sabe para onde nos levar :)


    Belo desabafo e fique forte <3

    beeijos
    http://carolhermanas.blogspot.com.br/

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    1. O coração sempre sabe, embora ele nos leve por caminhos meio tortuosos às vezes.

      Obrigada pelas palavras!
      :*

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  6. É a primeira vez que entro aqui e me apaixonei por esse texto e as verdades ditas nele.
    Beijos Feh

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    1. Oi, Katy!
      Você é mais que super bem-vinda aqui! ♥
      Fico feliz por você ter separado um pedacinho do seu tempo para ler o meu blog e espero que você volte mais vezes! :D

      Beijos! :*
      PS: Saudades de você!

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  7. oi, oi.

    estava na luta querendo ler o texto, mas sempre aparecia algo que me impedia... finalmente hoje fiz o esforço e li todo o textão. e que texto mais inspirador! <3 sem dúvida alguma, tem toda ligação com a minha atual realidade.

    eu tbm sou muito inseguro quanto ao que escrevo, por isso, prefiro publicar na internet do que mostrar a quem está ao meu lado. sinceramente, meus amigos nem ligam muito pro que eu ligo, então, nem faria diferença mostrar.

    to aqui torcendo pra que tudo dê certo pra ti. tenho certeza que vai amar. quando terminar a biografia da Lispector, conta um pouco pra gente. sou apaixonado por ela desde a época do colegial.

    bjs!
    Não me venha com desculpas

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    1. Oi, Adriel,

      O lance é formar uma comunidade de escritores que se ajuda, acho que esse é um bom começo. :)
      Meus amigos e minha família também não são mto envolvidos na minha escrita, porque eles não sabem mto como fazer. Paciência.
      Sobre o livro da Clarice, aos poucos eu vou lendo, um dia eu termino.

      Beijos e boa sorte pra nós!

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  8. Como adoro seus textos Fê. Sempre os leio e presto bastante atenção como cada parágrafo se encaixa no outro! Isso é lindo!
    Não desista nunca dos seus sonho, para realiza-los pode parecer trabalhoso dando aquela vontade de abandonar tudo, mas acredite, no fim vai ser a melhor coisa que você fez!
    Boa sorte na pós! ^^
    Beijos

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    1. Oi, Boo!
      Obrigada pelo elogio. Eu tento! hehehe

      Eu estou tentando não desistir, mas ando tão sem forças para tudo, que olha, está complicado.
      Espero que o fim da quaresma me dê um fôlego.

      Beijos,

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